Os métodos adequados de soluções conflito.

Uma análise dos desafios à implementação da conciliação e da mediação

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18/02/2024 às 17:36
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O texto analisa os principais entraves à implementação de métodos autocompositivos de resolução de conflitos, visando aprimorar a prestação jurisdicional.

Resumo: Tem-se observado uma tendência progressista do legislador e do Poder Judiciário, com um incentivo cada vez maior para a utilização de práticas cooperativas na busca de resolução de conflitos. A busca por soluções mais efetivas e com maior grau de satisfação das partes levou à concepção e implementação do Sistema Multiporta pelo Conselho Nacional de Justiça, dando especial ênfase aos métodos autocompositivos de resolução de demandas, com destaque a conciliação e a mediação. O presente trabalho busca analisar os principais entraves que dificultam a implementação dos métodos adequados de resolução de conflitos, com vista a abrir caminho para os diálogos e aprimoramento da prestação jurisdicional. Abarcando o processo de implementação de novos métodos como aliado ao sistema, consolidado, de jurisdição tradicional. Uma transformação que visa acrescer alternativas a forma de administração da justiça em consonância com a promoção de uma política social contemporânea quanto à resolução dos conflitos e seus reflexos no Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: métodos adequados de solução de conflitos; conciliação; mediação; Autocomposição.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. BREVE ARCABOUÇO HISTÓRICO. 3. MÉTODOS HETEROCOMPOSITIVOS E AUTOCOMPOSITIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS . A. Jurisdição. B. Arbitragem. C. Conciliação. D. Mediação. 4. SISTEMA MULTIPORTAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E OS MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO NA RESOLUÇÃO Nº 125 DO CNJ. 5. DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA MEDIAÇÃO E DA CONCILIAÇÃO. A. superar uma cultura litigiosa. B. Inclusão dos métodos consensuais de resolução de conflitos no ensino Jurídico. C. Mudança no papel dos operadores do direito. D. Capacitação dos mediadores e conciliadores. E. Limitações de estrutura e financeiras. 6. CONCLUSÕES. 7. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Contextualizando o conflito como uma consequência da convivência humana, ele surge junto com o processo de formação das sociedades e do movimento de agrupamento de pessoas. Desde que o homem passa a agrupar-se, surgem desentendimentos, em maior ou menor grau, que podem comprometer as dinâmicas entre os indivíduos e por consequência abalar a pacificação social.

Se por um lado a experiência de viver em grupo era benéfica aos indivíduos que o compunha, dado que se formava uma força maior para se defenderem ou buscar alimentos, por outro lado a pluralidade de ideia e opiniões, ou até o processo de imposição de lideranças eram vetores de atritos.

Dentro dessa premissa, o processo de resolução dos conflitos passa por um processo de transformação à medida que a sociedade evolui. Nos primórdios tudo era resolvido pelo uso da força, a autotutela imperava e o mais forte subjugava o mais fraco. A justiça era atrelada ao ato de devolver o injusto recebido. Em um salto, as primeiras leis são instituídas, os primeiros códigos surgem e a aplicação da justiça fica a cargo de um terceiro, uma ideia embrionária dos juízes modernos.

A concepção de justiça atrelada a um juiz imparcial, ainda, é, nos dias de hoje, sua máxima exponencialidade, mas com o aumento das demandas e a consequente demora na resolução de conflitos fizeram com que movimento denominado métodos de resoluções adequadas de conflitos ganhasse forma. Com a utilização de técnicas, que até eram conhecidas, mas pouco utilizadas, as quais ganharam novas roupagem e foram introduzidas nos Ordenamentos Jurídicos como mecanismos de retomada de uma justiça efetiva e eficaz, capaz de atender aos anseios da sociedade em tempo adequado e promover a pacificação social.

Os avanços legislativos puxados pela Resolução 125/2010 do CNJ buscam o estímulo à solução autocompositiva com uma maior participação e conscientização das partes, como efetivas participantes da resolução dos litígios. Um processo de democratização da justiça que tem o propósito de gerar uma transformação cultural: saindo da litigiosidade e busca por sentenças impositivas para uma cultura de consenso e diálogo para efetivar a pacificação social.

