Inocência sob ataque: passageira em ônibus atingida por pedra de briga de torcidas. Quem responde?

23/02/2024 às 12:36

Resumo:


  • Idosa ferida após ônibus ser apedrejado por torcedores em Curitiba, demonstrando a violência e os danos colaterais dos confrontos entre torcidas.

  • Discussão sobre a responsabilidade pelos danos causados: se a empresa de ônibus é responsável ou se o ataque configura um caso fortuito externo, excluindo a responsabilidade da transportadora.

  • Tendência jurídica de responsabilizar times de futebol ou torcidas organizadas pelos atos ilícitos de seus membros, refletindo o princípio de que quem obtém benefícios também deve arcar com os ônus.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A triste realidade dos danos colaterais em conflitos de torcidas.

Recentemente, veículo de imprensa da capital paranaense noticiou o seguinte fato: “Idosa fica ferida após ônibus ser apedrejado por vândalos em Curitiba: ‘Desceram mais de 20 torcedores’”1.

Resumindo o teor da reportagem vê-se que passageira idosa estava se dirigindo à missa quando o ônibus em que estava, ao passar por Estádio de determinado time, foi alvejado por paus e pedras atirados contra o veículo. Constatou-se que o alvo dos vândalos, eram torcedores de time rival que também eram transportados no mesmo ônibus em que estava a idosa. Ou seja, a passageira teria sido vítima de verdadeira “bala perdida” (aqui, “paus” e “pedras” perdidos) pois, seu “pecado” era ser passageira do mesmo ônibus de transporte coletivo utilizado por torcida rival dos indivíduos que atiraram os artefatos contra o ônibus.

Esse fato lamentável é mais um dos vários ocorridos nos finais de semana nas diversas capitais brasileiras.

Ocorrido o fato e existindo inegavelmente um dano, surge a seguinte indagação: quem se responsabiliza pelo dano (ferimento) causado à passageira? A empresa de ônibus seria responsável pelos danos, já que existiria ali um contrato de transporte e esse tipo de contrato traz, consigo, implicitamente, a chamada cláusula de incolumidade (art. 734, CC)? O fato de terceiro exonera a sua responsabilidade (art. 735, CC)?

Primeiramente antes mesmo de se analisar o aspecto contratual e se responde a indagação, cabe delimitar o regime jurídico aplicável ao caso.

Na hipótese aqui relatada, verifica-se que o incidente se deu dentro de um veículo de transporte coletivo urbano. Nesses casos, como as linhas são de titularidade do Município (art. 30, IV) e, geralmente, os Municípios delegam essa atividade à iniciativa privada por meio de concessões, verifica-se que o serviço aqui tratado é um serviço público prestado por uma empresa privada. No caso de concessões, estabelece o art. 37, §6º, da CF que a concessionária “responde pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

No entanto, por mais que a concessionária responda de forma objetiva por danos que seus agentes causarem, o fato deve ter relação de causalidade com a sua atividade, caso contrário, ela não será responsabilizada.

No caso de pedras atiradas por uma torcida contra a outra, ou mesmo atos de vandalismo praticados por determinado grupo de torcedores insatisfeitos com resultado de seu time do coração, há relação de causa (atirar a pedra) e efeito (dano no passageiro) com a atividade da empresa (transportar pessoas)? Penso que não. Aqui, a empresa de transporte é tão vítima, quanto o passageiro e a sociedade.

Segundo entendimento até antigo do STJ (nesse sentido vide RESP 247.329/MG de 26/02/2009 e RESP 919.823/RS de 2010) “Constitui motivo de força maior, a isentar de responsabilidade a empresa de transporte de passageiros, o fato de terceiro que arremessa pedra no ônibus e fere passageiro.” Atualmente, o STJ analisa o caso sob a perspectiva do caso fortuito e, entende, que esse tipo de evento se revela como verdadeiro fortuito “externo”, ou seja, sem qualquer relação de causalidade com a atividade de transporte, isentando, por esse motivo, a transportadora de responsabilidade (vide nesse sentido, p. ex. o AgRg no REsp n. 1.562.554/RJ2 que trata de pedra arremessada contra trem, mas cujo fundamento é perfeitamente adaptável ao caso do transporte sobre rodas).

Mas então ninguém responderá pelos danos que eventualmente o passageiro possa ter sentido?

Também não é bem assim. Hoje, diante do aumento cada vez maior de brigas de torcida, além da atuação combativa do Ministério Público e dos agentes de segurança no âmbito criminal, na seara cível, há forte tendência de responsabilizar-se o time de futebol ou a torcida organizada ao qual os agentes que praticaram o ilícito estão vinculados para que, eles, respondam pelos danos. É aquela velha história: quem tem bônus, tem que ter ônus não é mesmo? Se o time vende camisa, vende ingresso, vende cotas de televisão, patrocina determinadas torcidas organizadas (bônus), não pode querer ele se eximir dos ônus de sua atividade não é mesmo?

Vejam que o STJ já responsabilizou time por briga generalizada no entorno do estádio (RESP n. 1.924.527, Inf. 701) e, também, em caso de foguete disparado por torcedor de dentro do estádio contra torcedores do time adversário (REsp 1.773.885-SP). Então, é bem possível (assim espero) que a jurisprudência se incline e passe a admitir a reparação dos danos de terceiros, verdadeiras vítimas de um evento danoso e consumidores por equiparação (art. 17, do CDC), como no caso dessa pobre idosa que, em um domingo de sol, só desejava ir até a sua missa e, por conta de atitudes irresponsáveis de torcedores apaixonados, acabou mesmo tendo que ir para o hospital tratar de ferimentos.


  1. A matéria completa pode ser acessada no seguinte endereço eletrônico: https://www.bandab.com.br/seguranca/idosa-ferida-onibus-apedrejado-agua-verde/

  2. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. ARREMESSO DE PEDRA DE FORA DA COMPOSIÇÃO FÉRREA. LESÃO EM PASSAGEIRO. FATO DE TERCEIRO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA.

    Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
    Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

    1. Segundo a jurisprudência do STJ, "por se tratar de fortuito externo, não se incluindo nos riscos normais da atividade de transporte, não pode a transportadora ser responsabilizada pelo dano causado ao passageiro que é atingido por objeto arremessado por terceiro, fora da composição ferroviária, havendo, pois, exclusão do nexo de causalidade nessa hipótese" (AgInt nos EREsp n. 1.325.225/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/9/2016, DJe 19/9/2016).

    2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.562.554/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 23/3/2020, DJe de 26/3/2020.)

Sobre o autor
Leonardo Agostini

Advogado (OAB/PR 36.020), Mestre em Direito (UniBrasil), Pós-Graduado em Direitos Fundamentais, Membro da Comissão de Responsabilidade Civil da OAB/PR, Professor de Direito Civil, Autor do Livro: A Intimidade e a Vida Privada como Expressões da Liberdade Humana

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos