Uso de precatórios de terceiros para pagamento de tributos federais na transação tributária

22/02/2024 às 14:52

Resumo:

Uso de precatórios de terceiros para pagamento de tributos federais;


Compensação tributária como forma de extinção de crédito tributário;


Transação tributária como meio de terminar litígios e extinguir créditos tributários.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

USO DE PRECATÓRIOS DE TERCEIROS PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS FEDERAIS NA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

Ari Timóteo dos Reis Júnior

Procurador da Fazenda Nacional

Especialista em Direito Tributário

Mestre em Direito

  1. INTRODUÇÃO

A inadimplência tributária é problema relevante em um país com elevadíssima carga tributária como o Brasil, tanto para as empresas como para as pessoas físicas. É muito comum empresas com passivos grandes e com dificuldades de gestão desse passivo tributário, que atrapalha o desenvolvimento, a manutenção da atividade e faz o empresário perder o sono.

Ao contribuinte inadimplente exigem diversos serviços tributários que podem ser prestados pelo advogado, a depender da situação concreta, o que exige o preparo técnico específico desse profissional, um preparo do mesmo nível do retorno financeiro que ele próprio deseja.

No presente estudo, com viés prático, trato de um desse serviços que servem para uma melhor gestão do passivo tributário, uma forma de “pagar menos tributo”, mas que só pode ser feita com segurança por um advogado especializado. Compartilho com vocês o uso da compensação com uso de precatório de terceiros e a transação tributária, dois temas de extrema relevância prática, que trazem resultados para o cliente, o empresário, que ficaria muito satisfeito em reduzir o seu passivo.

São temas novos, atuais e que ainda estão envoltos em diversas controvérsias. A transação veio em 2020 com a Lei nº 13.988 e já foi alterada em 2022 pela Lei nº 14.375. A compensação com créditos de terceiros (precatórios) nasceu da Ec nº 113, do ano de 2021, e já fez parte de um verdadeiro alvoroço, tendo diversos pontos declarados inconstitucionais na ADI 7047, julgada em dezembro de 2023. Recentíssima decisão.

Em Direito Tributários, as novidades são “portas de oportunidades” para o advogado, mas somente para aquele que esteja a par das mesmas, que saiba como lidar com elas, como lhes tirar proveito enquanto advogado, em benefício de seus clientes.

  1. DA COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA

O interesse na compensação reside na maior agilidade no uso dos créditos do sujeito passivo, que poderão ser utilizados imediatamente para quitar tributos, sem que tenha que aguardar uma restituição via precatório. O art. 170 do CTN dispõe:

Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

A compensação é modalidade extintiva do crédito tributário que se verifica quando o sujeito passivo da obrigação tributária é, ao mesmo tempo, credor e devedor do ente público, sendo mister, para sua concretização, autorização por lei específica e créditos líquidos e certos, vencidos e vincendos, do contribuinte para com a Fazenda Pública.

Se no Direito Civil a compensação se dá de forma automática, bastando que ambas as dívidas sejam líquidas, certas, vencidas e fungíveis, no Direito Tributário sempre dependerá de lei, sob as garantias que estipular ou deixar à autoridade administrativa. Logo, não basta que o sujeito passivo tenha um crédito em face do Estado, é necessária uma lei que permita a compensação.

A compensação tributária também se diferencia porque admite que o crédito do contribuinte seja vencido ou vincendo, ao contrário do âmbito cível que exige necessariamente que ambos os débitos estejam vencidos. Ressalte-se que somente pode ser vincendo o crédito que o particular tem em face da Fazenda Pública, mas não o crédito tributário (valor do tributo a ser extinto pela compensação).

No caso de crédito vincendo, o valor do qual o sujeito passivo é titular precisa ser reduzido em consideração ao tempo que falta para vencer. A lei determinará a apuração do seu montante, não podendo cominar redução maior do que 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.

Na esfera federal a compensação é regulamentada pelo art. 74 da Lei nº 9.430/96 e art. 66 da Lei nº 8.383/91. É feita por declaração do próprio sujeito passivo, que extingue o crédito sob condição resolutória de sua ulterior homologação que, senão ocorrer de modo expresso, se dá no prazo de 5 anos contados da apresentação da declaração.