Nesse contexto, são apresentados os métodos adequados de resolução de conflitos, especialmente a conciliação e a mediação. Metodologias que podem ser aplicadas para a pacificação social sem a exclusão dos métodos tradicionais e mais difundidos, como a jurisdição. Tem-se uma agregação de novas práticas para que a busca de uma solução possa ser mais célere e efetiva.

Por se tratar de uma nova sistemática e de aplicação de técnicas não carreadas pela tradição jurídica, ainda há uma série de entraves que dificultam sua implementação e a geração dos resultados esperados. Essas dificuldades são o núcleo problemático objeto de estudo do presente trabalho. Busca-se analisar as disparidades que existem entre a concepção do novo modelo de resolução de conflito e sua efetiva aplicação, passando pelos entraves culturais, de formação e até as limitações orçamentárias enfrentadas pelo Poder Judiciário.

O método aplicado na elaboração do presente estudo foi o da revisão de literatura, embasado na pesquisa bibliográfica de artigos científicos, livros, manuais e legislação nacional. Além, da realização de pesquisa exploratória nos repositórios jurisprudenciais.

Para aplicação do método escolhido o trabalho foi dividido em quatro capítulos, escalonados de forma progressiva à análise do problema proposto:

No primeiro capítulo, examinar-se-á o arcabouço histórico das principais formas de resolução de conflitos e seu processo de evolução, passando por cada uma das fases de aprimoramento até atingir o grau de maturidade atual. Já o segundo, trata da subdivisão dos métodos de resolução de conflito entre métodos heterocompositivos e autocompositivos, traçando um paralelo entre as subespécies de cada um destes grupos, conceituando-os e apontando suas caraterísticas distintivas, assinalando seu grupo focal de aplicação e peculiaridades.

No terceiro capítulo, é apresentado o Sistema Multiportas, delineado pelo Conselho Nacional de Justiça através da Resolução 125/2010. Trata-se de verdadeiro manual de aplicação dos métodos adequados de resolução de conflitos com suas metas e objetivos para uma nova cultura de resolução de problemas baseada no empoderamento das partes e rompendo com a cultura do litigio. Por derradeiro, o último capítulo apresenta as principais dificuldades e obstáculos que os métodos adequando de resolução de conflitos encontram para que se tornem as ferramentas eficazes que se esperam.

Espera-se que o presente trabalho não seja visto com um compêndio de conceitos estanques e petrificados, mas uma porta de entrada ao debate na busca de aprimoramento do Sistema Multiportas, apontando suas falhas que necessitam de aprimoramentos e o fortalecimento dessa nova política que visa uma justiça mais célere e com resultados adequados que possam satisfazer ambas as partes.


BREVE ARCABOUÇO HISTÓRICO

Desde o marco da existência do homem sobre a face da Terra, sua vida em grupos e posteriormente em sociedades complexas, o conflito existe. Discordar ou ter opiniões diferentes podem ser vertentes modernas para designar o conflito, mas desde os homens primitivos ele estava presente.

No início as demandas eram resolvidas pelo uso da força. O mais forte subjugava o mais fraco, exercendo sua dominância enquanto o vigor físico lhe permitisse (autotutela). Mas como o ciclo da vida não pode ser parado, o envelhecimento levava à troca do dominador de tempos em tempos. Além disso, alguém poderia desenvolver sua força e habilidades físicas por meio de atividades ou exercícios, ainda que de forma inata ou inconsciente, ameaçando o poder e gerando uma perpetuação da violência como forma de se firmar como o novo detentor do poder.

De acordo com os ensinamentos de Maurício Godinho Delgado, “a autotutela ocorre quando o próprio sujeito busca afirmar, unilateralmente, seu interesse, impondo-o (e impondo-se) à parte contestante e à própria comunidade que o cerca” (GODINHO, 2002, p. 663).

Em um salto histórico, chegamos ao momento da resolução dos embates por meio do estabelecimento de autoridades que seriam a personificação da justiça. Tais autoridades eram nomeadas pela força política de monarcas ou tidos como representantes da vontade dos deuses. Assim, ainda havia espaço para subjetivismos e interpretações tendenciosas, além do estabelecimento de “normas” que só se aplicavam a determinadas regiões ou povoados.

