Populismo Penal para a manutenção do cargo e de ideologia.'Câmara aprova proposta que acaba com saídas temporárias de presos'

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Câmara aprova proposta que acaba com saídas temporárias de presos

Deputados alteraram projeto que teve origem no Senado. Texto passará por nova votação dos senadores

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (3) proposta que extingue saídas temporárias de presos dos estabelecimentos prisionais. Aprovado em Plenário por 311 votos favoráveis e 98 contrários, o projeto segue para o Senado, que vai analisar as alterações dos deputados.

O texto aprovado é o substitutivo do relator, deputado Capitão Derrite (PL-SP), ao Projeto de Lei 6579/13, do Senado. Derrite alterou a proposta inicial, que limita as saídas, para abolir completamente esse benefício.

A lei atual permite a saída temporária dos condenados no regime semiaberto para visita à família durante feriados, frequência a cursos e participação em atividades. Todas essas regras são revogadas pelo texto aprovado pelos deputados.

Derrite afirma que a extinção da saída temporária é necessária, já que grande parte dos condenados cometem novos crimes enquanto desfrutam do benefício. “A saída temporária não traz qualquer produto ou ganho efetivo à sociedade, além prejudicar o combate ao crime”, avaliou.

O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) também defendeu o fim da saída temporária. “Temos que acabar realmente com ‘saidinha’ de bandidos, que voltam à sociedade para cometer crimes sem nenhuma vigilância. Eles não estão preparados para o retorno à sociedade”, disse.

Ninguém gosta de ser furtado ou roubado. Não há qualquer debate profundo e exaustivo sobre o tema. Também é verdade que quem furta pode cometer "furto famélico":

SUBTRAÇÃO DE ALIMENTO EM SUPERMERCADO – FURTO FAMÉLICO NÃO CONFIGURADO

Apenas o furto de comida para consumo imediato, com o objetivo de saciar a fome, praticado por pessoa sem condições financeiras para adquirir o alimento, pode ser considerado famélico. A Primeira Turma Criminal decidiu afastar a tese de furto famélico, ao julgar recurso interposto por ré que subtraiu duas peças de queijo tipo muçarela, com pouco mais de 4 kg, avaliadas em R$ 218,62, de um supermercado. Os Desembargadores entenderam que o reconhecimento do furto famélico depende dos seguintes requisitos: que a coisa subtraída sirva para saciar a fome de forma imediata; que a subtração seja o único ou o último recurso do agente para conseguir comida; que a pessoa esteja impossibilitada de trabalhar, ou, caso exerça atividade laboral, que seus ganhos não sejam suficientes para comprar os alimentos de que necessita. Além de rejeitar as teses de estado de necessidade e de inexigibilidade de conduta diversa, o Colegiado também afastou a aplicação do princípio da insignificância, por não estarem reunidos, no caso concreto, os seguintes pressupostos: mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ademais, os Julgadores consignaram que a extensa folha de antecedentes penais da requerida contribuiu para a não incidência do princípio da bagatela. A Turma também rejeitou a tese de crime impossível, que se amparava na alegação de que o estabelecimento era vigiado por câmeras. Nesse ponto, os Julgadores ressaltaram que, embora a monitoração eletrônica dificulte a consumação do delito, não o torna impossível, nos termos da Súmula 567 do Superior Tribunal de Justiça.

Acórdão n. 1097684, 20161610081735APR, Relatora Desª ANA MARIA AMARANTE, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 17/5/2018, publicado no DJe: 23/5/2018. (grifo do autor)

Pensemos no seguinte caso fictício (?) sobre furto. Um trabalhador não tem Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada, trabalha como "escravo", o chamado "trabalho análogo ao escravo". Um dia, o trabalhador, análogo ao escravo, furta do seu "empregador" o "salário do mês", por ter "atraso" mais de cinco meses. Nesse caso, o "trabalhador" responderá na Justiça Criminal? O "empregador" reponderá na Justiça do Trabalho?