Já foi pacificado que é inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária (Tese nº 736/STF)1. Sem que esteja caracterizada a má-fé, falsidade, dolo ou fraude, a previsão da multa ofende a Constituição por violar o direito fundamental de petição e o princípio da proporcionalidade.

Atualmente, não há necessidade de que os tributos a serem compensados sejam de mesma espécie tributária, exigindo-se que sejam administrados pela Receita Federal. Contudo, ressalva-se que o STJ já decidiu que o crédito de contribuição previdenciária somente poderia ser compensado com débitos de mesma natureza2, ou seja, débitos previdenciários só poderiam ser extintos, via compensação, com créditos decorrentes de recolhimentos de contribuições previdenciárias. A vedação da compensação com quaisquer tributos constava expressamente do art. 26, parágrafo único, da Lei nº 11.457/073 e o motivo era claro, uma vez que o produto da arrecadação possui destinação específica para concessão dos benefícios da previdência social. A vedação perdeu razão de ser com a Lei nº 13.670/2018, que permitiu a compensação de débitos previdenciários com quaisquer outros tributos administrados pela Receita Federal, desde que efetuada por sujeito passivo que utilizar o sistema eSocial para apuração das referidas contribuições e não seja relativa à débitos e créditos de período anterior à utilização de referido sistema.

Vale lembrar que a lei que rege a compensação é a vigente da data do encontro de contas entre os recíprocos débito e crédito da Fazenda e do contribuinte, e não aquela em vigor na data em que se efetiva o pagamento indevido ou da propositura da ação4. O encontro de contas se dá na data em que apresentada a declaração.

É importante não confundir esse entendimento com o representado pela Tese nº 265, segundo a qual “Em se tratando de compensação tributária, deve ser considerado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da demanda, não podendo ser a causa julgada à luz do direito superveniente, tendo em vista o inarredável requisito do prequestionamento, viabilizador do conhecimento do apelo extremo, ressalvando-se o direito de o contribuinte proceder à compensação dos créditos pela via administrativa, em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios”. Como assentado pelo Min Teori Zavascky no REsp. 1.164.452 “o que se disse é que não se poderia julgar aquela causa, então em fase de embargos infringentes, à luz do direito superveniente à propositura da demanda. De modo algum se negou a tese de que a lei aplicável à compensação é a vigente à data do encontro de contas”.5

Ademais, diante de vedação legal, não podem ser compensados débitos já encaminhados para inscrição em Dívida Ativa (a lei não fala em já inscritos, mas já encaminhados); débitos consolidados em parcelamento; débito que já foi objeto de compensação não homologada; crédito objeto de pedido de restituição já indeferido etc.

Entende-se possível a compensação de ofício, que é aquela efetuada sem o pedido do particular, prevista na esfera federal pelo art. 73 da Lei nº 9.430/966, conforme Tese nº 484/STJ: Fora dos casos previstos no art. 151, do CTN, a compensação de ofício é ato vinculado da Fazenda Pública Federal a que deve se submeter o sujeito passivo, inclusive sendo lícitos os procedimentos de concordância tácita e retenção previstos nos §§ 1º e 3º, do art. 6º, do Decreto n. 2.138/97. Segundo o STF7, a compensação de ofício não viola a liberdade do credor e prescinde de anuência ou acordo, perfazendo-se ex lege, diante das seguintes circunstâncias objetivas: (i) reciprocidade de dívidas, (ii) liquidez das prestações, (iii) exigibilidade dos débitos e (iv) fungibilidade dos objetos.

A compensação de ofício não se aplica aos débitos que estejam com exigibilidade suspensa, na medida em que retira os efeitos da suspensão da exigibilidade do crédito tributário prevista no CTN, incorrendo em inconstitucionalidade porque lei complementar de normas gerais (art. 151, VI, Código) não condiciona o efeito do parcelamento à prestação de garantia, de modo que a lei ordinária não poderia acrescentar8. Se não for o caso, a compensação de ofício é ato vinculado a que deve se submeter o sujeito passivo. O contribuinte devedor pode decidir quais débitos deseja liquidar, excluindo aqueles que pretende contestar administrativa ou judicialmente, mas não pode negar-se genericamente a realizar a compensação.

A compensação de ofício será precedida de notificação ao sujeito passivo para que se manifeste sobre o procedimento, no prazo de quinze dias, sendo o seu silêncio considerado como aquiescência. Havendo concordância do sujeito passivo, expressa ou tácita, se efetuará a compensação. Discordando o sujeito passivo, o valor devido será retido até que o débito seja liquidado9.

