RESUMO: Este trabalho procurou estudar acerca do chamado direito ao silêncio, previsto na Constituição Federal Brasileira, bem como em outras normas. É uma pesquisa bibliográfica, com explanação acerca de entendimentos jurisprudenciais. O problema estudado foi descrever acerca do direito do Réu, a diferenciação da teoria e da prática bem como a aplicação nos Tribunais. Em suma, o referido direito constitucional pode ser descrito como um meio de defesa assegurado ao acusado ou investigado. A faculdade de permanecer calado durante o depoimento e/ou oitiva é uma garantia a não autoincriminação do Réu, não sendo possível que seja utilizada em seu desfavor para o convencimento do juízo.
PALAVRAS-CHAVE: Direito ao silêncio; Interrogatório; Autoincriminação.
1 INTRODUÇÃO
Está presente na Constituição Federal Brasileira (1988) diversas normas que ditam estruturas básicas a vários regulamentos, entre eles o trâmite do Processo Penal. O objetivo dessas normas é promover a garantia de que a persecução penal em juízo seja executada de acordo com um elenco de direitos e garantias fundamentais que são próprias de um Estado Constitucional Democrático.
Dentre as garantias fundamentais previstas na Constituição Federal Brasileira, encontra-se a previsão do direito ao silêncio por parte do Réu (art. 5º, inciso 63 da Carta Magna Brasileira). Tal direito também é previsto no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, o Código de Processo Penal Brasileiro, mais precisamente em seu art. 186.
O direito ao silêncio pode ser interpretado como o direito de não se autoincriminar, garantido constitucionalmente a todas as pessoas, independente da qualidade, desde ser qualificado como testemunha ou investigado.
A garantia fundamental mencionada deve ser observada em todo procedimento de investigação/acusação pelo Estado, de forma que é obrigatório o repasse da informação ao investigado/acusado anteriormente a seu depoimento e/ou oitiva, sendo a sua ausência passível de anulação do procedimento. Deve ser esclarecido, ainda, acerca do silêncio não resultar em confissão e não ser interpretado em prejuízo à defesa. Assim, este não poderá constituir - unicamente – componente utilizado pelo Juiz para a formação de seu convencimento, seja favorável ou desfavorável.
Entende-se também que o direito ao silêncio repousa suas bases jurídicas no estado constitucional de inocência (art. 5º, LVII, CF), uma vez que desonera o indiciado/acusado quanto à produção de conteúdo probatório, sendo-lhe facultado manter-se como completo inativo processualmente.
Essa é uma garantia absoluta de acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, apenas não se aplicando na fase de qualificação do réu. Assim, incumbe ao acusado proceder com a descrição de suas informações pessoais, não sendo esses dados abrangidos pelo direito ao silêncio.
Apesar disso, esse ainda é um tema polêmico e que divide opiniões, mas que aos poucos, forma pacificação de entendimento. Uma das discussões acerca do tópico se baseia na divergência da possibilidade da garantia do réu de “não produzir prova contra si mesmo” abarcar também o “direito de mentir”. Nesse sentido, como fica a garantia da não autoincriminação? Quais os reflexos nas decisões judiciais? Como as instâncias inferiores encaram esse direito?
2 MATERIAL E MÉTODOS
Esse estudo foi realizado mediante pesquisas doutrinárias, aferição da legislação brasileira, bem como verificação de decisões judiciais acerca do tema.
Esse trabalho caracteriza como o tipo de pesquisa bibliográfica, onde segundo Gil (2010) “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.”
No estudo foi realizado o aprofundamento ao significado amplo da garantia constitucional do direito ao silêncio, sendo utilizado como fonte o entendimento de vários autores brasileiros sobre o assunto. Para o desenvolvimento do estudo foram utilizados como instrumento para entendimento prático decisões jurisprudenciais e suas repercussões no âmbito jurídico.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Sob a ótica do processual penal, o silêncio não é interpretado como “quem cala consente”, tampouco se entende como quaisquer situações de confissão ou admissibilidade de culpa.
Dispõe a Constituição Federal Brasileira, em seu art. 5º, § LXIII que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.
Dispõe ainda o Código Penal Brasileiro em seu artigo 186:
Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
Em resumo, o direito ao silêncio baseia-se numa espécie de intervenção passiva do acusado, utilizada ou não de forma estratégica, que pode ser caracterizada como uma manifestação defensiva não impugnativa dos fatos expostos pela acusação.
