Das medidas coercitivas atípicas no processo de execução por quantia certa: uso e limites

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RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade realizar uma análise dos meios atípicos de coerção em demandas executivas que visam ao recebimento de quantia certa, levando em consideração novidade trazida pelo legislador no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil de 2015, de modo a verificar os parâmetros necessários para o uso correto, a fim de se evitar arbitrariedades e ilegalidades. Utilizou-se uma abordagem do tema por meio de pesquisas, leituras doutrinárias e estudo de documentos jurídicos. Para tanto, percorreu-se o caminho de, primeiramente, contextualizar o tema na introdução, a fim de discorrer brevemente sobre a atipicidade das medidas e as execuções no Brasil. Posteriormente, os meios de execução, direta e indireta, bem como a atipicidade coercitiva como meio de execução. Ademais, discorreu-se, também, acerca dos princípios que norteiam e limitam o uso das medidas coercitivas atípicas em demandas de execução, bem como sobre as garantias constitucionais do devedor em processos dessa natureza. Além disso, abordou-se, brevemente, sobre o uso dessas medidas atualmente e como vem sendo o entendimento dos tribunais superiores acerca do tema. Por fim, concluiu-se que o uso das medidas atípicas de coerção garante ao magistrado um poder geral de efetivação que é de grande importância para se atingir os fins almejados em uma execução por quantia certa. Todavia, não se admite o uso exacerbado de tais medidas, sendo imprescindível que o julgador observe as balizas estabelecidas pela Constituição, os princípios aplicáveis ao Processo Civil que o norteiam, bem como os parâmetros jurisprudenciais consolidados, a fim de que o uso, das medidas atípicas de coerção, não configure arbitrariedade ou ilegalidade.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Civil; Medidas Coercitivas Atípicas; Direitos Constitucionais; Princípios Processuais.

ATYPICAL COERCIVE MEASURES IN THE LUMP SUM ENFORCEMENT PROCESS: USE AND LIMITS

ABSTRACT: The purpose of this work is to carry out an analysis of the atypical means of coercion in executive demands that aim to receive a certain amount, taking into account new features introduced by the legislator in Article 139, IV, of the 2015 Civil Procedure Code, to verify the necessary parameters for correct use, to avoid grievances and illegalities. An approach to the topic was used through research, doctrinal readings, and the study of legal documents. The path was first to contextualize the topic in the introduction and to briefly discuss the typicality of the measures and executions in Brazil. The means of execution, direct and indirect, as well as coercive typicality as a means of execution, were subsequently studied. It also discussed the principles that guide and limit the use of atypical coercive measures in enforcement demands, as well as the debtor's constitutional guarantees in processes of this nature. The current use of these measures was briefly discussed and how the higher courts have understood the topic. Finally, it was concluded that the use of atypical coercive measures guarantees the magistrate a general power of execution, which is of great importance to achieve the desired ends in execution for a certain amount. However, the exacerbated use of such measures is not permitted, and the judge must observe the marks established by the Constitution, the principles applicable to the Civil Process that guide it, as well as the consolidated jurisprudential parameters so that the use of atypical measures of coercion do not constitute arbitrariness or illegality.

KEYWORDS: Civil Procedure; Atypical Coercive Measures; Constitutional Rights; Procedural Principles.

1. INTRODUÇÃO

A busca pela efetividade em demandas executivas que visam ao pagamento de quantia certa influiu diretamente o legislador ao elaborar a Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015, o Código de Processo Civil. Esse dispositivo fez com que houvesse uma notável expansão dos poderes do magistrado dentro da lide, principalmente no que concerne ao uso das medidas coercitivas atípicas com o fito de coibir o executado ao cumprimento da obrigação. Junto com o uso dos meios atípicos, nasceram diversos questionamentos acerca dos limites da discricionariedade do julgador que conduz o processo, especialmente se qualquer tipo de medida seria passível de utilização, ficando a critério de quem dirige o litígio.

O uso pelo juiz da coerção por meio das medidas atípicas em execuções de obrigação de pagar quantia certa, suplica por uma reflexão mais cuidadosa do tema, ante sua recém-chegada no judiciário. Isso, porque existem riscos que devem ser observados, dentre eles o de ferir direitos fundamentais do devedor e, ainda, de se permitir a tramitação de um processo repleto de ilegalidade e arbitrariedades, quando o juiz utilizar dos poderes de aplicação de medidas coercitivas atípicas de maneira desmedida e sem levar em consideração parâmetros e critérios necessários para tanto.

Dito isso, qual seria a maneira correta de utilização das medidas coercitivas atípicas nas demandas de execução por quantia certa, ou ainda melhor, qual seriam as fronteiras a serem ponderadas antes de se valer de tais meios.

Com base nas questões levantadas, foram estabelecidos os objetivos deste trabalho, tendo como objetivo geral identificar como o juiz pode aplicar medidas executivas atípicas de coação na execução de pecúniários sob a ótica do art. 139, IV do CPC/2015, sem incorrer em ilegalidade e arbitrariedade em prejuízo do inadimplente. Para atingir este objetivo geral, o trabalho apresenta objetivos específicos que consistem em: a) precisar a execução nos processos civis nacionais, tipicidade e atipicidade da execução direta, execução indireta e instrumentos de execução no CPC/2015; b) analisar a prova do poder geral de execução, previsto em IV. No Estado Democrático de Direito Nacional, CPC/2015. § 139, bem como os princípios de implementação e; c) determinar os critérios mínimos de controle e limites de aplicação com base na jurisprudência do STJ e na doutrina nacional para a implementação do ponto IV, ao impor medidas de coação atípicas, o juiz deverá cumprir o disposto em IV. 139 do CPC/2015.