  1. A utilização de precatório para quitação de tributos

De acordo com o art. 74 da Lei nº 9.430/96, admite-se a utilização de precatórios para compensação de débitos tributários, entretanto, somente quando se tratar de débitos próprios, sendo vedado a utilização de crédito de terceiros.

A par disso, aquele que possui precatório em face da União, Estados, DF e Municípios, pode ceder total ou parcialmente a terceiros, independentemente da concordância do devedor (art. 100, § 13, CF/88). Assim, a princípio, o contribuinte pode adquirir precatórios de terceiros, mas não poderia utilizá-los para compensar tributos.

Ocorre que, a Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021, dispôs no § 11 do art. 100 da CF/88 ser facultado ao cidadão ou empresa credora, conforme estabelecido em lei do ente federativo que é devedor, a oferta de créditos líquidos e certos, seja os que lhe são próprios ou adquiridos de terceiros, reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para quitação de débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente.

Então, considerando que a utilização do precatório de terceiros ficava condicionada à lei do ente federativo, não houve nenhuma inovação normativa, uma vez que, mesmo sem a emenda constitucional, o legislador poderia admitir a hipótese sem maiores problemas. O que não era possível seria a compensação de precatórios de terceiros em lei autorizativa, mas havendo lei, sempre foi perfeitamente admissível.

Todavia, para esfera federal a EC nº 113/2021 foi além e, inovando, previu a auto aplicabilidade para a União, de maneira que, com base na própria Constituição e independentemente de lei infraconstitucional, passou a ser possível a utilização de precatório de terceiros para pagamento de débitos parcelados ou inscritos em Dívida Ativa. Assim, foram editados atos regulamentares possibilitando a operacionalização, tal como o Decreto nº 11.249/2022 e a Portaria PGFN nº 10.826/2022.

Na ADI nº 704710, em 01/12/2023, o STF entendeu ser inconstitucional a previsão que determinava a autoaplicabilidade da compensação no caso de precatórios federais. No caso, a emenda constitucional que trouxe essa possibilidade afastava a possibilidade da União, por lei, estabelecer regras que limitassem o exercício do direito, criando uma situação totalmente potestativa em que o ente federal ficaria submetido à vontade do credor. Tal previsão mereceu interpretação conforme a Constituição, que deixou assentado que é possível ao ente federal, assim como os subnacionais, definirem os termos em que o encontro de contas pode ser realizado.

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Nesse contexto, o que acontece agora? Continua sendo possível ou não a compensação com uso de precatórios de terceiros para compensação de créditos inscritos?

Não há lei que confira sustentáculo para tal tipo de compensação, razão pela qual, nos termos do art. 170 do CTN, não seria mais possível. Outro modo de enfrentar a questão segue a ótica de que o STF permitiu que a União Federal restringisse o direito à compensação previsto pelo § 11 do art. 100, CF/88, mas não afastou sua auto aplicabilidade. Cremos que a segunda resposta seja mais adequada.

Até o presente momento, não existem decisões sobre o assunto. Aguardemos os próximos passos desse debate.

  1. DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

A transação é uma hipótese de extinção do crédito tributário prevista pelo art. 156, III, CTN, sendo conferia à lei a tarefa de facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso (art. 171, CTN).

A existência de lei autorizativa é um requisito indispensável e que estabelece as condições e requisitos dos quais a autoridade administrativa não poderá se afastar.

No cerne da transação tributária está o propósito de terminar um litígio. Diferente do Direito Civil, aqui, não existe a figura da transação preventiva, aquela que se direciona a prevenir um litígio, mas apenas a transação terminativa, que pressupõe litígio já existente. O Código não especifica o tipo de litígio ao qual se refere, se apenas o judicial ou se alcançaria também controvérsias em âmbito administrativo, porém, a Lei nº 13.988/2020, que trata da transação federal, admite o contencioso administrativo.

Além disso, há necessidade concessões mútuas, de modo que ambas as partes cedem em alguma medida, para que se coloque fim ao litígio.

