No Divórcio Extrajudicial é possível deixar a partilha de bens para ser resolvida depois? Quais os riscos disso?

06/03/2024 às 15:49
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A IDEIA NO DIVÓRCIO, seja ele judicial ou extrajudicial, via de regra será resolver todas as questões que ainda possam ligar os cônjuges. Ainda assim, não se desconhece que a Lei autoriza que o divórcio seja alcançado sem a partilha de bens. Em muitos casos a pressa em realizar o divórcio pode justificar a realização sem a divisão dos bens. Em outros, por não chegarem as partes a um consenso pode ser resolvido parcialmente o mérito sendo formalizado o divórcio mas relegando para as vias próprias a discussão sobre os bens. Fato é que mesmo sob a codificação anterior esse já era o entendimento, como explica o saudoso professor, jurista e ex-presidente do TJSP, Dr. YUSSEF SAID CAHALI em sua emblemática obra (SEPARAÇÕES CONJUGAIS E DIVÓRCIO. 2012):

"(...) Houve, em realidade, de imediato à edição da Lei 6.515/77, alguma controvérsia a respeito, mas paulatinamente foi se firmando nos tribunais de todas as instâncias o entendimento que havíamos manifestado desde o início, com a afirmação de que a prévia ou concomitante partilha dos bens não se colocava como CONDIÇÃO NECESSÁRIA na ação direta de divórcio, podendo ser relegada para 'juízo sucessivo de execução'. (...) Com efeito, na linha da jurisprudência que vinha se consolidando, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 197, enunciando que"o divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens."

O Novo Código Civil cristalizou esse entendimento no seu art. 1.581 que informa com clareza solar:

"Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens".

Não podemos deixar de recordar que lá nos primórdios da prática do DIVÓRCIO EXTRAJUDICIAL, ao arrepio da regra cristalina do Código Civil, havia entendimento aqui no Rio de Janeiro que quanto ao Divórcio Extrajudicial não seria possível a realização sem a prévia partilha de bens. Confira-se para interesses evidentemente históricos:

" TJRJ. 0334565-31.2008.8.19.0001. J. em: 03/12/2009. DUPLO GRAU. SERVICO REGISTRAL. CONSULTA. OFICIAL DO CARTORIO DO 12º. OFICIO DE NOTAS DO RIO DE JANEIRO. PEDIDO DE ORIENTACAO QUANTO AO REGISTRO DE ESCRITURA DE DIVÓRCIO CONSENSUAL COM ESTIPULACAO DE PARTILHA DOS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTANCIA DO CASAMENTO EM MOMENTO POSTERIOR. MODALIDADE EXTRAJUDICIAL DE DIVÓRCIO CONSENSUAL COM PREVISAO NO ARTIGO 1.124-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ACRESCENTADO PE LA LEI 11.441/2007. NOVA SISTEMATICA QUE PRESSUPOE O ACORDO DO CASAL SOBRE TODAS AS QUESTOES DECORRENTES DA RUPTURA DO VINCULO MATRIMONIAL, INCLUSIVE PARTILHA DE BENS COMUNS, EVITANDO, JUSTAMENTE, A NECESSIDADE DE INTERVENCAO JUDICIAL. POSSIBILIDADE DE DIVÓRCIO SEM PREVIA PARTILHA DE BENS, PREVISTA NO ATIGO 1.581 DO DIPLOMA CIVIL, QUE DEVE TER APLICACAO RESTRITA AOS DIVORCIOS NA MODALIDADE JUDICIAL, CABENDO NO DIVÓRCIO CONSENSUAL EXTRAJUDICIAL A OBSERVANCIA DO REGRAMENTO ESPECIAL EXISTENTE. REFORMADA A R. SENTENCA EM REEXAME NECESSARIO, PARA ORIENTAR O CONSULENTE A EXIGIR A FORMALIZACAO DA EFETIVA PARTILHA DE BENS COMUNS DO CASAL PARA LAVRATURA DA ESCRITURA PÚBLICA DE DIVÓRCIO CONSENSUAL, NOS TERMO DO ARTIGO 1.124-A DO C.P.C".