No que diz respeito à estratégia metodológica adotada, utilizou-se uma abordagem dedutiva. Isso significa que nossa investigação parte de princípios gerais e se desdobra para uma conclusão específica. Quanto à técnica de pesquisa, resumiu-se a uma pesquisa doutrinária aprofundada. Esse método envolve uma análise de conceitos por meio de uma análise extensiva de fontes bibliográficas, bem como de artigos científicos e jurisprudência nacional. A presente pesquisa teve como objetivo principal analisar o cerne do problema em questão, sem a intenção de realizar intervenções diretas na realidade social. Em vez disso, busca-se uma melhor compreensão do instituto pesquisado, promovendo debate e aprendizado.

A primeira seção trata do conceito de execução, apresentando sua finalidade e requisitos, expondo os meios ou medidas executivas de sub-rogação (execução direta) e de coerção (execução indireta) que estão à disposição do juiz para dar efetividade à execução civil no Brasil. Na segunda seção caracteriza-se a tipicidade e a atipicidade dos meios executivos, enfatizando o poder geral de efetivação, previsto no inciso IV, do art. 139 do CPC/2015. Já na terceira seção apresentam-se as possibilidades e limites do juiz na aplicação das medidas executivas atípicas de coerção na execução pecuniária, segundo as balizas do Estado Democrático de Direito.

Em um primeiro momento será abordado o conceito de execução, em que se explora a sua especificidade e seu escopo prático. Além disso, são apresentados os métodos e medidas à disposição do juiz para garantir a eficácia da execução civil, que são as medidas de execução direta e de execução indireta.

Já na segunda parte do presente trabalho, visa-se delinear as características dos meios executivos, tanto os tipificados quanto os atípicos. Elevado destaque é dado ao poder geral de efetivação outorgado ao magistrado, nos moldes do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil.

O terceiro fragmento visa a discutir a aplicabilidade das medidas coercitivas atípicas e restrições impostas ao juiz ao aplicá-las em demandas executivas de pagar quantia certa, dentro dos parâmetros estabelecidos pelos princípios norteadores do processo civil e as garantias constitucionais do devedor.

2. DAS EXECUÇÕES DE PAGAR QUANTIA CERTA

Inicialmente, a fim de se estabelecer os nortes que o juiz deve seguir ao empregar as medidas executivas não convencionais em um processo de execução por quantia certa, é crucial, de proêmio, entender o conceito de execução, sua finalidade e as suas condições de existência. Segundo Dinamarco (2009, p. 31) “executar é dar efetividade e execução é efetivação”. Ao passo que nas palavras de Didier Jr. et al. (2017, p. 45) “Executar é satisfazer uma prestação devida”. Nesse sentido, partindo da ideia de que a execução nada mais é do que um meio de retirar patrimônio de determinada pessoa para que se satisfaça determinado credor, Dinamarco (2009, p. 32) descreve as demandas executivas como “[...] o conjunto de medidas com os quais o juiz produz ou propicia a satisfação do direito de uma pessoa à custa do patrimônio de outra, quer com o concurso da vontade desta, quer independente ou mesmo contra ela”.

Nessa linha de raciocínio, ao conceituar em suas palavras o processo de execução, de modo a melhor refletir no atual cenário da legislação brasileira, Minami dispõe que:

Execução é a realização (princípio da efetividade), mediante um processo devido (obediência à imparcialidade, proporcionalidade, contraditório e fundamentação das decisões), prevista em lei ou, em determinados casos, estabelecido pelo magistrado ou pelas partes, de uma prestação consubstanciada em um título executivo. (MINAMI, 2020, p. 124).

Diante disso, denota-se que a execução é um mecanismo com o propósito de garantir o cumprimento de uma obrigação devida, por meio de um processo que esteja em conformidade com os princípios e disposições do sistema de justiça pátrio. Processo este que deve ser e é supervisionado pelo Estado-Juiz, que toma a iniciativa de aplicar atos ou medidas executivas em relação ao devedor, a fim de garantir a adimplemento da obrigação pendente perante o credor.

Noutro norte, não se pode esquecer que para que exista uma execução, é necessário que exista um título executivo extrajudicial ou, no caso de cumprimento de sentença, um título executivo judicial, denominado, na maioria das vezes, como sentença. Tal título deve sempre ser revestido de três aspectos para que detenha a força executiva necessária para que se deflagre uma demanda executiva, quais sejam, a liquidez, certeza e exigibilidade, conforme exigido pelo artigo 786 do Código de Processo Civil.

Certo é que para ingressar com um processo de execução é imprescindível que haja um justo título que arrima a pretensão executiva posta em jogo pelo particular ao judiciário e, principalmente, diante do devedor. Tamanha é a importância do título executivo, seja ele judicial ou extrajudicial, para a existência da demanda executiva que se criou um princípio processual chamado de cartularidade. Lógico, é necessário que referido título seja revestido dos requisitos necessários para ter sua força executiva plena, liquidez, exigibilidade e certeza.

Não se olvida a existência de execuções diversas da de pagar quantia certa, como por exemplos as obrigações de fazer ou não fazer, contudo, o enfoque do presente trabalho guarda íntima relação com as prestações pecuniárias, visto que o debate proposto gira em torno de linha tênue entre satisfatividade da obrigação pecuniária e direitos do devedor.

2.1 Do procedimento direto e indireto dos meios executivos

Quando se trata de procedimento executivo se pode estar diante de duas hipóteses, a execução por procedimentos diretos, como penhora de ativos financeiros via sistema SISBAJUD, automóveis via RENAJUD, dentre outros. Tais métodos estão entre aqueles que visam à sub-rogação. Noutro vértice, pode-se estar diante dos meios indiretos, os quais têm como escopo atingir esfera distinta da patrimonial, fazendo com que a dívida inadimplida seja paga sem afetar diretamente o patrimônio do executado. Trata-se da coerção pessoal do devedor.