Trata-se, portanto, de uma estratégia de ausência de impugnação expressa das acusações, pois o Réu não é obrigado a responder a qualquer inquirição promovida pelo juiz, inclusive sob o manto de previsão constitucional (CF, art. 5º, LXIII), não podendo sofrer nenhuma delimitação por esta ser uma prerrogativa.
No discurso de Maria Elizabeth Queijo (2003), o supracitado princípio "tem sido considerado direito fundamental do cidadão e, mais especificamente, do acusado. Cuida-se do direito à não autoincriminação, que assegura esfera de liberdade ao indivíduo, oponível ao Estado, que não se resume ao direito ao silêncio".
Nesse sentido, menciona Aury Lopes Junior (2017) que:
O sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório.” Avança aludindo o professor que o “exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado.”
Vale ressaltar que não é apenas o direito interno brasileiro que dispõe acerca da garantia ao silêncio. Esta possui ainda amparo legal na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, inciso II, G), no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14, inciso III, g), dentre outras.
É importante mencionar ainda, que o direito constitucional ao silêncio não é garantia de permissão ao réu para faltar com a verdade. Os investigados têm o dever de não incorrer em sua autoincriminação. Entretanto, o princípio do “nemo tenetur se detegere” não forma possibilidade de conduta para que o acusado possa assumir um comportamento mentiroso.
4 DIREITO AO SILÊNCIO NO CURSO DO INQUÉRITO POLICIAL
Na produção de evidências para produção de um inquérito policial, a autoridade policial oportuniza que o indiciado relate a sua versão dos fatos, sendo irrelevante se o seu comparecimento seja por origem o convite para apresentação dos fatos ou se em caso de prisão em flagrante. Na referida oitiva, utiliza-se a autoridade policial de meios para a obtenção de indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do fato, ao questionar o investigado que, frequentemente, por falta de conhecimento, contribui com informações que prejudicam futuramente sua defesa.
Pode-se afirmar que o valor de prova do inquérito policial é relativo, haja vista que a produção de toda a matéria de prova existente não fora submetida à ampla defesa e ao contraditório, logo, sozinho ele não possui (em regra) força para sustentar uma sentença condenatória, entretanto, é inegável que uma melhor instrução desde o início contribui para que o investigado tenha uma sentença absolutória ou uma minoração de pena, no caso de sentença condenatória.
O direito constitucional ao silêncio possui abrangência em todas as etapas do sistema investigativo-acusatório, ocorrendo respaldo, portanto, inclusive no curso do inquérito policial. Deste modo, pode o indiciado, em sede de inquérito policial, utilizar-se do direito de permanecer calado.
Regularmente o acusado é advertido de seus direitos, bem como possui o suporte jurídico, mas é sabido que há situações em que essas medidas não são cumpridas, o que resulta em investigações irregulares e em casos de abuso de autoridade por parte do agente policial, estas passíveis de nulidade. Contudo, a respeito da nulidade no inquérito policial, pode-se acionar aos órgãos corregedores, mas seu vício não possui impacto no curso do processo penal, tendo em vista o caráter dispensável do procedimento investigativo.
Por esta razão não deve ser também considerada como absoluta eventual confissão feita pelo acusado, pois não são raros os acontecimentos de abusos cometidos por autoridades com o intuito de forçar um investigado a proceder com informações relevantes ao deslinde do caso em investigação. Em situações assim, deve o indiciado permanecer em silêncio e exigir a presença de defensor, que poderá fazer valer as garantias constitucionais e processuais penais inerentes ao caso.
4.1 A TESTEMUNHA PODE USAR O DIREITO AO SILÊNCIO?
Em relação a testemunha, o depoimento nessa modalidade compromete o depoente a responder às perguntas formuladas pela autoridade competente com a verdade. No caso da prova testemunhal, eventuais declarações falsas podem implicar em prisão. Há uma corrente que leciona que, embora o direito ao silêncio seja especialmente ligado a investigados e réus, as testemunhas podem utilizá-lo quando determinada declaração possa lhe causar prejuízo.
Dessa forma, incube ao depoente, diante das circunstâncias e do caso concreto, sobrepesar os questionamentos e verificar se seria ou não o caso de utilizar do aludido direito.