A indisponibilidade do interesse público não é um impedimento ao uso da transação em matéria tributária, que segue razões praticabilidade e eficiência, se revelando mais vantajosa ao interesse público na medida em que constitui um meio mais ágil e barato na solução dos conflitos tributários e na persecução do crédito público.

  1. Especificidades da transação tributária federal

Na esfera federal, a transação é autorizada pela Lei nº 13.988/202011, sendo importante apontar:

  1. natureza discricionária: a União em juízo de oportunidade e conveniência, pode celebrar a transação sempre que, motivadamente, entender que atende ao interesse público (art. 1º);

  2. pode alcançar débitos inscritos em DAU ou na fase administrativa, desde que, nesse último caso, estejam sob contencioso fiscal: pode ser aplicada aos créditos inscritos em dívida ativa e tributos cuja inscrição, cobrança e representação incumbam à PGFN, como também é aplicável aos débitos sob administração da Receita Federal que estejam em contencioso fiscal (art. 1º, § 4º e art. 2º);

  3. pode ser por proposta individual ou adesão: por adesão é aquela realizada exclusivamente por meio eletrônico, pelo qual o devedor apenas anui com um edital em que o ente tributante especifica as condições; já a transação individual pode ser feita tanto por iniciativa do Fisco ou do próprio contribuinte, sendo dirigida pessoalmente e diretamente à este e na qual serão estabelecidas as condições e as concessões (art. 2º);

  4. possui três modalidades (i) transação na cobrança de créditos; (ii) transação no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica; (iv) transação no contencioso de pequeno valor: cada modalidade possui regramento próprio, embora sujeita às disposições gerais;

  5. implica desistência de defesa administrativa ou judicial, bem como renuncia a quaisquer alegações de direito sobre os créditos transacionados: o devedor assume o compromisso de desistir de impugnações administrativas ou judiciais, renunciando às alegações de direito, atuais ou futuras, e, se for o caso, requerer a extinção de eventual processo judicial que já esteja em curso com julgamento de mérito (art. 487, III, b, CPC);

  6. na modalidade “transação na cobrança do crédito tributário”, não pode reduzir o montante principal: a transação possui diversas modalidades. Na “transação para cobrança de créditos” há esta limitação, sendo assim compreendido o valor originário, sem multa, juros e encargos legais; ressalte-se que, além dessa modalidade, existem a “transação no contencioso de relevante e disseminada controvérsia jurídica” e a “transação por adesão no contencioso de pequeno valor”, que não possuem dispositivo legal expresso no mesmo sentido (art. 11, § 2º, I);

  7. não suspende a exigibilidade do crédito tributário nem andamento de execuções fiscais: a proposta não é causa suspensiva, porém, as partes podem convencionar a suspensão de processo judicial que estiver em curso, na forma do art. 313, II, CPC;

Como dito, existem 3 modalidades de transação. A “transação na cobrança” é aquela que se relaciona ao recebimento do crédito e não necessariamente à alguma controvérsia jurídica que se deseje colocar fim mediante concessões mútuas. Muitas vezes o crédito é de difícil recuperação e os procedimentos comuns de cobrança provavelmente não obterão êxito, surgindo a transação como meio eficaz de recebimento porque concede descontos e condições para que o devedor possa pagar segundo sua capacidade econômica.

Inicialmente somente era permitida para créditos inscritos, existindo vedação expressa à aplicação dessa modalidade para créditos na fase administrativa12. Com a Lei nº 13.375/2022 passou a ser admitida para créditos sob administração da Receita Federal que estejam em contencioso fiscal.

A “transação no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia” pressupõe controvérsia tributária relevante e disseminada, assim considerada aquela trate de questões tributárias que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, abrangendo créditos inscritos ou não inscritos que estejam sob contencioso fiscal. Somente pode ser celebrada se existir inscrição em dívida, embargos à execução fiscal ou outra ação judicial sobre a tese objeto da transação ou, ainda, reclamação ou recurso administrativa que ainda estejam pendentes de julgamento definitivo. Assim, busca efetivamente encerrar um litígio administrativo ou judicial relativo à controvérsia sobre tese jurídica.

A “transação no contencioso de pequeno valor” é aquela que envolve débitos até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos e, cumulativamente, que tenham como sujeito passivo pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte, sendo aplicável à débito inscrito ou não inscrito sob contencioso fiscal. Como se vê, é uma espécie de “transação na cobrança”, mas para créditos de valor reduzido.