Pelo vasto campo doutrinário brasileiro, dentre tantos nomes de grande notoriedade no campo jurídico, existem opiniões diferentes entre o que seriam os meios procedimentais diretos e indiretos. Cita-se, por exemplo, a posição do Ilustre Pinho que explica os meios diretos e indiretos da seguinte forma:

Os meios de sub-rogação são aqueles em que o Poder Judiciário prescinde da colaboração do executado para a efetivação da prestação devida, e por isso são também chamados de execução direta. [...] Já os meios de coerção se denominam “execução indireta”, o que, por si só, não garantem o cumprimento da obrigação, mas apenas estimulam o cumprimento da obrigação pelo próprio executado. (PINHO, 2020, n.p.).

Coadunando com o posicionamento acima elencado, consigna-se que por um lado os meios diretos nada mais são que, na colossal maioria das vezes, os tidos como típicos ou de uso cotidiano. Por outro lado, os indiretos são aqueles que, na maioria das vezes, são os atípicos, principalmente de coerção pessoal. Em síntese, trata-se o direto da afetação do patrimônio do executado, enquanto o indireto consiste na afetação pessoal do executado, de modo a coagi-lo ao pagamento do que é devido.

O Código de Processo Civil, prevê ambos os institutos, os meios diretos e os indiretos, ao decorrer de seus mil e setenta e dois artigos (BRASIL, 2015). É de extrema importância que tais institutos processuais estejam previstos no texto legal, uma vez que conferem ao magistrado maior amplitude e segurança na aplicação deles. O poder geral de efetivação que dispõe o julgador ao ministrar meios de se alcançar a satisfatividade da tutela jurisdicional consistente no pagamento de quantia certa é, sem dúvidas, extremamente reforçado pela redação do diploma legal que trata do assunto.

Dando maior destaque aos meios indiretos, por uma questão de conveniência perante o trabalho em tela, tem-se que estes se caracterizam pelos meios ou medidas de coerção que recaem sobre a pessoa do devedor e não diretamente sobre seu patrimônio. Dinamarco (2009, p. 51) discorre que “as medidas de coerção consistem em pressões sobre a vontade do obrigado, para que cumpra”. A interpretação da doutrina do autor acima sugere que a implementação das medidas de coerção tem, em sua fase inicial, o propósito de exercer pressão psicológica sobre o executado. Essas medidas são projetadas para gerar desconforto, seja por meio de custos financeiros adicionais, seja pela restrição de seus direitos na esfera civil. Tudo isso com o objetivo final de garantir que o executado cumpra a obrigação pendente.

Imperioso é destacar ainda que existem medidas que visam a incentivar o executado a cumprir suas obrigações, indo em rumo diferente das coercitivas que, apesar de terem o mesmo objetivo final, valem-se de meios diferentes para obtenção do resultado almejado. Quando se fala do incentivo dado pelo magistrado, está-se diante das chamadas sanções premiais, que são definidas por Talamini (2003) como um benefício ou prêmio que o executado recebe ao cumprir o que lhe cabia em determinado comando judicial. Um clássico exemplo de sanção premial é a redução dos honorários advocatícios fixados na decisão inicial pela metade no caso de pronto pagamento integral do débito perseguido em execuções de título extrajudicial, conforme prevê o artigo 827, § 1°, do CPC.

Diante do exposto, chega-se à conclusão de que o Estado-Juiz pode efetivar a pretensão do credor de receber determinada quantia do devedor por meio de uma execução de algumas formas, servindo-se dos meios tradicionais, como a sub-rogação, que nada mais é do que o juiz interferindo diretamente no patrimônio do devedor, entrando em jogo o princípio da responsabilização patrimonial. Ou, ainda, valendo-se dos meios indiretos, consistentes na coerção pessoal do devedor, fazendo com este se sinta coagido e cumpra com o que é devido.

3. DA ATIPICIDADE DOS MEIOS EXECUTIVOS

Os meios direto e indireto vistos no tópico anterior possuem expressa previsão no texto infraconstitucional (CPC), encontrando tipicidade no decorrer dos artigos. Contudo, existe a possibilidade do uso, pelo magistrado, de meios que não encontram um rol ou previsão específica no código, trata-se dos meios atípicos. Como já dito e o próprio nome sugere, os meios atípicos não possuem um rol, seja ele taxativo ou exemplificativo, os definindo ou limitando explicitamente.

A possibilidade do uso de tais medidas atípicas encontra espaço no nosso atual ordenamento jurídico por meio da interpretação de alguns dispositivos do Código de Processo Civil de 2015, em especial, o famigerado artigo 139, inciso IV, que possui a seguinte redação:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

(...)

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

O fato de o procedimento atípico não estar previsto em seu todo na lei processual, pode gerar certo desconforto, principalmente no executado. Diante disso, tem-se que a atipicidade encontra espaço no contexto real atualmente, visto que é entendimento consolidado a possibilidade do uso das medidas atípicas. Nesse espeque, revela-se um cenário no qual meios típicos e atípicos coexistem em harmonia e são utilizados conforme as necessidades e peculiaridades do caso concreto.

Nessa mesma linha de raciocínio leciona Minami (2020) que ao dissertar sobre o tema classifica que o processo civil brasileiro adota a teoria mista, uma vez que existe a possibilidade de se utilizar dos meios típicos em determinados casos e dos atípicos em outros. Concisamente, a nossa lei processual em vigência prevê inúmeros meios típicos que podem ser utilizados pelo julgador para alcançar o objetivo de uma demanda executiva. Porém, além disso, prevê também meios atípicos para tal finalidade, meios estes que não encontram previsão expressa no Código de Processo Civil ou em qualquer outra norma contemporânea ou pretérita.

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Os artigos que trazem à tona a possibilidade da atipicidade como meio de se buscar a efetividade do processo de execução são denominados de cláusulas gerais processuais executivas, sendo as cláusulas gerais, segundo Didier Jr et al. (2017, p. 102), uma “espécie de texto normativo, cujo antecedente (hipótese fática) é composto por termos vagos e o consequente (efeito jurídico) é indeterminado”.