Visando reduzir o subjetivismo e estabelecer leis de maior alcance e que pudessem ser difundidas sem a mesquinhes de mudanças e falhas da comunicação daqueles que sobre elas falavam, surgem os códigos escritos. Ainda que de forma rudimentar, tabuas, pedras, pergaminhos e outros artefatos históricos eram os portadores das Leis. Desta forma, a solução das lides seguia leis que estavam ao alcance de todos (ao memos em tese). Essa é a formula geratriz da heterocomposição, com um terceiro aplicando a lei de forma imparcial.

Um terceiro ao litígio representa a justiça e sua decisão tinha força de se sobrepor à vontade das partes e gerar pacificação social. Esse é o embrião da ideia de justiça moderna a qual, ainda hoje, conta com a figura da jurisdição como uma forma de submeter o litígio a um juiz ou tribunal para que este decida, conforme as leis, quem tem o direito.

Complementando, PERPETUO (2018, p.9) aponta que:

A heterocomposição pode ocorrer de duas formas: a arbitral, quando as partes escolhem um terceiro de confiança para decidir a demanda; e a jurisdicional, que ocorre quando uma das partes, utilizando-se do seu direito de ação, acessa o Poder Judiciário, no intuito de resolver a questão litigiosa, através de decisão proferida por uma autoridade investida de poder coercitivo (Estado-Juiz).

Com o aumento do número populacional e o da complexidade das demandas a figura do juiz não perdeu seu espaço, mas ficou soterrado em pilhas cada vez maiores de processos e procedimentos burocráticos. A justiça se tornou cara e morosa, e uma solução tardia, por vezes, se torna ineficaz ou inútil.

Em um mundo pós Segunda Guerra Mundial, puxados pelos ideários do Welfare State (Estado de Bem-estar Social) e pela Declaração dos Direito do Homem, o Poder Judiciário e a concepção de justiça ganham contornos constitucionais em diversas partes do mundo visando à promoção de uma justiça para todos e mais célere. Garantir a atendimento e a solução dos conflitos em tempo hábil passa a ser positivado em diversas normas, assegurando que a busca pela pacificação social não pode ser esquecida e que ela urge.

A busca pela efetividade da justiça levou a implementação de métodos mais céleres de solução de litígios. Neste contexto, mediação e conciliação ganham espaço como ferramentas para auxiliar o Poder Judiciário na resolução de demandas ou até mesmo as prevenindo. Não se tratam de conceitos novos, já que há menções dessas formas de resolução de conflitos, conciliação e mediação, desde a Grécia Antiga, até em documentos mais modernos como a Constituição Imperial Brasileira, de 1824. Neste aspecto, PERPETUO (2018, p.11), acrescenta:

Assim, é possível verificar, que ao longo da história, desde a Grécia e Roma antiga, chegando aos dias atuais com a concepção do direito moderno, os institutos da autocomposição sempre foram, e continuam sendo utilizados como meio de soluções de conflitos, podendo ser verificado que atualmente tais meios de pacificação social estão sendo difundidos com maior ênfase, a fim de se obter uma solução mais rápida para os litígios, sejam eles judicias ou extrajudiciais

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No contexto brasileiro atual, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) chama tais métodos de “forma adequadas de solução de conflitos”. Comungando da tentativa de uma solução que seja benéfica para ambas as partes, pautada no diálogo e em evitar a beligerância, a mediação e a conciliação foram alçadas ao corpo normativo do Código de Processo Civil de 2015. Passando de um marco jurisdicional totalmente heterocompositivo, no qual um terceiro decide e se impõe perante a vontade das partes, para um modelo jurisdicional mais amplo e cooperativo que abarca a autocomposição, na qual as partes tem um papel de protagonistas para a solução das problemáticas que se impõem, podendo buscar um entendimento direito e mais adequado às necessidades, ainda que, seus interesses sejam antagônicos.

OLIVEIRA FILHO (2019, p. 110) propõe que:

A complexidade das relações da sociedade pós-moderna e a guinada epistemológica possibilitada por essa visão instrumental que põe em mira as raízes dos conflitos de interesse, criaram campo propício para o desenvolvimento e a consolidação de métodos de resolução de controvérsias diversos do processo judicial, uma vez que este, embora possua aspirações de universalidade, pode não se mostrar o mais adequado à luz das especificidades do litígio.

Tais métodos adequados de resolução de conflitos foram alçados ao plano infraconstitucional com grande destaque no novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015. A seção V do novo código, artigos 165 a 175, trata amplamente sobre mediação e conciliação, e somada à Lei 13.140/2015, considerada a representação dogmática da mediação, trazendo minucias para aplicação da mediação aos casos concretos. O que demonstra a perspectiva atual de evolução dos modelos de tratamento dos litígios.


MÉTODOS HETEROCOMPOSITIVOS E AUTOCOMPOSITIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

O conflito faz parte da condição humana e criar leis que pretendam soluciona-lo foi um dos passos mais importantes para garantir a estruturação das sociedades. A capacidade de solucionar conflitos é o que garante a pacificação social e materializa o senso de justiça quando um direito é violado.

Com as transformações sociais e culturais da sociedade, ao longo dos séculos, várias formas de resolução de conflitos foram moldadas. Modernamente, tais métodos podem ser agrupados em dois grandes grupos: a heterocomposição e a autocomposição.

Na heterocomposição a solução é imposta às partes com base nos preceitos do ordenamento jurídico, seja por um impositivo legal, seja por um contrato. Surge, neste contexto, a figura de um terceiro com poder de decisão que irá se sobrepor à vontade das partes. Nesta linha de pensamento, PAIVA (2021, p. 17) aponta que:

heterocomposição, na qual um terceiro estranho ao litígio determina uma solução para o caso, o que ocorre com a jurisdição tradicional, responsável por solucionar a grande parcela dos litígios no país, e com a arbitragem, que se constitui em um meio privado e alternativo, no qual há a presença de um especialista no assunto discutido, o árbitro, que é escolhido pelas partes e profere uma sentença arbitral, que dispensa uma homologação judicial para surtir efeitos, conforme estabeleceu a Lei nº 9.307/1996

A heterocomposição, especialmente em sua vertente jurisdicional, não tem sido suficiente para atender o grande quantitativo de demandas que são propostas, o que levou ao acumulo de processos e a morosidade na resolução dos conflitos. Assim, outras formas de resolução vêm sendo implantadas, expandindo as possibilidades de resoluções de conflitos com uma maior participação das partes. Assim, as vertentes e mecanismos da autocomposição ganham relevância, saindo do papel de coadjuvantes e assumindo o protagonismo na luta pela efetividade da justiça e redução da morosidade.

Na autocomposição a busca da solução centra-se nas próprias partes, ou seja, são elas, as partes, que chegam a uma solução por si mesmas, através do diálogo, de ponderações e de concessões, em maior ou menor grau. Também pode haver a figura de um terceiro, mediadores e conciliadores por exemplo, mas este atua de forma a promover o entendimento entre as partes, restabelecendo o diálogo, acalmando os ânimos, ou seja, é um coadjuvante que atua de forma mais discreta para que o consenso das partes gere uma resolução para o conflito de forma mais célere, eficaz e satisfatória.

Dentro do atual ordenamento cível brasileiro quatro métodos de solução de conflitos se destacam, são eles: a jurisdição, a arbitragem, a conciliação e a mediação. Desta feita, uma análise, ainda que breve, sobre cada um deles se faz necessária.

Jurisdição

Com a evolução das sociedades e o desenvolvimento de Estados dotados de soberania, era necessário que o próprio Estado decidisse as lides. Estabeleceram-se leis, e dentro da teoria de Montesquieu de tripartição das funções ou poderes do Estado, atribuiu-se ao Poder Judiciário a função jurisdicional.

De acordo com CHIOVENDA (apud GUERRERO, 2015, p. 17), a jurisdição define-se como:

A definição de jurisdição estruturada a partir do direito romano é aquela segundo a qual se opõem o iurisdictio e o imperium representando uma redução do campo jurisdicional ao seu momento declaratório, não no sentido moderno, mas no sentido de declarar o direito àquela situação concreta apresentada. Atualmente, porém, o conceito de jurisdição clássico que mais se destaca no direito brasileiro é aquele trazido por Giuseppe Chiovenda, tendo-a como: “função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la praticamente efetiva”. Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro, a partir de suas anotações do curso ministrado por Galeno Lacerda, sumariza o entendimento retratando que o julgador deve aplicar o direito ao caso concreto, tendo poder de coerção, de documentação e de investigar a matéria de fato.

Infere-se que se trata de um método heterocompositivo de resolução de conflitos, o qual consiste em um terceiro que detém o poder do Estado, um magistrado, que após ouvir as partes e analisar o conjunto probatório, faz reflexões, analises e ponderações e aplica o Direito ao caso concreto. PAIVA (2021, p. 18) acrescenta que: “é pertinente indicar que cabe ao Estado, na figura do magistrado, tomar para si o poder de solucionar o litígio, com isso, restringe-se a autonomia das partes em benefício de uma maior estabilização social”.

O fator principal de solução do litigio está na apreciação feita pelo magistrado, a quem cabe decidir o conflito, logo, por deter o poder/dever de decidir, o magistrado toma para si a resolução da contenda e a autonomia das partes é mitigada em prol da pacificação social.

Contudo, não basta a mera investidura da jurisdição sobre o magistrado para que ela se efetive, o Estado como detentor da função julgadora deve assegura que ela seja célere, justa, imparcial. Por isso, o texto constitucional preconiza que a função jurisdicional deve observar princípios como Inafastabilidade de Jurisdição, Juiz Natural, Celeridade nos processos judiciais e administrativos, entre outros.

PAIVA (2021, p.18) pondera que:

Sendo o Estado o titular da jurisdição, também é responsável por assegurar uma prestação jurisdicional justa, célere e eficiente. No entanto, em que pese os esforços para alcançar tais resultados, diversos fatores impediram que, no Brasil, até então, a jurisdição tradicional fosse bem avaliada por aqueles que a ela se socorrem em busca da solução de seus litígios.

É evidente que esse modelo é o mais usado em todo o mundo, mas ele vem sofrendo duras críticas, especialmente, no que concerne à morosidade. Por se tratar de um modelo pautado em dar solução a lides de forças antagônicas, por vezes as partes apenas apresentam suas demandas e pouco colaboram para a solução, com isso os processos levam mais tempo para serem concluído, ou ainda, questões de menor complexidade, que poderiam ser resolvidas em debates diretos entre as partes, são levadas ao Poder Judiciário, elevando o quantitativo do processo e piorando os indicadores da morosidade.

Trata-se de uma cultura de solução de conflitos pela beligerância, na qual as partes se enxergam como rivais, lutando para fazer com que a balança da justiça penda para um dos lados.

A jurisdição tradicional não vai deixar de existir, mas para alcançar os objetivos a que propõe, vem buscando um processo integrativo de agregação de novos valores, como uma justiça cooperativa, e empoderando as partes para serem ativas na busca da solução de forma célere dos conflitos.

Além disso, há um marco integrativo no Código de Processo Civil de 2015, o qual passou a prever a mediação e a conciliação, formas de autocomposição, como ferramentas positivadas para que a busca de soluções não fique relegada apenas à jurisdição. Percebe-se que não são ferramentas excludentes, mas sim uma forma de ampliar o leque do possibilidades de resolução de problemas, buscando aumentar a efetividade das soluções e reduzir a morosidade.

Arbitragem

A arbitragem é uma forma de heterocomposição na qual um árbitro, terceiro escolhido pelas partes, tem o poder de decidir sobre o conflito. Difere da jurisdição pelo fato de se tratar de um método privado, ou seja, não há uma investidura estatal e sim um contrato ou acordo que escolhe, livremente, alguém qualificado para ocupar a posição de árbitro e ter o poder de decisão em um dado conflito.

PAIVA (2021, p. 21), conceituando a arbitragem, preconiza que:

A arbitragem, diferentemente da jurisdição, trata-se de um método privado, jurisdicional, alternativo e heterocompositivo de resolução de conflitos, envolvendo direitos disponíveis, na qual há um árbitro, um terceiro ao litígio que é especialista no assunto discutido e goza da confiança das partes, fazendo as vezes de um juiz, apresentando, ao final do procedimento, uma sentença arbitral, que representa um título executivo judicial, possuindo, portanto, o mesmo valor jurídico de uma sentença.

Deste conceito, podemos extrair elemento fundamentais para entendermos a arbitragem. Inicialmente destaca-se que se trata de um método privado, o que significa que submeter conflitos à arbitragem é uma faculdade de livre escolha das partes. É uma alternativa à jurisdição tradicional, apesar de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter entendido, em 2019 (Jurisprudências em tese – edição nº.122), que a arbitragem trata-se de uma forma de jurisdição, então chamando-a de “jurisdição privada”.

Seguindo aos comentários sobre o conceito, sendo um método heterocompositivo, há a escolha de um terceiro que terá poder de decidir o conflito, o qual recebe o nome de árbitro. Refere-se de um especialista no assunto que está sendo objeto de discursão e que goza da confiança de ambas as partes. O árbitro, que tem uma atuação simular a do juiz, vai conduzir o procedimento arbitral tal qual um processo e ao final expedirá uma sentença arbitral, que tem valor de título executivo judicial, podendo ser executada perante o Poder Judiciário em caso de descumprimento.

ARAÚJO (2015, p.27) aponta que o árbitro é:

O terceiro imparcial denominado árbitro tomará uma decisão, denominada sentença arbitral, que obrigará as pessoas envolvidas no conflito. A decisão dada pelo árbitro impõe-se às partes, e por esta razão a solução é adjudicada, e não consensual, como se pretende na conciliação e na mediação, e delas pode ser exigido o cumprimento, porém a execução forçada se fará perante o Poder Judiciário, sendo a sentença arbitral considerada um título executivo judicial.

Outro fator importante para que a arbitragem possa ser aplicada é que as demandas devem versar sobre direito disponíveis, ou seja, são aqueles direitos referentes ao seio patrimonial das partes, os quais podem ser usados, gozados, dispostos e transacionados livremente, de acordo com a vontade livre e em conformidade com seus anseios.

Para que a arbitragem seja implementada as partes devem ter firmado uma cláusula compromissória ou um compromisso arbitral. A cláusula compromissória é um pacto firmado anteriormente à existência de eventuais conflitos, ou seja, as partes definem que caso ocorra um conflito, este será resolvido pela arbitragem. Por ser um pacto predecessor ao conflito, a cláusula de arbitragem pode ser um contrato ou parte dele, com a definição do árbitro e os parâmetros para a tomada de decisão. Já o compromisso arbitral voltasse para a pacificação de um conflito já existente. Assim, o conflito já está instaurado e as partes acordam que ele seja resolvido por meio da aplicação da arbitragem.

Instituída pela Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) e passando por reformas que incluíram no rol de aplicação da arbitragem, por exemplo, litígios envolvendo a administração pública, a arbitragem ainda tem sua aplicação ligada a nichos empresariais. Não se popularizando acabou se tornando um método de solução de conflitos restrito a grupos delimitados e não conseguindo alcançar grandes massas sociais que ainda preferem ter suas demandas submetidas ao sistema de jurisdição tradicional.

Percebe-se, por conseguinte, que a arbitragem está regulamentada no Brasil a quase três décadas, mas ainda não ganhou o espaço que era esperado. Com o Código de Processo Civil de 2015, buscou-se dar mais destaque e fomentar a criação de câmaras privadas de arbitragem para que este modelo seja difundido e possa alcançar um número maior de lides e consequentemente impulsionar a luta contra a morosidade da justiça.

Conciliação

A conciliação compõe o grupo dos métodos autocompositivos, o qual visa estabelecer o diálogo entre as partes com o fito de chegar a uma transação, um acordo entre elas que possa atender aos seus anseios, reduzindo o grau de insatisfação, gerando respostas mais rápidas e satisfativas.

O mecanismo da conciliação também conta com a presença de um terceiro, um conciliador, que atua de forma a estimular o diálogo entre as partes, atuando na filtragem de ideias para que se alcance o entendimento do que realmente possa pôr fim ao litígio de maneira que o grau de satisfação possa abarcar todos os envolvidos. Mas, uma vez que se tratar de um método autocompositivo, o papel do conciliador é de um auxiliar, um direcionador, que pode pontualmente fazer algumas sugestões e, eventualmente, conter excessos. GARCIA e PEREIRA (2018, p.276) conceituam que a conciliação “é uma forma autocompositiva de tratamento de conflitos na qual os interessados, juntamente com um terceiro imparcial, o conciliador, valendo-se da autonomia da vontade, dialogam e chegam a um desfecho para determinado conflito”.