Vou "melhorar". Pessoa contratada trabalha há mais de três anos, não tem Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada ─ Art. 29, da CLT ─, há relação de trabalho ─ Arts. 2º, 3º, 4º, do DECRETO-LEI Nº 5.452 DE 1º DE MAIO DE 1943 ─, mas, infelizmente, o empregador não paga os valores há mais de cinco meses; o piso salarial mínimo (mínimo existencial, assim considero por não garantir o mínimo de vida digna) é um martírio. Numa situação de desespero do empregado ─ o Sistema Único de Saúde não tem o remédio específico, há greve dos profissionais da área de saúde, mesmo com a continuação do serviço público, a quantidade de profissionais não atende o número de cidadãos querendo atendimento, um surto de dengue, por exemplo ─, este resolve pegar (furto) objeto, da empresa, para comprar o medicamento do qual necessita (insuficiência renal). Não resta dúvidas de que o empregado responderá na Justiça Criminal:

DECRETO-LEI Nº 2.848 DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

Apropriação indébita

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Aumento de pena

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:

I - em depósito necessário;

II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

III - em razão de ofício, emprego ou profissão.

Ora, o empregador não assinou a CTPS no tempo hábil, não honra com os pagamentos salariais. A justa causa é possível:

TRABALHADOR É DISPENSADO POR JUSTA CAUSA APÓS FURTAR LATAS DE REFRIGERANTE

Publicada em: 29/08/2023 / Atualizada em: 29/08/2023

A Justiça do Trabalho da 2ª Região manteve justa causa aplicada a um empregado que furtou cinco latas de refrigerante junto a dois colegas de trabalho. As bebidas estavam armazenadas em contêineres lacrados nas dependências do Parque Ibirapuera e eram destinadas à distribuição gratuita a usuários do local.

Em depoimento, o profissional reconheceu que havia o fornecimento dos refrigerantes ao público nos finais de semana, e que, de madrugada, pegou cinco latas. De acordo com ele, os itens foram devolvidos aproximadamente uma hora depois, após ligação do encarregado da empresa informando ter flagrado o furto pela câmera de segurança.

O cooler que armazenava a mercadoria estava vedado com abraçadeiras de poliamida, também conhecidas como enforca-gato. E, para retirar os artigos, foi necessário romper o dispositivo, tendo sido colocado outro lacre após a violação.

Em sentença proferida na 55ª Vara do Trabalho de São Paulo, o juiz Leonardo Grizagoridis da Silva pontuou que embora o valor dos objetos não seja tão expressivo, “há clara quebra de fidúcia contratual entre as partes impedindo a manutenção da relação de emprego”. Ele explica que “a configuração do ato de improbidade não depende do valor econômico do objeto da conduta do autor, mas, sim, da própria atitude maliciosa do autor de obter vantagem para si, o que impossibilita a continuidade da relação empregatícia”.

Na decisão, o magistrado esclareceu ainda que “não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela”, conforme suscitado pelo reclamante em réplica, pois essa previsão é peculiar à esfera criminal, quando entende-se que não há necessidade de punir nem de recorrer aos meios judiciais porque a conduta não é suficientemente grave. Na esfera trabalhista, o comportamento inadequado macula, na essência, a relação de confiança que existe entre as partes, “o presente caso, ocorreu em decorrência da tentativa de furto confessado pelo próprio autor”, concluiu o julgador.

Cabe recurso.

Fonte: TRT 2ª Região - SP.

E quanto ao empregador, veremos um exemplo:

Empresa de transporte condenada a pagar R$ 5 mil em danos morais por atraso de salários

A desembargadora Rosana Travesedo considerou ser possível presumir que constrangimentos à trabalhadora foram culpa exclusiva de ilicitudes da empresa.