Na ótica dos autores, a falta de previsão expressa aliada com a falta de um saber concreto acerca dos efeitos fáticos e jurídicos que podem se desencadear com o uso das medidas atípicas, revelam uma grande atividade por parte do magistrado na condução do processo nesse tocante. Diante dessa grande responsabilidade que recai sobre o juiz ao se valer das medidas atípicas, deve o magistrado estar sempre respaldado em preceitos basilares e norteadores de toda e qualquer demanda.

Ressalta-se, ainda que brevemente neste tópico, a necessidade de observância dos princípios da proporcionalidade e dignidade da pessoa humana, não se olvidando ainda do princípio da responsabilidade patrimonial que de certa forma guarda relação com toda a conjuntura principiológica trazida à baila.

À vista disso, ao aplicar tais medidas atípicas, como já visto, deve o magistrado efetivar uma análise causal de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sempre se valendo de fundamentação devida e de motivação para a escolha de tais medidas.

Noutro ponto, há de se destacar que o Código de Processo Civil de 2015 modernizou ao estabelecer o uso das medidas atípicas em execuções por quantia certa, uma vez que tal hipótese não existia no Código de Processo Civil de 1973. O artigo 139 em seu inciso IV, na parte final, dispõe claramente sobre essa possibilidade, no fragmento de sua redação que institui in verbis: “inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

No que concerne à escrita do artigo 139, IV, do CPC, Didier Jr. et al. (2017, p. 101) entendem existir uma atecnia, visto que segundo esses autores as medidas mandamentais, coercitivas e indutivas se traduzem na mesma coisa, sendo todas técnicas indiretas de execução.

Inegável é que a previsão constante no inciso IV do artigo 139 do CPC ampliou os poderes de efetivação conferidos ao magistrado, principalmente em execuções de quantia certa, que antes eram apenas respaldadas pelos meios típicos, que há muito se mostravam ineficientes e insuficientes em determinados casos. Traduz-se, dessa forma, a previsão do artigo supracitado, em uma forma do julgador dar maior efetividade às demandas executivas, fazendo valer seu Poder Geral de Efetividade.

No tocante ao surgimento do chamado Poder Geral de Efetivação que é conferido ao magistrado, a partir da interpretação do texto legal do artigo 139, inciso IV, do CPC, tem-se que tal denominação surgiu por meio do Enunciado n° 48 do Enfam (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados), que assim dispõe:

48) O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais. (BRASIL, 2015).

Conforme se extrai do enunciado acima transcrito, restou expressamente consignado que o poder de efetivação do magistrado foi elevado por meio da possibilidade do uso das medidas atípicas, sobretudo em ações executivas de prestação pecuniária. Destaca-se que as medidas atípicas podem ser utilizadas tanto em cumprimentos de sentença quanto em execuções de títulos extrajudiciais.

Notório é que as medidas atípicas conferem um poder-dever ao julgador, visto que colocam a disposição dele um poder geral de efetivação e ao mesmo tempo certa discricionariedade ao dirigir os atos executivos. Diante disso, deve haver um cuidado especial do magistrado ao utilizar as medidas atípicas, sobretudo as coercitivas, devendo observar as peculiaridades do caso concreto aliadas com a análise causal e moderação no uso, sob pena de ocorrer em excesso. Nas palavras de Bueno (2015) “a ênfase deve recair no dever, e não no poder. Poder só existe como meio diretamente proporcional e exato para atingimento do dever. Fora disto, há abuso de poder e, como tal, nulo de pleno direito”.

Isso posto, conclui-se que a utilização deste poder geral de efetivação conferido ao magistrado por meio da possibilidade de se valer das medidas atípicas pode configurar abuso de poder, caso sejam aplicadas de forma discricionária e desmedida, violando, dessa forma, preceitos fundamentais e direitos subjetivos do devedor. Contudo, o uso pautado na proporcionalidade, cumulado com a devida análise do texto fático real dos autos garantindo a não violação de direitos fundamentais do executado, se mostra de grande importância para a busca da satisfatividade da tutela jurisdicional executiva.

3.1 Dos princípios norteadores da execução e direitos fundamentais do devedor

Em nosso ordenamento jurídico, os princípios são de grande importância para todo e qualquer processo, seja ele judicial ou extrajudicial, uma vez que forjam a linha de um processo íntegro e legal. Atualmente, os princípios são considerados por muitos algo natural para que haja o desenvolvimento válido de uma demanda perante todos os litigantes e colaboradores da justiça.

Consagram-se como aplicáveis aos processos de execução de valores diversos princípios, como por exemplo, o do devido processo legal, princípio da efetividade, proporcionalidade, paridade de armas etc. Atentando-se ao que se revela de maior importância para o presente trabalho, serão abordados os princípios da efetividade da execução, da menor onerosidade, da patrimonialidade e da proporcionalidade, além de alguns direitos constitucionais inerentes ao executado.

Primeiramente, é necessário se fazer menção e discorrer sobre o princípio da patrimonialidade ou da realidade, que nada mais é do que a responsabilização do patrimônio do devedor pelas suas dívidas e não sua pessoa em si. Ou seja, seus bens, móveis, imóveis, semoventes, faturamento de empresas, dentre outros, é que serão diretamente afetados com o fim de satisfazer a dívida inadimplida.

Referido princípio encontra previsão legal no Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 789, que possui a seguinte redação: “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”. Dita cláusula processual rege a responsabilização de tão somente os bens do executado, ressalvadas as restrições previstas em lei, como as causas de impenhorabilidade, por exemplo.

Nessa linha, Neves (2018) aponta que inexiste em nosso atual ordenamento jurídico e em qualquer outro existente atualmente, meios de satisfazer a dívida por meio do devedor em si, como outrora se fazia em tempos passados, e ainda, se aprofundando mais na explanação, discorre que:

A proibição de que o corpo do devedor responda por suas dívidas, reservando-se tal garantia a seu patrimônio, é vista como representação da humanização que o processo de execução adquiriu durante seu desenvolvimento histórico, abandonando gradativamente a ideia de utilizar a execução como forma de vingança privada do credor. (NEVES, 2018, p. 1063).