A questão está notoriamente superada, sendo plenamente possível hoje em dia a realização tanto do Divórcio Judicial quanto do Extrajudicial sem a prévia partilha de bens. É preciso observar que nessa condição a massa de bens permanecerá não resolvida/não partilhada, mas será esse um cenário vantajoso para as partes? Entendemos que não. Nos filiamos à corrente que enfatiza que a melhor solução será mesmo a realização da partilha dos bens comuns, todavia sem negar às partes a possibilidade de relegar para o futuro a realização da partilha, seja ela judicialmente ou extrajudicialmente.

Além do fato de efetivamente se ver livre do ex-cônjuge (e da necessidade de contatos futuros para resolver questões atreladas aos bens não divididos) uma grande e séria DESVANTAGEM da realização da partilha no futuro é justamente a possibilidade de perda desses bens para o ex-cônjuge que ficar com a posse dos mesmos, ou até mesmo para terceiros. Não se desconhece que a PRESCRIÇÃO poderá se operar também aqui sobre a massa de bens não partilhados pelo ex-casal, em seu duplo viés: prescrição extintiva da propriedade dos bens em desfavor de ambos e prescrição aquisitiva da propriedade dos mesmos bens em favor do adquirente (usucapiente). A doutrina especializada do ilustre professor ROLF MADALENO (Fraude no Direito de Família e Sucessões. 2021) esclarece:⁣

"(...) Uma vez dissolvido o Casamento, o direito à meação se converte em DIREITO DE CRÉDITO, sujeito às regras gerais das obrigações e, portanto, PRESCRITÍVEL, até porque a meação é um direito claramente DISPONÍVEL. (...) Sucedendo a separação de fato, de corpos ou a dissolução oficial do CASAMENTO ou da UNIÃO ESTÁVEL, a partir do fato que ocorreu em primeiro lugar, começam a contar o PRAZO PRESCRICIONAL e o RISCO DA PERDA da meação pela não realização da partilha no prazo máximo de DEZ ANOS para a prescrição, quando a lei não haja fixado prazo menor, conforme está regulado pelo artigo 205 do Código Civil".⁣

PORTANTO, passados dez anos da não realização da partilha, fulminado estará o direito, como alerta importante decisão do STJ:

" STJ. REsp: 1660947/TO. J. em: 05/11/2019. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. FAMÍLIA. DIVÓRCIO. PRETENSÃO DE PARTILHA DE BENS COMUNS APÓS 30 (TRINTA) ANOS DA SEPARAÇÃO DE FATO. PRESCRIÇÃO. REGRA DO ART. 197, I, DO CC/02. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. EQUIPARAÇÃO DOS EFEITOS DA SEPARAÇÃO JUDICIAL COM A DE FATO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. (...). 2. Na linha da doutrina especializada, razões de ordem moral ensejam o impedimento da fluência do curso do prazo prescricional na vigência da sociedade conjugal (art. 197, I, do CC/02), cuja finalidade consistiria na preservação da harmonia e da estabilidade do matrimônio. 3. Tanto a separação JUDICIAL (negócio jurídico), como a SEPARAÇÃO DE FATO (fato jurídico), comprovadas por prazo razoável, produzem o efeito de pôr termo aos deveres de coabitação, de fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens (elementos objetivos), e revelam a vontade de dar por encerrada a sociedade conjugal (elemento subjetivo). 3.1. Não subsistindo a finalidade de preservação da entidade familiar e do respectivo patrimônio comum, não há óbice em considerar passível de término a sociedade de fato e a sociedade conjugal. Por conseguinte, não há empecilho à fluência da PRESCRIÇÃO nas relações com tais coloridos jurídicos. 4. Por isso, a pretensão de PARTILHA DE BEM COMUM após mais de 30 (trinta) anos da separação de fato e da partilha amigável dos bens comuns do ex-casal está FULMINADA PELA PRESCRIÇÃO. 5. Recurso especial não provido".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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