Alguns aspectos diferenciam a transação de pequeno valor da transação comum na cobrança. O primeiro é que, aqui, o limite de descontos é de 50% do valor total do crédito e o prazo máximo de pagamento é de 60 meses (art. 25), enquanto naquela o limite é de 65% em até 120 meses, podendo chegar até 70% de desconto com prazo de pagamento de 145 meses para pessoa natural, microempresa e empresa de pequeno porte (art. 11, §§ 2º e 3º). Logo, a transação comum na cobrança parece mais vantajosa para o contribuinte, mas não se pode esquecer que na “transação na cobrança” não pode ser concedido desconto sobre o montante principal do crédito, diante de expressa vedação legal (art. 11, § 2º, I) enquanto na “transação de baixo valor” não existe semelhante vedação legal.

Observe que a transação sempre será por adesão, com exceção da “transação na cobrança de créditos”, que admite a individual. A lei não estabelece quando deva ser admitida a individual, de modo que fica sujeita à conveniência e oportunidade da autoridade, seja por sua própria iniciativa ou por iniciativa do devedor. Tal modalidade foi disciplinada pela Portaria PGFN nº 6.757/2022, que permitiu quando: (i) débitos superem dez milhões de reais ou; (ii) débitos superiores a um milhão de reais, se estiverem suspensos por decisão judicial, garantidos por penhora, carta de fiança ou seguro garantia; (iii) devedores falidos, estejam em recuperação judicial, liquidação judicial ou extrajudicial; (iv) entes públicos ou empresas públicas federais. Importante dizer que ainda é cabível para (v) débitos superiores à um milhão de reais, mesmo sem garantia ou suspensão, mas nesse caso haverá a chamada transação individual simplificada, que é feita por iniciativa do devedor13.

Os débitos ainda não inscritos, administrados pela Receita Federal seguem, em geral, os mesmos moldes dos débitos inscritos.14

Ressalte-se que incumbe ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional o importante ato de disciplinar a aferição do grau de recuperabilidade e capacidade de pagamento do devedor (Capag), que influenciam na aceitação da transação individual, bem como na concessão dos descontos e benefícios concedidos. (art. 14, parágrafo único, Lei nº 13.988/2020).

A possibilidade de uso de precatórios para pagamento foi expressamente incluída pela Lei nº 14.375/2022, que permitiu sua utilização para amortização tanto do principal, como dos juros e multa (art. 11, V). Antes disso, era previsto apenas como garantia que poderia ser admitida, mas não como forma de amortização15. Resta saber se é possível o uso de precatórios adquiridos de terceiros ou se apenas seriam admitidos aqueles do próprio devedor.

  1. TRANSAÇÃO COM AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA MEDIANTE PRECATÓRIOS PRÓPRIOS E DE TERCEIROS

Como examinamos no tópico relativo à compensação, como regra geral, não existe lei que autorize compensação com uso de crédito de terceiros. O § 11 do art. 100 da CF/88, por inovação da Ec nº 113/2021, autoaplicável apenas para esfera federal, previu a possibilidade para pagamento de débitos parcelado ou inscrito, mas o STF considerou inconstitucional a aplicação irrestrita dessa medida, permitido ao ente federal definir os termos em que o encontro de contas pode ser realizado. Assim, não haveria mais autorização normativa, embora a questão ainda esteja em aberto, restando definir se continua permitida e a União pode editar lei restringindo ou se só poderia ser feita após editada lei autorizativa.

Especificamente no caso da transação, não está claro na Lei nº 13.988/2020 se seria possível o uso de precatório de terceiros. Como espécie de garantia somente podem ser utilizados os precatórios próprios, pois o § 6º do art. 11, fala que os créditos devem ser do próprio contribuinte, mas como forma de amortização o inc. V do art. 11 não faz essa restrição. Talvez porque naquele momento prevalecia o entendimento de que era possível, já que possibilidade de amortização adveio da Lei nº 14.375/2022 editada enquanto o STF ainda não havia reconhecido a inconstitucionalidade da Ec nº 113/2021 que expressamente previa a possibilidade compensação com precatório de terceiro e lhe conferia auto aplicabilidade.

