Candidato acima do limite de idade e que já é policial em outro estado pode se inscrever em concurso da PMDF

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Considere o caso de um policial militar com 32 anos de idade, que atua com destaque na Polícia Militar do Estado de São Paulo há mais de uma década. Esse profissional, reconhecido por sua competência e conduta exemplar, decide concorrer a uma vaga no Curso de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Ao se deparar com o edital do concurso da PMDF, o policial observa que há uma restrição de idade para participação, limitando-a a 30 anos. Apesar de possuir todos os requisitos físicos e psicológicos necessários para o exercício da profissão, ele se vê impossibilitado de se inscrever devido a essa limitação. O que fazer diante dessa situação?

Introdução

O acesso à carreira policial militar é regido por uma série de requisitos e critérios, visando selecionar os profissionais mais capacitados e aptos a desempenhar suas funções com eficiência e responsabilidade.

Entre esses critérios, frequentemente encontramos a limitação de idade em concursos públicos para ingresso na Polícia Militar, uma prática que tem suscitado debates jurídicos, especialmente quando se trata de candidatos que já são policiais militares em outros estados e desejam concorrer em certames em diferentes unidades federativas.

Neste artigo, vamos analisar detalhadamente a questão da limitação de idade nesse contexto, sob uma perspectiva jurídica.

É possível haver limitação de idade para o ingresso em instituições militares?

A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 5º, o princípio da igualdade, garantindo a todos os cidadãos brasileiros a igualdade de direitos e deveres, sem qualquer forma de discriminação. A imposição de limitações de idade que excluem candidatos qualificados com base unicamente em critérios etários viola diretamente esse princípio constitucional.

No entanto, é importante observar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou favoravelmente à limitação etária em alguns casos, desde que justificada pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, conforme estabelecido na Súmula 683 do próprio tribunal. Isso significa que a limitação de idade pode ser considerada constitucional quando relacionada às exigências específicas do cargo, como é o caso de atividades que demandam um ótimo vigor físico, como as atribuições de um soldado da Polícia Militar.

Apesar da possibilidade de limitação, algumas legislações específicas que regem as Polícias Militares dos estados também abrem exceções para membros já integrantes de outras corporações.

No caso da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), a Lei nº 7.289/84, que dispõe sobre o Estatuto da PMDF, estabelece em seu artigo 11, §1º, que os limites máximos de idade não se aplicam aos policiais militares da ativa da corporação.

Essa disposição legal reconhece a experiência e a capacidade dos policiais militares já integrantes da corporação, independentemente de sua idade.

Um aspecto relevante é a valorização da experiência e aptidão profissional dos policiais militares da ativa, que já demonstraram possuir os requisitos físicos e psicológicos necessários ao exercício da profissão. Essa experiência acumulada é vista como um critério relevante para o desempenho eficiente das atribuições policiais.

Especificamente em relação a PMDF, é possível que militares de outras instituições que possuem mais de 30 anos de idade prestem o concurso sem se submeterem ao critério etário?

A resposta é sim! O candidato já militar em outra instituição se enquadra na exceção estabelecida na legislação federal acima mencionada, de modo que não é justificável negar sua inscrição com base no argumento de que excedeu o limite máximo de idade, uma vez que ele é membro de outra Polícia Militar, atendendo assim aos requisitos legais para concorrer a uma vaga no Curso de Formação de Praças ou de oficiais.

Além disso, a alegação da entidade pública de que a isenção dos limites de idade prevista no Estatuto da Polícia Militar do Distrito Federal se aplicaria apenas aos militares da corporação do Distrito Federal não possui respaldo legal, pois essa distinção entre militares das unidades da federação configura uma violação aos princípios da igualdade, da isonomia e da razoabilidade.

Isso ocorre porque todos fazem parte da Força Nacional de Segurança, possuindo os integrantes os requisitos físicos e psicológicos necessários para o exercício da profissão, não havendo qualquer diferença nos testes realizados nos diferentes estados. Confira como

situações similares foram decididas:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITAÇÃO DE IDADE. CONSTITUCIONALIDADE. DISTINÇÃO ENTRE MILITARES DO DF E CIVIS. EXCEÇÃO DEVE ABRANGER MILITARES DE OUTRA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. COMPOSIÇÃO DA FORÇA NACIONAL DE SEGURANÇA. RAZOABILIDADE E ISONOMIA. SENTENÇA REFORMADA.

1. O Supremo Tribunal Federal, na sistemática da repercussão geral (Agravo no Recurso Extraordinário nº 678.112, Relator Ministro Luiz Fux, DJe 17/05/2013), confirmou a sua jurisprudência pela constitucionalidade da limitação de idade para concurso público, quando houver justificativa decorrente das atribuições do cargo a ser exercido, nos termos do Enunciado nº 683 da sua Súmula.