5 O INTERROGATÓRIO DO RÉU NO CURSO DO PROCESSO PENAL: MEIO DE DEFESA X MEIO DE PROVA
Além de caracterizar um meio de defesa, o interrogatório é utilizado ainda como meio de prova. A defesa do acusado poderá ser constituída através de outros atos processuais como a apresentação da defesa prévia e das alegações finais. Por outro lado, sendo o interrogatório um meio de prova, este poderá ser “dispensado” visto que prevalece no sistema brasileiro o princípio segundo o qual nenhuma pessoa é obrigada a constituir prova contra si.
O direito ao silêncio como processo de defesa do acusado é caracterizado como autodefesa negativa. Com efeito, a utilização da garantia fundamental parte do princípio da não autoincriminação, com o intuito de proteger o ato exclusivamente passivo do acusado. No que lhe concerne, o Réu não pode ser penalizado ou forçado a desenvolver provas que lhe são desfavoráveis.
Como o interrogatório é meio de prova e de defesa, deve a informação desse direito constar no termo de interrogatório, não bastando a forma escrita como também que a autoridade policial e/ou o magistrado informem oralmente ao acusado sobre a referida garantia constitucional, de forma aclarada e de maneira explícita para fácil entendimento do indivíduo.
Não se pode exigir que ninguém, por meio de qualquer autoridade particular, forneça involuntariamente alguma informação ou testemunho de uma prova incriminatória, seja essa material, oral, documental, dentre outras.
Entende-se, então, que o princípio constitui uma estratégia e meio de defesa garantida constitucionalmente, pois o acusado pode se favorecer em determinados pontos, bem como preservar-se da auto incriminação em seu depoimento, não sendo possível que o silêncio parcial ou total do acusado seja interpretado como confissão, visto que as decisões judiciais devem ser fundamentadas de forma expressa, justificada na análise das provas em conjunto, em harmonia à sistemática processual penal.
Inclusive o direito ao silêncio, se desobedecido, possui capacidade de gerar a nulidade absoluta do interrogatório. Em conformidade ao prejuízo causado à ampla defesa, poderá chegar à nulidade de todos os atos que dele sucedem, conforme o caso concreto.
Entretanto, vale ressaltar que o direito constitucional supramencionado não se materializa em uma oportunidade ao acusado de faltar com a verdade. O direito ao silêncio, que propõe uma espécie de proteção ao investigado de forma geral à possibilidade de autoincriminação, não permite e nem representa autorização para que o Réu assuma quaisquer comportamentos de salvo-conduto ou confronto com os demais direitos fundamentais existentes..
Um ponto importante a ser mencionado é que, no Estado Democrático de Direito, inexistem direitos fundamentais absolutos, já que existem diversos bens jurídicos igualmente importantes em todo o sistema jurídico e que a todos este é destinada proteção constitucional, ou seja, até os direitos fundamentais são passíveis de restrições.
Também é importante mencionar que o ordenamento jurídico brasileiro adota a Teoria Geral do Processo, que, há muito tempo, leciona em diversas disciplinas que a ninguém é permitido o beneficiar-se da próxima torpeza. Disso se conclui que o devido processo legal, tal qual os demais procedimentos e regimentos, devem ser regido pelos princípios da boa-fé.
Há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que orienta que o princípio constitucional da autodefesa não abrange aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o propósito de dissimular maus antecedentes, sendo, dessa maneira, típica a conduta praticada pelo agente (CP, art. 307). Vejamos, pois, o acórdão lavrado quando do julgamento do RE 640139/DF, 2011 (com repercussão geral reconhecida):
CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA IDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes. (STF, Pleno, RE 640139 RG/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 22/09/2011, p. DJe 14/10/2011)
O mesmo raciocínio é o do Superior Tribunal de Justiça, consoante se extrai do enunciado 522 da sua súmula de jurisprudência (Terceira Seção, j. 25/03/2015, p. DJe 06/04/2015): “Súmula 522 - A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.”
Dessa forma, a Constituição de 1988, ao incluir o direito ao silêncio como parte do direito à ampla defesa, garante a autodefesa passiva, isto é, a inexistência de um dever processual pertencente aos acusados de participar ativamente da elucidação dos fatos incriminadores.