As partes são as responsáveis por buscar uma solução que possa se adequar às suas necessidades. Assim, a disposição para o diálogo e a inclinação para as transações são imperativos para que a conciliação tenha êxito. GARCIA e PEREIRA (2018, p.276) observam que a conciliação “tem por objetivo a harmonização social das partes e, se possível, a restauração das relações sociais, além de um desfecho satisfatório no menor prazo possível”.

A conciliação é um mecanismo de solução mais abrangente, visto que, pode abarcar os mais diversos assuntos, não estando restrita a esfera dos direitos patrimoniais disponíveis, como ocorre com a arbitragem.

A grande ressalva sobre sua aplicação, delineada pelo Código de Processo Civil de 2015, é de que, preferencialmente, ela seja aplicada para tratar de litígios nos quais as partes não possuem um laço afetivo, sanguíneo ou de muita intimidade, ou seja, não haja a presença de uma ligação prévia entre as partes. GONÇALVES (2017, p.408) exemplifica: “em um conflito decorrente de acidente de trânsito, justifica-se a atuação do conciliador, porque inexiste vínculo anterior entre os envolvidos no acidente. E possivelmente deixará de existir quando o conflito for solucionado”.

Não se trata de uma grande novidade no ordenamento brasileiro, a conciliação e os demais métodos autocompositivos sempre estiveram presentes. Uma análise de ramos específicos do direito deixa claro que a busca pela composição de litígios e de uma justiça mais célere eram pilares que os estruturam, por exemplo, a Justiça do Trabalho, na qual há uma imposição de que a tentativa de conciliação seja tentada em dois momentos, na abertura da audiência e logo após as razões finais. Já nos âmbitos cível e criminal, a Lei n° 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais) em seu artigo 2º estabelece que: “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (BRASIL, 1995).

Outrossim, o novel Código de Processual Civil de 2015 deu especial destaque à busca de soluções autocompositivas, demostrando uma abertura para a mudança de paradigma do Poder Judiciário, baseado apenas e tão somente na jurisdição tradicional, para um viés mais abrangente que comporta múltiplas formas de resolução dos conflitos, nesta linha, corroborando, PAIVA (2021, p. 22) complementa: “evidente é a importância e estímulo que o legislador pátrio deu aos métodos autocompositivos, os quais demonstram ser eficazes para atender aos anseios dos jurisdicionados por resolutividade, agilidade e eficiência”.

A eficiência da conciliação está diretamente ligada ao interesse e disposição das partes em estabelecer um acordo, além de profissionais devidamente habilitados que possam auxilia-las: desde conciliadores capacitados, advogados, membros do Ministério Público, defensores públicos, juízes e servidores, um conjunto coeso que esteja imbuído em torna a justiça mais célere e em dar soluções mais eficientes e benéficas para as partes.

Com uma atuação mais ampla, o conciliador pode intervir e ser propositivo. GONÇALVES (2017, p. 409) destaca que a atuação do conciliador pode abarcar a sugestão de soluções quando as partes não conseguem enxerga-las, mas sem uso de intimidação ou constrangimentos.

Mediação

A mediação apresenta características que muito se assemelha à conciliação, pois se trata de um método autocompositivo que também busca a atuação ativa das partes rumo a solução de um conflito que esteja instaurado entre elas.

A definição do instituto da mediação é dada pelo parágrafo único, do art. 1º da Lei nº 13.140/2015 (Lei de mediações), no qual o legislador infraconstitucional aponta: “considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.

ROSSI (2022, p. 14) preconiza que “a mediação é o método, o mediador é o facilitador do diálogo e os mediandos são os atores da sessão de mediação”, desta feita, a autora delimita os papeis de atuação de cada um dos envolvidos, e complementa: “cada qual tem lugar e papel distinto, sendo fundamental que harmonizem suas ações para resolverem a controvérsia que os trouxeram a buscar a mediação de conflitos”.