Data de criação: 30/6/2021 09:34:00

A 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) deu parcial provimento ao recurso ordinário da empregada e condenou sua ex-empregadora, Rodando Legal – Serviços e Transporte Rodoviário LTDA, ao pagamento de indenização por danos morais por constantes atrasos no pagamento dos salários. Em primeira instância o pedido de indenização por danos morais havia sido indeferido, pois o juízo de origem considerou que os danos causados à trabalhadora foram unicamente materiais e patrimoniais. O colegiado seguiu por unanimidade o voto da relatora do acórdão, desembargadora Rosana Salim Villela Travesedo, que considerou que, uma vez demonstrado o constante atraso salarial, foi possível presumir que a trabalhadora tenha passado por diversos constrangimentos por culpa exclusiva das atitudes ilícitas da ex-empregadora, o que ensejou o pagamento de danos morais.

A trabalhadora afirmou em sua petição inicial que foi contratada pela empresa ré em 2015 para exercer as funções de gerente de unidade. Declarou que em agosto de 2019, foi promovida e em abril de 2020, foi dispensada sem justa causa. Ressaltou que não recebeu o valor das verbas rescisórias e que, no período de setembro de 2018 a abril de 2020, a ex-empregadora atrasou oito vezes o pagamento dos salários, mesmo após ter cumprido com todas as suas obrigações laborais.

Explicou ainda, que os atrasos no pagamento de salários causaram diversas complicações e transtornos morais incontestáveis e irreversíveis em sua vida profissional e pessoal.

(...)

Fonte: TRT da 1ª Região - RJ

É "a lei", isto é, o juspositivismo. Todavia, numa análise pós-positivista, o empregado não deveria ser condenado. Provocar o Estado (Justiça Trabalhista) para ter o pagamento e poder comprar o remédio; poderia pedir emprestado para algum pessoa conhecida ou amiga. Ora, a própria CRFB de 1988 (Art. 3ª) reconhece a abissal diferença social e econômica no Brasil, a hipossuficiência é condição tanto para o trabalhador (Art. 7º, da CRFB de 1988) quanto para o consumidor (Art. 5º, XXXII, da CRFB de 1988). O Brasil, e outros Estado, continuam com problemas econômicos por decorrências da pandemia, de 2020, das duas guerras ─ Israel e Hamas; Ucrânia e Rússia. Assunto para a Filosofia do Direito.

Retorno para a saída temporária, popularmente chamada de "saidinha".

Temos a LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984:

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Notem o ano da citada Lei: 1984. A Lei é antes da redemocratização do Brasil, isto é, do período conhecido como Anos de Chumbo (1964 a 1985). Interessante:

LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984

MENSAGEM DE VETO nº 72, DE 1984 - CN

(Nº 257/84, na origem)

Excelentíssimos Senhores Membros do Congresso Nacional:

Tenho a honra de comunicar a Vossas Excelências que, nos termos dos arts. 59, § 1º, e 81, item IV, da Constituição, resolvi vetar, por inconstitucionalidade, o § 1º do art. 14 do Projeto de Lei da Câmara nº 76, de 1984 (nº 1.657, de 1983, na Casa de Origem), que "institui a Lei de Execução Penal".

Dispõe a Constituição em seu art. 165, parágrafo único, que "nenhuma prestação de serviço de assistência ou de benefícios compreendidos na Previdência Social será criada, majorada ou estendida sem a correspondente fonte de custeio total". O § 1º do art. 14 do Projeto que vem à sanção contraria esse preceito constitucional pois estabelece, sem a correspondente fonte de custeio, em caráter obrigatório, ficará a cargo da Previdência Social - Federal ou estadual.

A parte final do parágrafo único do art. 63 determina a renovação, em cada ano, de um terço dos membros do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, cujo mandato se fixou em dois anos. A execução desse princípio salutar oferece, todavia, dificuldade quase insuperável em primeiro lugar, o número dos membros do Conselho, fixado no Caput do artigo, não é múltiplo de três, além disso, essa regra acarretaria a necessidade, no primeiro ano, de renovar o mandato de membro do Conselho cuja permanência é de dois anos. Aconselha-se o veta da regra concernente à renovação anual de um terço dos membros do Conselho. Penso, no entanto, que o deleito apontado pode sanar-se mediante projeto de lei que torne viável a execução da regra fixada no aludido parágrafo, e que pretendo oportunamente submeter á apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Brasília, 11 de julho de 1984. - João Figueiredo