Portanto, toda espécie de prova em desfavor do réu que dependa ativamente dele, apenas terá legitimidade se for apresentada de forma voluntária e consciente. O sistema judicial não permite coações (físicas ou morais), pressão, artificialismos e outras estratégias que tencionam obrigar alguém a declarar algo acusatório contra si próprio.
5.1 AUTOINCRIMINAÇÃO
O direito ao silêncio, nada mais é que o direito de não se autoincriminar, garantido constitucionalmente a todas as pessoas, independente da configuração, seja de investigado, seja de testemunha.
É sabido que os elementos de provas não se baseiam apenas na inquirição do acusado na instrução processual, sendo encargo da acusação apresentar demais elementos e do julgador explorar esse conjunto para prolatar uma decisão justa e com embasamento, à proporção que, não cabe ao Juiz decidir ou até impedir que o investigado tenha o direito de permanecer calado parcial ou totalmente no decurso do seu interrogatório.
Para Lopes Jr. (2017):
Direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, esculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo a qual o acusado não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando interrogado.
No mesmo caminho, Alberto Zacharias Toron (2018) destaca que o resguardo face à autoincriminação significa, de forma geral, "a afirmação de que a pessoa não está obrigada a produzir prova contra si mesma".
Sendo assim, forçar o acusado a agir contra essa natureza viola sua integridade mental e moral ou até física, se o meio for violento. Transgride a natureza humana e, dessa forma, a dignidade da pessoa humana, colocar alguém frente a disjuntivas desagradáveis, constituídas da possibilidade de dar origem a consequências negativas, seja por optar por manter-se em silêncio ou por declarar, e, neste caso, por se autoincriminar ou por mentir.
Logo, ao optar por permanecer em silêncio e não se autoincriminar, o réu estará agindo no exercício regular de um direito constitucionalmente garantido, assim, não poderá o magistrado negar este direto ao acusado tampouco imputar a prática de quaisquer delitos, como por exemplo o delito de desobediência, com fundamento no artigo 23, inciso III, do Código Penal.
Consoante clássico ensinamento de José Afonso da Silva (2006), citando José Frederico Marques, a garantia do processo legal significa a utilização:
De formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais.
6 DO DIREITO AO SILÊNCIO PARCIAL. HC 703978 (2022) E SUA REPERCUSSÃO NAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS NACIONAIS
O direito ao silêncio parcial baseia-se no direito de que o Réu responda apenas às perguntas da defesa, mantendo-se silente às perguntas formuladas pela acusação e pelo magistrado. Algumas vertentes defendem a possibilidade de que o investigado responda aos questionamentos da defesa e a algumas do Juiz, mantendo-se em silêncio no que se referem às perguntas formuladas pelo membro do Ministério Público.
Conforme citado, o interrogatório do Réu constitui meio de prova e de defesa, não sendo o acusado obrigado a produzir provas contra si mesmo. Dessa forma, se o acusado não é obrigado a produzir provas contra si mesmo, conclui-se, portanto, que é possível que este forneça somente questões relevantes para a sua defesa, estas levantadas pelo seu procurador.
Já o texto constitucional não é claro quanto ao exercício parcial do silêncio pelo Réu. Não há uma previsão legal acerca da possibilidade de optar por responder somente às perguntas formuladas pelo magistrado, pelo Ministério Público ou apenas pela defesa. Dessa forma, conforme entendimento atual, inexiste limitação constitucional ou infraconstitucional, de forma que o réu pode praticar seu direito de forma soberana, seletiva, não sendo permitido ao magistrado impedir que o investigado responda apenas as arguições de seu defensor, sob pena de nulidade do ato.
No sentido do já exposto, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a exemplo dos seguintes precedentes: HC 79.589/DF, HC 73.035/DF, HC 79.244/DF, HC 101.909/MG e HC 79.812/SP.