2. Por sua vez, o STF consolidou o entendimento de que constitui discriminação inconstitucional o critério utilizado pela Administração quando fixa limites diferentes de idade para o candidato civil e para aqueles que já são militares. (AG.REG. NO RE COM AGRAVO 1.054.768, Rel. Min. Luiz Fux, 29.6.2018).

3. Na hipótese dos autos, embora o agravante conte atualmente com 33 anos de idade, ele já faz parte de uma Corporação Militar - a PM de Goiás. De acordo com a lei aplicada à espécie, há o afastamento da limitação etária para os candidatos já integrantes da Corporação, o que encontra fundamento no fato de que aqueles que integram a Polícia Militar do DF já demonstraram possuir os requisitos físicos e psicológicos necessários ao exercício da profissão, valorizando, ademais, a experiência que eles possuem.

4. Nesse diapasão, não é razoável que tal exceção se aplique aos policiais militares do Distrito Federal, mas não aos de Goiás, o que configura violação à isonomia entre os candidatos, consoante entendimento da Suprema Corte. Se não é cabível distinção entre militar e civil, não pode ser entre os próprios militares. Além da observância aos princípios constitucionais, deve-se interpretar as normas de modo a melhor atender e garantir os fins públicos a que elas se dirigem.

5. Ademais, todos podem compor a Força Nacional de Segurança, sejam os policiais militares do DF, sejam os policiais militares do Goiás, como de todos os demais Estados da Federação, bastando ser voluntário e selecionado. Não há qualquer comparação nos testes realizados nos diversos Estados para isso. Os voluntários, simplesmente, são chamados para compor a Força Nacional de Segurança.

6. Desse modo, não se vislumbra fundamento razoável, proporcional e isonômico para que haja distinção, no caso específico dos autos, entre a exigência de idade para os militares do Distrito Federal e os de Goiás. 7. Recurso conhecido e provido.”

(Acórdão n.1143590, 07182131720188070000, Relator: ANGELO PASSARELI, Relator Designado: SEBASTIÃO COELHO 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 12/12/2018, publicado no PJe: 27/12/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada) – grifos nossos;

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. LIMITE DE IDADE. ESTATUTO. LEI N. 7.289/1984. EXCEÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. EXTENSÃO AOS INTEGRANTES DE OUTRAS CORPORAÇÕES.

I - O art. 11, §1º, da Lei nº. 7.289/1984 prevê a inaplicabilidade do limite máximo de idade para ingresso nos Cursos de Formação de Oficiais aos policiais militares já integrantes da Corporação.

II - Estabelece, dessa forma, um tratamento desigual para candidatos em situação diferente, o que atende ao princípio da igualdade material.

III - Por esse mesmo motivo, deve ser aplicada ao candidato soldado de outra Corporação, pois não é razoável aplicar a exceção aos policiais militares do Distrito Federal, e não aos de outro Estado da Federação, pois estão em situação de igualdade. Além disso, as normas devem ser interpretadas de modo a melhor atender aos fins sociais a que ela se dirige.

IV - Deu-se provimento ao recurso.”

(Acórdão n. 1183726, 07350703820188070001, Relator: JOSÉ DIVINO, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 26/06/2019, publicado no PJe: 16/07/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada) – grifos nossos.

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Em síntese, os argumentos expostos destacam a imperiosa necessidade de garantir a participação de militares de outras instituições nos concursos da Polícia Militar do Distrito Federal, mesmo que ultrapassem a idade limite estabelecida em editais. A legalidade e legitimidade dessa medida se fundamentam na igualdade de direitos entre os candidatos e na observância dos princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. Portanto, é imprescindível que as políticas de seleção para ingresso na corporação considerem não apenas critérios etários, mas também a experiência, capacidade física e aptidão profissional dos candidatos, assegurando assim a eficiência e eficácia dos serviços prestados pela Polícia Militar do Distrito Federal.

Conclusão

Diante do exposto, podemos concluir que a imposição de limitações de idade em concursos públicos para ingresso na Polícia Militar, especialmente quando se trata de candidatos policiais militares de outros estados, é uma questão jurídica complexa e que demanda uma análise cuidadosa.

Embora a limitação de idade possa ser justificada em alguns casos específicos, é fundamental garantir que essa restrição não viole os princípios constitucionais da igualdade e da isonomia, nem desconsidere a experiência e capacidade dos profissionais da segurança pública.

Assim, policiais militares de outras instituições podem prestar concursos para ingressarem na Polícia Militar do Distrito Federal, ainda que contem com mais de 30 anos de idade.

Sobre a autora
Barbara Kelly Ferreira Lima Maranhão

Minha trajetória profissional inclui estágios significativos em instituições renomadas, como a Defensoria Pública do Distrito Federal, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e no Ministério Público Federal (MPF), neste órgão atuei no Núcleo de Combate à Corrupção, acompanhando casos de grande envergadura.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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