Sem apegos ideológicos, atuais, é fácil perceber que já se pensava na importância ─ apesar das contradições da época, a Ditadura Militar (1964 a 1985) e vastas violações dos direitos humanos, pelos militares da época ─ da dignidade dos apenados. A gênese da LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984 derivou do Projeto de Lei 1.657/1983. Logo, também sem muitos esforços cognitivos, a "saidinha" não é um "trama comunista" contra os "cidadãos de bem". O que existe é o "Populismo Penal". Numa rápida busca, por qualquer mecanismo de busca (Google, Bing,etc.), é fácil verificar que boa parte dos que saíram e não retomaram, a "saidinha", foram capturados pelos agentes de segurança pública.

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No Atlas da Violência de 2023:

Se não fosse o aumento de armas de fogo em circulação entre 2019 e 2021, o Brasil teria registrado 6.369 homicídios a menos."

Se a intenção é impedir que os apenados saem, para não fugirem das "garras da Justiça", por "culpa da saidinha", as condições de segurança nos presídios devem ser melhoradas para evitarem "fugas espetaculares". Quem recorda do CASO ESCADINHA?

O saudoso jurista Luiz Flávio Gomes nos deixou, todavia, sua sabedoria se perpetua. O livro Populismo Penal Midiático é um alerta sobre a força midiática, principalmente em tempos de polarizações ideopolíticas na atualidade, na dignidade humana.

Transcrevo:

Expressões ou vertentes do populismo penal midiático. Um retrato fiel (ou o mais fiel possível) do atual populismo penal midiático revela com toda nitidez as duas vertentes existenciais (as duas dimensões, as duas expressões) do populismo penal: (a) a conservadora clássica e a (b) disruptiva.

A primeira proposta pela preservação da ordem social, pela divisão da sociedade em pessoas decentes, de um lado, e criminosas , de outro, criminalização de agentes estereotipados (o “outro” ou “eles”) etc. desiguais, considerados, no entanto, inimigos (estereotipados e os parecidos com eles). Tem como objeto de atenção a criminalidade clássica (patrimonial, sexual, violenta).

A segunda sugere (ao menos em parte) racionalidades ou pretensões coincidentes com as teses punitivistas das criminologias críticas ou progressistas e se chama disruptiva precisamente porque persegue os iguais (ou mais ou menos iguais), que são os criminosos do colarinho branco, os poderosos, os burgueses (especialmente quando envolvidos com corrupção, lavagem de dinheiro etc.).

O primeiro modelo de populismo penal midiático tem correspondência com a ideologia conservadora da direita ou da esquerda punitiva e vem fundado na política da defesa social (da ordem social). Não questione a legitimidade ou justiça da ordem social e/ou econômica nem assuma a divisão de classes assim ou o caráter conflitivo da sociedade. Trata-se de uma linha jornalística consensuada (que busca ou que parte da tese do consenso social).

A segunda expressão do populismo penal midiático, como sublinhamos, coincide com as reivindicações (ou parte delas) das criminologias críticas da esquerda progressiva (punição dos criminosos do colarinho branco, especialmente os envolvidos com a corrupção, entendida em sentido amplo), mas isso não significa que deixa de ser conservadora (visto que enfoca o delito como desvio individual, produto de uma livre escolha, sem nenhuma conotação mais ampla, de corte social).

Teses convergentes. Ambos os populismos midiáticos, de qualquer forma, coincidem em procurar uma solução “mágica” para a criminalidade, ou seja, acreditar (ou difundem a crença de) que a vingança severa ou a edição de leis penais mais duras (por si só) solucionariam o problema da delinquência, da insegurança, da corrupção, da moralidade pública etc. Nesse ponto a nossa discordância é radical (pelas razões que apresentamos ao longo deste trabalho).