A jurisprudência recente do STJ, no HC 703.978/SC (2022) disciplina:
HABEAS CORPUS. PRIMEIRA FASE DO JÚRI. NULIDADE DO INTERROGATÓRIO. RECUSA DE RESPONDER PERGUNTAS AO JUÍZO. CERCEADO QUESTIONAMENTOS DEFENSIVOS. ILEGALIDADE CONSTATADA. 1. O artigo 186 do CPP estipula que, depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas 2. O interrogatório, como meio de defesa, implica ao imputado a possibilidade de responder a todas, nenhuma ou a apenas algumas perguntas direcionadas ao acusado, que tem direito de poder escolher a estratégia que melhor lhe aprouver à sua defesa. 3. Verifica-se a ilegalidade diante do precoce encerramento do interrogatório do paciente, após manifestação do desejo de não responder às perguntas do juízo condutor do processo, senão do seu advogado, sendo excluída a possibilidade de ser questionado pelo seu defensor técnico. 4. Concessão do habeas corpus. Cassação da sentença de pronúncia, a fim de que seja realizado novo interrogatório do paciente na Ação Penal n. 5011269-74.202.8.24.0011/SC, oportunidade na qual deve ser-lhe assegurado o direito ao silêncio (total ou parcial), respondendo às perguntas de sua defesa técnica, e exercendo diretamente a ampla defesa. (6ª Turma, Julgamento 05/04/2022, Min. Olindo Menezes -Des. Convocado do TRF1).
Em que pese o entendimento já adotado pelos Tribunais Superiores, existem juízos que ignoram esses precedentes ao impor sua própria regra e ao indeferir pedidos formulados de que o réu responda apenas às perguntas da defesa. Entretanto, embora polêmico, aumentam-se consideravelmente as situações em que os Tribunais Superiores apresentam entendimento pacificado acerca do tema. Assim acentua o Min. Sebastião Reis (2021):
Onde já se viu a quantidade de questões que nós temos que julgar aqui, porque os tribunais se recusam a aplicar os nossos entendimentos. Ao mesmo tempo, nós temos um sistema político que fica discutindo o tempo de prisão de 40 para 50 anos, eu não vejo uma discussão sobre ressocialização, eu não vejo uma discussão sobre prevenção de crimes, ou seja, eu só vejo discussão em criar novos crimes, aumentar pena, dificultar a progressão. [...] Dizer que essa política que adotamos ultimamente diminui a criminalidade? É brincadeira! Dizer que o comportamento de nós todos, ou seja, chamados atores do processo, está diminuindo a criminalidade? É brincadeira! (Julgamento da RHC 126.272/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti).
Conforme demonstrado, ainda existem casos em que a instância inferior se opõe a adotar o entendimento das instâncias superiores, recusa vista como entrave ao devido processo legal. Estas deliberações infringem claramente a extensão ética do processo penal de viés acusatório e democrático visto que o direito ao silêncio é tido como um grande progresso atingido pelo processo penal de Estados Democráticos de Direito.
Por conseguinte, cabe a defesa técnica do Réu arguir acerca do direito ao silêncio parcial, quando verificada e avaliada a necessidade, bem como ao depoente cabe a escolha dos limites ao exercício do aludido direito.
7 CONCLUSÃO
O direito ao silêncio é apenas uma das espécies do gênero autoincriminação. Além deste, existem outras garantias que fazem parte do devido processo legal como por exemplo o direito de não colaborar, seja com a investigação, seja com a instrução criminal, a faculdade de não declarar contra si próprio, o direito de não confessar, dentre outros.
O princípio ou garantia da não autoincriminação se traduz ao fato de que ninguém é obrigado a se autoincriminar, ou ainda a produzir prova contra si próprio – englobando o investigado, o réu e até a testemunha.
O direito ao silêncio é a expressão no processo penal das garantias de não autoincriminação e do estado constitucional de inocência, e que integra tanto a autodefesa do acusado/indiciado como as limitações de caráter probatório.
Outro fator importante está no fato que, em que pese a Constituição Federal testemunha ao preso o direito de permanecer calado, há a extensão prática da norma, onde o a garantia também é cabível a todos os imputados, sendo válida desde o primeiro contato pela autoridade policial, nas ocasiões de prisão em flagrante, e se estendendo até a oportunidade da instrução processual, já na presença do Juiz.
Em suma, o direito à não autoincriminação é considerado como uma garantia humana, fundamental e individual, de obediência indispensável no processo penal. Não se pode tolerar que o ser humano seja compelido a atuar face a sua própria vontade, o que, se ocorrido, infringe como um todo a integridade mental e moral do réu.
Em conclusão, não há o que se falar em limitações em permissividade de máculas ao exercício do supracitado direito fundamental, de forma que pertence ao investigado e à sua defesa compulsar por estes limites para uma melhor defesa técnica, eis que a garantia pode ser exercida de forma total ou parcial. Dessa forma, o direito de não produzir prova contra si próprio é um valioso avanço no Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
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