Em obediência às diretrizes estabelecidas pelo princípio da patrimonialidade, o legislador tratou de garantir seu cumprimento por meio de procedimento de tramitação das execuções. Clássico exemplo é a suspensão da demanda executiva pelo prazo de 1 (um) ano caso seja constatada a ausência de bens penhoráveis em nome do executado, conforme inciso III do artigo 921 do Código de Processo Civil.

Vale acrescentar que, por vezes, o princípio da realidade da execução pode vir a ser mitigado, devido à incidência de outros princípios ou garantias fundamentais do executado, como exemplificativamente, a impenhorabilidade de proventos derivados da aposentadoria e salário, ou ainda, aqueles valores que não superam a 40 (quarenta salários mínimos) depositados em caderneta de poupança.

A impenhorabilidade guarda, no mais das vezes, afeita ligação com a dignidade da pessoa humana, que é garantia constitucional de toda e qualquer pessoa, sem distinção alguma, conforme previsão da Constituição Federal (BRASIL, 1998), em seu artigo 1°, III. Em função disso é que o legislador cuidou de elaborar um rol, no artigo 833 do CPC, que enumera os bens que são considerados impenhoráveis, seja por sua natureza ou utilidade prática. Contudo, referido rol não exaure as possibilidades de impenhorabilidade, sendo certo que existem outras hipóteses previstas em leis esparsas, como a Lei n° 8.009/90 (BRASIL, 1990), que trata da impossibilidade de se penhorar bem de família. Além disso, não se olvida que por meio da modulação feita pela jurisprudência dos tribunais brasileiros, principalmente do Superior Tribunal de Justiça, decidiu-se pela ampliação das regras da impenhorabilidade quando necessário for e desde que em prol de assegurar direito fundamental. Nesse sentido é como leciona Medina (2019), in verbis:

Sob esse prisma, decidiu-se, na jurisprudência, que “o rol das impenhorabilidades do ordenamento pátrio objetiva preservar o mínimo patrimonial necessário à existência digna do executado, impondo ao processo executório certos limites. Assim, a depender das peculiaridades do caso, as regras de impenhorabilidade podem ser ampliadas, de modo a adequar a tutela aos direitos fundamentais, como por exemplo: o direito à moradia, à saúde ou à dignidade da pessoa humana. Trata-se, portanto, da aplicação do princípio da adequação e da necessidade sob o enfoque da proporcionalidade”. (MEDINA, 2019, p. RB-3.36).

Diante disso, infere-se que o princípio da responsabilidade patrimonial visa a garantir que somente o patrimônio do devedor seja afetado, de modo a inibir que a execução recaia diretamente sobre a pessoa do executado.

No tocante ao princípio da efetividade da execução, discorrem Didier Jr. et al. (2017, p. 65) que “o devido processo legal, cláusula geral processual constitucional, tem como um de seus corolários o princípio da efetividade: os direitos devem ser efetivados, não apenas reconhecidos. Processo devido é processo efetivo”.

Conforme pode-se observar, o princípio da efetividade da execução é derivado do devido processo legal, o que o leva a um patamar acima do comum, visto que este se trata de um direito fundamental previsto na Carta Magna de 1988. Outrossim, Dalla (2020) trata do princípio da efetividade da execução explanando que a maior parte da doutrina considera o processo uma ferramenta que busca dar concretude ao que é esperado pelo credor, dentro do que é devido legalmente, sempre dentro do que é possível. Portanto, denota-se que para o doutrinador o magistrado deve buscar eficácia da demanda executiva para que o credor seja ressarcido de prejuízo passado, recorrendo a todos os meios lícitos e possíveis para tanto.

Indo de encontro com o que rege o princípio da efetividade da execução que, como destacado neste estudo, busca a satisfatividade da obrigação pecuniária ao máximo possível, tem-se o princípio da menor onerosidade que objetiva proteção do executado também no máximo possível, conforme dispõe o artigo 805 do Código de Processo Civil: “Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”.

Diante da interpretação da norma acima transcrita, chega-se à conclusão de que se trata de um dever do magistrado, levando este a conduzir os atos executivos de modo a preferir sempre aqueles que se revelem menos prejudiciais ao devedor, que o cause menos empecilho.

Em que pese a existência do princípio da menor onerosidade, não pode o julgador se olvidar que a efetividade da execução continua existindo simultaneamente com aquele, fazendo com que a menor onerosidade não seja uma regra geral e suprema de modo a dificultar a satisfatividade da tutela executiva.

Nesse tocante, é esperado que o juiz realize uma minuciosa avaliação do caso concreto, de modo a almejar alcançar o mais perfeito possível equilíbrio entre os interesses postos em jogo pelo exequente e as garantias do executado. Logo, o magistrado deve atuar sempre visando à consonância entre os princípios supracitados, a fim de garantir a ambas as partes um processo justo, lícito e eficaz.

Para que essa análise seja feita da maneira correta, entendo ser necessário que o julgador, pautado nas características do caso concreto, valha-se da proporcionalidade, a fim de que não onere mais que o necessário o patrimônio do executado, impondo medidas executivas desproporcionais e abusivas, consoante rege o princípio da menor onerosidade. Lado outro, não se pode olvidar do princípio da efetividade da execução, ou seja, o princípio da menor onerosidade não deve tolher a efetividade da tutela executiva buscada. Isso também não quer dizer que, por vezes, não irá ocorrer a mitigação da supremacia da efetividade da execução, visto que esse é um dos papéis da menor onerosidade, quando necessário se revelar.