Ideologia liberal ou conservadora? Existem jornalistas e empresas de comunicação que assumem com clareza a sua filiação ideológica progressista (concordam com os avanços sociais promovidos pelo dinheiro público), no entanto, isso não constitui a regra. Desde a chamada “Nova República” (1985), a grande imprensa (com raras questões), que está nas mãos de 11 famílias e alinhadas com o modelo econômico brasileiro (escravagista/neoliberal), vem cumprindo seu papel de “aparelho privado de hegemonia” ”(Fonseca: 2012, p. 22-23). Ela defende interesses privados fazendo discursos públicos. Isso corresponde a um tipo de liberalismo autoritário (Fonseca: 2011, p. 15 e ss.). As empresas midiáticas buscam a maximização dos lucros, em detrimento de sua antiga função militante; sua militância atual é a da empresa livre, a sociedade de mercado (Rincón e Magrini, em Sorj: 2010, p. 120).

Seletividade. No plano político-criminal essa grande imprensa ora (a) se lança conservadora e duramente contra a criminalidade clássica (violenta, sexual ou patrimonial) cometida em geral por jovens marginalizados ou por crimes organizados privados, ora (b) dá preferência para o jornalismo investigativo , que tem como alvo predileto à corrupção e seus protagonistas estatais ou privados. De qualquer forma, em ambas as situações, ela atua de forma seletiva (Fonseca: 2012, p. 22): não dá destaque para toda a criminalidade da underclass nem tampouco escandaliza toda a criminalidade do colarinho branco (tudo é selecionado com muito sofisticado) .

Na era da pós-modernidade (da sociedade líquida, diria Bauman), em que todas as velhas divisões e construções ideológicas estão se diluindo ou sendo severamente criticadas, o comum é a postura de atuação conforme as conveniências (jornalísticas, empresariais ou ideológicas) de cada momento (o que evitaria a fossilização das ideias – Fonseca: 2011, p. 22). Um mesmo jornalista pode ora cumprir o papel de empresário moral do punitivismo (defesa da estrutura social, tal como ela é, defesa do poder punitivo mais acentuado etc.), ora o papel de julgador midiático paralelo (investigação, acusação e julgamento público, sobretudo em casos de corrupção – veja Frascaroli: 2004, p. 127 e ss.). Mas toda sua atividade passa antes pela seletividade política, ideológica e editorial (Figueiredo Dias e Costa Andrade: 1997, p. 384 e ss.).

Os meios de comunicação são indispensáveis ​​para a vitalidade do Estado democrático (e participativo) de direito. Os meios de comunicação são imprescindíveis para a democracia, no entanto, sua atuação segue – muitas vezes – uma vitória populista (e antidemocrática). A mídia é condição necessária para a existência das liberdades, bem como de outros valores nucleares do sistema republicano de governo. Só podemos pensar numa opinião pública vigorosa, atenta às atividades dos governantes, com uma mídia independente e vigilante (Monzón: 2005, p. 17). De qualquer forma, nada é absoluto no plano jurídico. A mídia também tem limites jurídicos, éticos, morais etc.

Nem todo texto midiático é populista. Não há dúvida de que se pode subscrever a afirmação de que apenas alguns segmentos da mídia adotam os padrões e técnicas expansivas do populismo penal, buscando construir a realidade criminosa de forma para atender seus objetivos de interferir no desenho das políticas de delito ou (ilegitimamente ) no estágio judicial de algum caso concreto.