O Decreto nº 11.249/2022, que regulamentava a parte da emenda considerada inconstitucional, continua inalterado após a decisão do STF. A Portaria RFB nº 247/2022 também não sofreu alteração, continuando a se referir à precatórios próprios ou de terceiros (art. 8º, VI). Diferentemente, desde outubro de 2023 (antes da decisão do STF) a Portaria PGFN nº 6.757/2022 já não se refere mais à tal possibilidade.

Assim, no presente momento o tema está no limbo, aguardando uma orientação normativa para o vácuo pós decisão do STF na ADI nº 7047.

  1. CONCLUSÃO

A utilização de precatórios adquiridos de terceiros para pagamento de dívidas tributárias, caso se entenda cabível a compensação, é importante instrumento de gestão do passivo, especialmente se considerarmos que a compra do precatório pode ser feita com deságio, o que diminui o valor que o empresário precisa pagar para quitar seu débito.

Como visto, o momento atual é de mudança e controvérsia e, a depender do caso, poderá ser questionado na via jurisdicional.

Seguimos entendendo que o uso de precatórios de terceiros para compensação de débito inscrito é possível, mas na prática pode enfrentar obstáculo. Esperamos que haja adequada compreensão do assunto, e que os direitos e garantias do contribuinte e os interesses da arrecadação tributária cheguem à um satisfatório equacionamento.


  1. RE nº 796.939, Pleno, 18/03/2023; ADI nº 4905. O dispositivo considerado inconstitucional foi o seguinte: Lei nº 9.430/96: Art. 74. § 17. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo. 

  2. AgInt no REsp 1.831.079.

  3. Art. 26. O valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições de que trata o art. 2ºdesa Lei será repassado ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social no máximo 2 (dois) dias úteis após a data em que ela for promovida de ofício ou em que for deferido o respectivo requerimento. Parágrafo único. O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não se aplica às contribuições sociais a que se refere o art. 2º desta Lei.

  4. STJ, REsp 1.164.452, 1ª Seção, 02/09/2010; REsp 887.063, 2ª T., 24/10/1996.

  5. Conforme também explicou o Min. Castro Meira no REsp. 887.063 “o direito superveniente não seria aplicável apenas nas instâncias especiais, em razão de não constar da causa de pedir e não terem sido objeto de debate nas instâncias ordinárias. Não se quis dizer com isso que a legislação superveniente à data da propositura da ação não seria prontamente aplicada, seja pelos magistrados de 1º e 2º graus, seja pela administração pública, mas tão-somente que esta Corte superior não poderia considera-la em razão da ausência do necessário prequestionamento, viabilizador do acesso às instâncias superiores”.

  6. Art. 73.  A restituição e o ressarcimento de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a restituição de pagamentos efetuados mediante DARF e GPS cuja receita não seja administrada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil será efetuada depois de verificada a ausência de débitos em nome do sujeito passivo credor perante a Fazenda Nacional. Parágrafo único.  Existindo débitos, não parcelados ou parcelados sem garantia, inclusive inscritos em Dívida Ativa da União, os créditos serão utilizados para quitação desses débitos, observado o seguinte

  7. RE nº 917.285 (Tese nº 874).

  8. Tese nº 874/STF: É inconstitucional, por afronta ao art. 146, III, b, da CF, a expressão ‘ou parcelados sem garantia’, constante do parágrafo único do art. 73 da Lei nº 9.430/96, incluído pela Lei nº 12.844/13, na medida em que retira os efeitos da suspensão da exigibilidade do crédito tributário prevista no CTN.

  9. Decreto nº 2.138/97.

  10. ADI 7047, rel. Min. Luiz Fux, 01/12/2023.

  11. Para empresas do Simples Nacional a possibilidade de descontos foi condicionada pelo art. 5º, II, a, da Lei nº 13.988/2020, à lei complementar autorizativa, que foi feita através da LC nº 174/2020.

  12. Vedação estava na redação original do inc. IV, do § 2º, do art. 11.

  13. art. 46, § 1º, Portaria PGFN 6.757/2022 (ato que regulamenta no âmbito da PGFN).

  14. Regulamentada pela Portaria RFB nº 247/2022.

  15. Os precatórios estavam incluídos nos “créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor da União, reconhecidos em decisão transitada em julgado”, do § 6º do art. 11.

Sobre o autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior

Procurador da Fazenda Nacional. Mestre em Direito. Professor de Direito Tributário. @ari_timoteo_junior

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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