Nesse sentido, para Assis e Bruschi (2021, p. RB-26.7), o magistrado deve:

i) interpretar as normas relativas aos meios executivos de modo a extrair uma maior proteção e efetividade à tutela executiva e; ii) deixar de aplicar normas que restrinjam direitos na execução sempre que essas normas não forem justificáveis pela proteção devida a outro direito fundamental.

Portanto, depreende-se que os princípios que norteiam os processos executivos são de importância inconteste para o regular e legal trâmite de toda e qualquer demanda, devido às suas naturezas que visam a refletir as convicções estampadas em nossa Lei Maior, seus preceitos básicos e seus fins almejados.

4. DO USO DAS MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS E SUAS RESTRIÇÕES

O poder conferido ao magistrado por meio do inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil é de vultosa importância em demandas executivas, pois se trata de uma cláusula geral executiva ampla, que oportuniza uma variedade inconcebível de aplicação dos meios atípicos. Nas palavras de Erik Navarro Wolkart a cláusula geral executiva conferida pelo supramencionado artigo é:

[...] fundamental para (i) promover o comportamento cooperativo das partes já no momento da propositura da ação, evitando ou abreviando o processo logo no início; (ii) evitar a anomalia da execução, promovendo o comportamento cooperativo do réu no máximo no prazo do art. 523 do CPC/2015; ou, ao menos, (iii) garantir, em alguma medida, o comportamento cooperativo em momento posterior, de modo que a tutela jurisdicional seja realmente prestada em prazo razoável, porque, sem sua efetivação, o art. 5º, XXXV, da CF é letra semimorta; (iv) diminuir substancialmente o cenário de tragédia da Justiça, pois, com o evitamento ou abreviamento da execução, ataca-se diretamente e, de uma só vez, parcela majoritária do problema do esgotamento do sistema de justiça brasileiro. (WOLKART, 2019, p. RB-10.6).

Ademais, levando em consideração ser a disposição do artigo 139 do CPC uma cláusula geral executiva com um termo vago e indeterminado não possui taxatividade ou mesmo exemplificatividade acerca dos meios que podem ser empregados.

Dessa forma, como deve o julgador se valer da utilização das medidas coercitivas atípicas sem causar algum tipo de arbitrariedade ou abuso de poder? Sem ferir direitos do devedor? Dita disposição legal concede poderes ilimitados ao magistrado que conduz a execução?

Por muito tempo foi discutido pela doutrina e jurisprudência sobre os questionamentos acima e muitos outros. Existiam no passado e existem nos dias atuais doutrinadores que defendem a não incidência das medidas atípicas de coerção em demandas executivas que visam pecúnia. Outros apenas fazem considerações acerca de como devem ser aplicadas, mediante quais situações e com observância de quais parâmetros, princípios, casuística etc.

Em que pese os posicionamentos desfavoráveis de alguns doutrinadores, a aplicação das medidas atípicas de coerção é majoritariamente vista como possível e necessária pela doutrina, visto que um dos grandes estorvos vividos pelo nosso judiciário atualmente é o acúmulo de demandas e falta de celeridade processual por conta disso. Ademais, grande parte da morosidade é consequência das execuções de pagar quantia certa que são falhas e sem efetividade. Portanto, o uso das medidas atípicas de coerção nessas demandas executivas tem o condão de, muitas vezes, trazer mais efetividade e celeridade processual, o que é garantido pela nossa Constituição Federal.

À vista dos debates, muito se falou sobre a inconstitucionalidade dos meios atípicos de coerção em processos de execução por quantia certa, sendo esta tese defendida por alguns doutrinadores ao longo dos anos, após o novo Código de Processo Civil prever tal possibilidade. Todavia, no decorrer dos anos, de 2015 a 2023, houve extrema controvérsia nos tribunais estaduais acerca da constitucionalidade e uso das medidas atípicas de coerção.

Por conta disso, no ano de 2018 o Partido dos Trabalhadores - PT ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade, a ADI n° 5.941 junto ao Supremo Tribunal Federal, com o fito de que se declarasse inconstitucionais diversos dispositivos do nosso atual Código de Processo Civil. O principal deles foi o inciso IV do artigo 139.

Vale considerar que o que motivou o protocolamento da ação direta de inconstitucionalidade, segundo o requerente Partidos dos Trabalhadores - PT, foi os dispositivos legais se contraporem às normas e direitos previstos na Constituição de 1988, visto que o uso dos meios atípicos fere direitos fundamentais dos devedores.

Desse modo, no dia 09 de fevereiro do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal pôs fim à dúvida quanto à constitucionalidade dos dispositivos acima mencionados. O plenário julgou improcedente a ADI n° 5.941, confirmando a constitucionalidade dos dispositivos que dão azo ao uso das medidas atípicas, inclusive a de coerção nos processos de execução por quantia certa. O Ministro Luiz Fux, relator da ADI em comento, em seu voto, destacou que: “A flexibilização da tipicidade dos meios executivos visa a dar concreção à dimensão dialética do processo, porquanto o dever de buscar efetividade e razoável duração do processo é imputável não apenas ao Estado-juiz, mas, igualmente, às partes”.

Em meio a ampla e bem-feita fundamentação do voto do Ministro Luiz Fux, houve grande deliberação acerca da observância da proporcionalidade da medida em face do caso concreto sob análise. Nas palavras do Ilustre Fábio Caldas de Araújo o princípio da proporcionalidade:

serve de meio de balizamento contra ingerências do legislador no exercício de prerrogativas fundamentais do cidadão, cujo núcleo deve ser considerado intocável – o que torna o princípio da proporcionalidade, em visão ampla, um princípio com poder de superlimitação à limitação (Super-Schranken-Schranke) (ARAÚJO, 2023, p. VI).