Exemplo de texto midiático populista. Vejamos o que afirmou um editorial do Correio Braziliense (23/5/12, p. 14): “A cidadania levou ontem (perante o exercício do direito ao silêncio pelo acusado Cachoeira na CPI) um tapa no rosto e se descobriu impotente, abandonada ”. A linguagem é terrorista (Veres: 2006, p. 13 e ss.), típica do populismo penal (Colombo: 2011, p. 191). Coloca toda a população em posição de vítima agredida (e agredida humilhantemente, com um tapa no rosto). O exercício do direito constitucional ao silêncio constitui (para esse tipo de populismo midiático) uma grave “ofensa”, um “mal” que deve ser extirpado do ordenamento jurídico brasileiro. Coisa do diabo e não de Deus (consoante Maffesoli). Aliás, a proposta final do editorial foi a seguinte: “É hora de colocar uma vírgula no direito que garantiu o silêncio de Cachoeira: se o crime é contra o bem público, o acusado não pode se calar impunemente ante a autoridade. Elementar”. O que prega (é de verdadeira pregação fanática que se trata, visto que o poder punitivo se transformou numa espécie de religião fanática) é a extirpação, pura e simples, da garantia ao silêncio, que constitui cláusula pétrea no nosso sistema constitucional, revelada de que evoluímos do sistema inquisitivo da Idade Média para um sistema constitucional civilizado dotado de relativa razoabilidade. Do ponto de vista jurídico, essa primitivização do direito afigura-se como algo aberrante e estarrecedor (veja Lecrerc, em Lecrerc e Théolleyre : 2007, p. 63 e ss.).

Exemplo de texto midiático não populista. Toda a justiça merece cadeia, em julgamento sumário e sem respeito às garantias? Vejamos o que disse o editorial da Folha de S.Paulo de 1º / 9/2012, p. A2: “A pena privativa de liberdade, como esta Folha tem assinalado várias vezes, só deveria ser aplicada nos casos em que o condenado traz real ameaça à segurança pública”.

Analisando o caso mensalão sublinhou: “Com todas as longas de que se cercou, e com minúcias e divergências capazes de testar a paciência até dos próprios ministros, o julgamento do mensalão tem posto à prova esse duplo simplismo – tanto o de quem não se importa com a comentários quanto o dos que a querem a qualquer preço. Se há muito de exemplar nas decisões até aqui alcançadas, não são menores as lições que o processo pode trazer – não que garanta de respeito às garantias constitucionais, ao debate civilizado e ao exame de cada caso com rigor, mas sem tendência nciosidade nem paixão” .

As duas coisas não são incompatíveis. O Estado conta com mil maneiras racionais e válidas de provar os delitos organizados, inclusive dos poderosos econômicos, que não podem mesmo ficar impunes. Mas não podemos abandonar o velho e bom discurso formulado por Beccaria (em 1764) e pelo Iluminismo de que o direito penal constitui também garantia do réu contra os abusos do Estado (Simonetti: 2010, p. 184 e ss.; Díez Ripollés: 2007 , p. 98 e ss.). [Gomes, Luiz Flávio. Populismo penal midiático : caso mensalão, mídia, disruptiva e direito penal crítico / Luiz Flávio Gomes 
e Débora de Souza de Almeida ; coordenadores Alice 
Bianchini, Ivan Luís Marques e Luiz Flávio Gomes. 
– São Paulo : Saraiva, 2013. – (Coleção saberes 
monográficos)]

Alguns jornalistas mudaram suas opiniões sobre "bandido bom é bandido morto" e "cidadão de bem". Dizer que o jornalismo é isento é a mais pura e cristalina "fake news". O título "Homem preso tem passagem na polícia". Ocorre que qualquer pessoa pode ter "passagem na polícia" como brigas entre vizinhos, entre familiares, etc. Ocorre que "ter passagem" em nada informa sobre se houve ou não condenação ou absolvição, o "trâmite em julgado". Para piorar, alguns políticos continuam na esperança de se perpetuarem na política ─ ocupar eternamente cargo eletivo.

O "populismo midiático" angaria telespectadores, a condição do capitalismo. O "populismo político" angaria eleitores sejam eles influenciados pelas mídias ou condizentes com a ideologia "bandido bom é morto", ou apodrecer na prisão. Não basta somente encarcerar. As prisões brasileiras são calabouços, sem qualquer possibilidade de garantir, conforme normas contitucionais, a dignidade dos apenados. Aliás, muitos que diziam "bandido bom é morto", agora encarcerados pelos atos de 08/01/2023, em Brasília, apela para os seus direitos constitucionais e os direitos humanos.

Populismo Penal para a manutenção do cargo e de ideologia incompatível com a CRFB de 1988 e os direitos humanos.

É importante combater qualquer tipo de populismo para evitar retrocessos.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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