Assim como na conciliação, a mediação conta comum terceiro, alheio à demanda, que atua de forma a estabelecer e ordenar o diálogo entre as partes, contudo ele não pode ser incisivo ou propositivo como o conciliador. A figura do mediador tem uma atuação mais discreta, não podendo ser opinativo ou sugestivo, devendo buscar reduzir o ruído na comunicação e auxiliar para que as partes vislumbrem um acordo capaz de atender suas necessidades. Por isso, profissionais habilitados passam por processos de formação mais abrangentes para não ter uma visão apenas jurídica do problema e sim uma visão holística, do todo, compreendendo as ramificações sociais e afetivas que do conflito são derivativas.

PAIVA (2021. p. 24. e25) sintetiza:

Ou seja, na mediação, diferentemente da conciliação, o mediador não pode intervir mais ativamente propondo possíveis soluções, buscando promover tão somente uma boa comunicação e diálogo entre as partes, a fim de que os próprios envolvidos cheguem a um consenso.

Outro fator relevante é que a mediação é recomendada para situações em que as partes já tinham um vínculo prévio, ou seja, já existia entre elas uma dinâmica de convivência estabelecida. Logo, por haver um vínculo prévio, as partes entendem melhor todas as estruturas que geraram o problema e estão melhor qualificadas para apresentarem uma solução que possa atender a suas peculiaridades. Desta forma, a resolução do problema se torna única e se amolda com maior perfeição as particularidades e necessidades de cada um. Com isso o grau de satisfação aumenta e evita que demandas derivativas surjam, como é comum quando ocorrem decisões genéricas ou impositivas que não atendem as necessidades das partes envolvidas.

Tendo em vista suas características, a mediação, enquanto método autocompositivo, tem grande potencial de aplicação no âmbito do direito de família, no qual, em regra, há fortes laços emocionais pré-existentes entre os querelantes, seja em demandas que envolvam separação, divórcio, pensão alimentícia, guarda de filhos, proporcionando um ambiente ideia para que a mediação seja aplicada e gerado um acordo único que se molda aos contornos das necessidades específicas que são apresentadas em cada caso concreto.

Complementando, GONÇALVES (2017, p.408), em apertada síntese, aponta que “a mediação é adequada para vínculos de caráter mais permanente ou ao menos mais prolongados, e a conciliação para vínculos que decorrem do litígio propriamente, e não tem caráter de permanência”.

Dado que a mediação é aplicada, preferencialmente, em situações em que há um vínculo prévio entre as partes e que este vínculo pode perdurar após o litígio, GONÇALVES (2017, p.409, aponta que a atuação do mediador vai além da resolução do conflito, veja:

O papel do mediador não é formular sugestões ou propostas, que possam ser acatadas pelos envolvidos, porque se parte do princípio de que isso talvez possa solucionar um embaraço pontual, mas não o conflito. Mais do que uma solução consensual, o mediador deverá buscar, dentro do possível, uma reconciliação, ou uma pacificação ou apaziguamento, para que a relação, que tem caráter permanente ou prolongado, possa ser retomada sem obstáculos ou embaraços. É por meio da compreensão dos interesses em conflito e do restabelecimento da comunicação entre os envolvidos que o mediador poderá tentar fazer prevalecer e permanecer o vínculo.

No âmbito dos Tribunais Justiça, a grande massa de processos envolve principalmente o Direito de Família, por isso, tem-se visto um grande movimento para implementação de Centros de Conciliação e Mediação (CEJUSC - Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania), sejam diretamente ligados ao Poder Judiciário, para atuar na fase pré-processual e processual, seja indiretamente por meio de parcerias com Faculdades de Direito ou com entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Trata-se de um esforço conjunto pautado na garantia de sigilo e proteção aos direitos e intimidade dos envolvidos, cooperativo e com vista a mudança de paradigma, visando, em última análise, a pacificação social por meio de resoluções satisfatória aos conflitos, deixando a jurisdição como uma instância residual, apenas para as situações em que a autocomposição, a mediação ou a conciliação, não consigam alcançar o êxito.

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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Pós-graduação do Curso Ênfase, como requisito para obtenção do título de especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil. Guanambi, Bahia, 2023.

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