Sob esse prisma, tem-se que o princípio da proporcionalidade, para ser plenamente atendido pelo magistrado, deve seguir três orientações, que são a necessidade, adequação e a proporcionalidade em sentido estrito. Assim, é como entende Justen Filho, ao discorrer sobre o princípio da proporcionalidade consigna que:

O primeiro aspecto é o da adequação ou compatibilidade com o fim buscado pela medida adotada. Exige-se que a solução seja apropriada à realização do fim. Essa exigência envolve um juízo de causalidade, aplicado em ordem inversa. Identifica-se o fim a atingir e se avalia se as providências cogitadas são aptas a produzi-lo. Violará o princípio da proporcionalidade, sob o prisma da adequação, a norma que consagrar uma imposição não apta a produzir o fim buscado. (JUSTEN FILHO, 2018, n.p.).

Mas afinal, no que consiste a proporcionalidade em sentido estrito, a adequação e a necessidade no que tange ao princípio da proporcionalidade como moderador das medidas coercitivas atípicas nos processos de execução por quantia certa. Para Justen Filho (2018, n.p.) a decisão do juiz, para que respeite a proporcionalidade em sentido estrito, “[...] além de conveniente e menos danosa, necessita ser compatível com a ordem jurídica. Não basta constatar que a solução é apta a produzir certo resultado pretendido e que é a menos onerosa possível”.

De mais a mais, o Ministro Gilson Dipp na condição de relator da Intervenção Federal n° 111/PR (BRASIL, 2014) destacou: “Pelo princípio da proporcionalidade, não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional [...]”.

Ainda, é necessário observar a necessidade da medida diante do caso concreto e suas peculiaridades. Segundo Justen Filho a necessidade:

[...] se relaciona à limitação da disciplina normativa ao mínimo necessário para assegurar o atingimento do fim buscado. Não é válido optar por solução que importe sacrifício desnecessário ou excessivo, ou seja, entre as diversas medidas que preencham os requisitos da adequação, deve ser escolhida aquela que produza a menor restrição possível aos diferentes interesses em jogo. Exercita-se, portanto, uma comparação entre as diversas alternativas adequadas e se elege a menos onerosa. (JUSTEN FILHO, 2018, n.p.).

Destaca-se da lição acima colacionada que, o magistrado ao analisar a medida atípica que se cogita utilizar, deve sempre ter em mente se aquele meio é o menos gravoso para ambas as partes que litigam, ou seja, dentre o leque de opções possíveis que tenham o condão de atingir o resultado almejado. Logo, caso exista um leque, deve-se analisar qual forma será menos prejudicial aos envolvidos.

No que tange à adequação, ainda tratando do princípio da proporcionalidade, Justen Filho leciona que:

Exige-se que a solução seja apropriada à realização do fim. Essa exigência envolve um juízo de causalidade, aplicado em ordem inversa. Identifica-se o fim a atingir e se avalia se as providências cogitadas são aptas a produzi-lo. Violará o princípio da proporcionalidade, sob o prisma da adequação, a norma que consagrar uma imposição não apta a produzir o fim buscado. (JUSTEN FILHO, 2018, n.p.).

Da reflexão da doutrina acima transcrita, nota-se que a adequação consiste em analisar se o meio que se pretende empregar tem o potencial de alcançar o fim cobiçado, ou seja, de nada adianta o uso de uma medida atípica se esta não gera presunção de satisfazer a obrigação de pagar quantia certa.

Tal ponderação acerca da adequação deve ser sempre realizada de acordo com as provas e circunstância constantes no bojo dos autos de execução, de modo a se chegar à conclusão de que aquela medida realmente aflorará o que se busca em uma execução de título extrajudicial ou um cumprimento de sentença, que é receber o valor inadimplido.

Além da observância ao princípio da proporcionalidade, outros fatores de extrema importância devem ser levados em consideração pelo magistrado antes de se valer das medidas coercitivas de coerção. Nesse sentido, orienta o artigo 11 do Código de Processo Civil: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (BRASIL, 2015).

Conforme depreende-se, toda decisão proferida pelo judiciário deve ser fundamentada e, diferente não é, por óbvio, quando se fala de pronunciamentos judiciais concernentes ao uso das medidas atípicas. Logo, o uso da atipicidade depende de prévia decisão fundamentada, que deve ter em conta a casuística dos autos.

Ademais, é entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça que para o uso das medidas de coerção atípicas, fundamental é que tenham se esgotados os meios típicos, ou seja, os sistemas disponíveis e formas à disposição que encontram respaldo na legislação. Além disso, exige-se que haja indícios de que o executado vem se furtando de cumprir com a dívida, ou seja, possui patrimônio expropriável, porém o oculta, com o fito de não quitar o que por ele é devido.

Nesse sentido, colaciona-se abaixo trechos de julgados emanados pelo Superior Tribunal de Justiça, nos quais se destaca a imprescindibilidade da constatação dos requisitos supracitados. Examina-se, por exemplo, o julgamento do Resp n° 1.782.418/RJ, que decidiu da seguinte forma:

[...] 5. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 6. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. (BRASIL, 2019).

Outro ponto de grande pertinência que deve ser destacado é a observância do contraditório substancial pelo julgador, ou seja, o executado deve sempre que possível ter o direito de influir na formação da decisão que visa à aplicação das medidas coercitivas atípicas.

Tal regra se deflagra da disposição do artigo 9° do Código de Processo Civil que dispõe: “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”. Não obstante à disposição constante no CPC, a Constituição Federal cuidou de tratar do tema em seu artigo 5°, inciso LV, que possui a seguinte redação: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Ocorre que, ocasionalmente, o contraditório resta prejudicado, seja pelo fato de o executado não ter constituído procurador para a defesa de seus interesses, apresentando embargos à execução, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade, por exemplo. Ou seja, pelo fato de que o prévio contraditório iria obstar a efetividade da medida atípica.

Nesse cenário, o que ocorre é o diferimento do contraditório, que será feito em momento posterior à efetivação da medida a ser tomada. Lecionam Didier Jr. et al. (2017, p. 117) que “na escolha da medida executiva atípica deve-se observar o contraditório, ainda que diferido”. Ou seja, existe a possibilidade de o magistrado aplicar a medida atípica diretamente, sem oportunizar o contraditório prévio, o deixando para após.

À vista disso, revela-se pertinente comentar a respeito do enunciado n° 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que, já no ano de 2013, prevendo o avanço do uso das medidas atípicas na seara das execuções por quantia certa, emanou o seguinte entendimento:

12. (arts. 139, IV, 523, 536 e 771) A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II. (Grupo: Execução).

Veja-se que, já havia entendimento no sentido da subsidiariedade do meio atípico frente ao típico, bem como acerca da possibilidade de se oportunizar o contraditório posteriormente a decisão que determina o uso das medidas atípicas. Além da visão antecipada quanto ao uso da atipicidade em obrigações de pagar quantia certa.

Outrossim, é crível chegar à conclusão de que o juiz ao utilizar os meios atípicos de coerção em uma demanda executiva, deve estar atento aos limitadores de uso da atipicidade, visto que a inobservância dos parâmetros estabelecidos pela lei, princípios, jurisprudência e doutrina, levam a constituição de um verdadeiro ato ilícito, arraigado de arbitrariedade e inconstitucionalidade.

Nessa concepção, o cuidado ao utilizar da atipicidade das medidas, principalmente no que tange à coerção pessoal, deve ser alto, uma vez que seu desprezo culmina, no mais das vezes, em uma verdadeira sanção, que recai sobre o executado de forma desnecessária e arbitrária.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já tratou do tema, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus n° 97876/SP, discorrendo que “para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual.” (BRASIL, 2018).

Ao fim e ao cabo, denota-se que o artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, considerado constitucional pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.94 confere ao magistrado uma forma de efetivação da tutela executiva que se revela potencialmente eficaz se aplicada da maneira correta. Contudo, o uso das medidas atípicas de coerção em execuções por quantia certa não pode ser irrestrito, sob pena de se tornarem arbitrariedades.

Ademais, como destacado, existem diversos meios que regulam e limitam o uso indiscriminado das medidas atípicas de coerção, em especial em demandas que visam ao recebimento de pecúnia. Dentre os meios, elencam-se que os principais são os princípios processuais e constitucionais e, ainda, a jurisprudência perdurável do Superior Tribunal de Justiça. Portanto, a conjuntura proporcionada pelo atual cenário jurídico indica a possibilidade do uso das medidas coercitivas atípicas, desde que arrimadas nos preceitos já expostos, a fim de se evitar desfechos ilícitos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, conclui-se com o presente estudo, que o Código de Processo Civil de 2015 ao inovar com a possibilidade do uso das medidas atípicas de coerção nos processos de execução por quantia certa ou cumprimentos de sentença logrou êxito em cumprir com a celeridade processual e busca pela efetividade da tutela jurisdicional.

Constatou-se que o inciso IV do artigo 139 do CPC se trata de uma disposição que outorga ao magistrado um poder geral de efetividade executiva. Isso, porque, é papel do julgador do litígio promover o alcance do bem da vida almejado, mediante a propositura de uma demanda. Por conseguinte, o uso das medidas de coerção de natureza atípica são uma ferramenta de notória eficácia na coação do devedor a cumprir com o pagamento da dívida inadimplida.

Igualmente foi averiguado que existem limites e barreiras no uso das medidas atípicas, a fim de não se desvirtuar de seu propósito único, que é compelir o executado ao cumprimento da obrigação, neste caso, consistente no pagamento de pecúnia. Como principais moderadores do uso ilimitado das medidas coercitivas atípicas em execuções por quantia certa destacam-se as garantias constitucionais do executado; os princípios infraconstitucionais norteadores das demandas executivas; além dos critérios estabelecidos pela consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que se resumem a constatação de patrimônio expropriável em nome do devedor; indícios de ocultação do patrimônio; esgotamento dos meios típicos e contraditório, ainda que diferido.

Além disso, dando a devida importância ao princípio da proporcionalidade, convém destacar que este se mostra um dos grandes meios de moderação e parâmetro para o uso adequado das medidas atípicas de coerção, visto que sua aplicabilidade demanda uma análise detalhada das particularidades do caso concreto, a fim do preenchimento dos requisitos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Calha relembrar que o uso dos meios atípicos deve sempre fazer um juízo de valores e direitos das partes, de modo a sopesar a importância da eficácia da execução, ou seja, o direito a efetividade que o credor possui, nunca se olvidando dos direitos do devedor, como por exemplo o da menor onerosidade.

Em conclusão, denota-se que não existe brecha para o uso exacerbado das medidas coercitivas atípicas em demandas de execução ou cumprimento de sentença por quantia certa, visto que a sistemática processual atual limita seu uso para casos em que realmente se demonstre a efetiva necessidade. Portanto, o magistrado ao se valer do uso da atipicidade deve ter em mente as garantias constitucionais do executado, os princípios que norteiam e limitam a sua aplicação, além dos requisitos primordiais fixados pela jurisprudência pátria, a fim do correto uso das medidas atípicas de coerção. Evitando-se, dessa forma, arbitrariedades e ilegalidades.

REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Fábio Ferreira Bueno

Possui graduação em Direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR (1997). Pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Paranaense - UNIPAR (2001). Mestrado em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense - UNIPAR (2005). Advogado em exercício desde 1998. Foi docente da Escola da Magistratura do Paraná. É Professor da Universidade Paranaense - UNIPAR, Umuarama/PR, no Curso de Graduação em Direito, desde 2000, ministrando as disciplinas de Direitos Difusos e Coletivos e Direito Processual Civil. Professor em cursos de Pós-graduação ofertados pela Universidade Paranaense - UNIPAR.

Vitor da Cunha Carvalho Gonçalves

Acadêmico do curso de direito da Universidade Paranaense - Unipar

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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