Uma questão importante para aqueles que litigam diz respeito à extensão do efeito interruptivo oriundo do recurso de embargos de declaração.
O artigo 1.026 do Código de Processo Civil de 2015 assim preleciona:
“Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.”
De uma leitura literal, é possível extrair que o aludido recurso não ostenta efeito suspensivo e interrompe o prazo para a interposição de outro recurso. (1)
Uma observação merece ser feita. A aludida interrupção não abarca os próprios e sucessivos embargos de declaração em face da mesma decisão, direcionando-se apenas para as outras espécies recursais existentes no rol taxativo do artigo 994, do CPC.
O recurso de embargos de declaração é horizontal, a ser julgado pelo mesmo órgão prolator da decisão atacada, interrompendo somente o prazo para a interposição do recurso vertical, a ser julgado por órgão hierárquica ou numericamente superior. A interessante questão deve ficar para outro ensaio, sob pena de desbordar o cerne que ora se analisa.
Outra curiosa constatação nasce da leitura do dispositivo ao início colacionado. Com a entrada em vigor do CPC/15 os embargos de declaração não mais ostentam o efeito suspensivo que era previsto pelo revogado diploma processual.
Desse modo, o recurso estudado apenas carrega o efeito interruptivo, ou seja, interrompe o prazo de recurso para ambas as partes, em privilégio do tratamento isonômico.
Porém, o efeito suspensivo não desapareceu por completo em determinados casos que envolvem a interposição dos aclaratórios. Basta imaginar uma sentença que primeiramente é embargada (não se pode embargar e apelar ao mesmo tempo) antes de interposto o recurso se apelação.
A própria natureza da decisão embargada é suficiente para que ela seja incapaz de produzir qualquer efeito, característica precípua dos comandos sentenciais.
O simples cabimento de recurso com efeito suspensivo, ou melhor dizendo: estar a decisão embargada impossibilitada de produzir efeitos, interposto ou não o recurso adequado, como é o caso das sentenças que permanecem sem qualquer impacto fático até o trânsito em julgado.
Além disso, embargos de declaração não conhecidos ou desprovidos interrompem o prazo, via de regra, apenas os embargos intempestivos ou manifestamente incabíveis não são capazes de interromper o lapso para recurso. (2)
No que diz respeito à interrupção do termo para recorrer dos aclaratórios que questionam decisão de (in)admissibilidade dos recursos excepcionais proferida por presidente de tribunal de segundo grau, indica-se escrito do autor. (3)
A interrupção compreende o lapso temporal de interposição dos aclaratórios até a publicação do acórdão que os julgue, fluindo integralmente o prazo previsto para o posterior recurso cabível.
Caso haja a interposição de recurso durante o período de interrupção, este não poderá ser julgado inadmissível, ao passo que não devem haver prejuízos àquele que não usufruir de determinado benefício processual. (4)
Pois bem. Para ilustrar o cerne do presente escrito, colaciona-se interessante aresto do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n° 1.822.287/PR, que restou ementado da seguinte maneira:
RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTEMPESTIVIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO INTERRUPTIVO. DEFESA DO DEVEDOR. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Os embargos de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, não sendo possível conferir interpretação extensiva ao art. 1.026 do CPC/2015 a fim de estender o significado de recurso às defesas ajuizadas pelo executado.
2. Recurso especial a que se dá provimento para julgar intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença.
No caso concreto, um sujeito havia sido intimado em determinado procedimento de cumprimento de sentença para efetuar o pagamento do valor devido ou apresentar impugnação.
Ato contínuo, fora interposto o recurso de embargos de declaração alegando matérias eminentemente processuais.
Após o julgamento dos embargos pelo juízo singular, o prazo para impugnação ao cumprimento de sentença já havia se consumado, tendo o magistrado atestado a intempestividade da sua apresentação.
Irresignada, a parte prejudicada recorreu ao Tribunal local e sobreveio decisão no sentido de que a melhor interpretação do artigo 1.026 do CPC, mais precisamente do termo “recurso”, é no sentido de que a oposição dos embargos tem o condão de interromper não só o prazo para o recurso principal (vertical), bem como qualquer outra insurgência ou espécie de defesa a ser ofertada pelo interessado.
Esse entendimento foi acompanhado pelo voto vencido (no recurso especial acima elencado), prolatado pelo Ministro Raul Araújo, entendendo que a decisão embargada ainda não se revela completa, perfeita, podendo o magistrado complementá-la, perfectibilizando-a, razão pela qual merece permanecer inerte o prazo para manifestação, não só de eventual e posterior recurso principal (vertical), bem como qualquer manifestação de defesa oponível, como no caso concreto a impugnação ao cumprimento de sentença.
Abaixo algumas passagens do voto vencido:
“Vou pedir vênia ao eminente Relator e à douta maioria, pois entendo que o recurso de embargos de declaração é recurso horizontal, justamente para que o órgão prolator da decisão embargada possa complementá-la, em virtude de ter a parte embargante percebido alguma omissão, obscuridade ou contradição.
Tais vícios, impedem a perfeita compreensão do que determinado na decisão embargada, ficando, assim, a parte impossibilitada de dar o passo seguinte, seja com a apresentação de um outro recurso cabível, agora de ordem vertical, seja para efeito de cumprimento da própria decisão embargada. Do contrário, num contexto de normalidade, não teria manejado os embargos de declaração.
Entendo que a decisão da instância ordinária, sempre com a devida vênia da douta maioria, está perfeita, pois, antes de julgados os embargos de declaração pelo próprio órgão prolator da decisão embargada, não está essa completa. Ela só fica integrada, completa, portanto, com o julgamento dos embargos de declaração.
Não vejo como se possa exigir que a parte embargante, antes de proferido o julgamento dos embargos de declaração acerca de ponto omisso, contraditório ou obscuro, existente na decisão, possa já manejar sua manifestação, seja de defesa, seja de recurso vertical na sequência dos embargos de declaração. Por quê? Porque há uma incompletude a ser ainda colmatada com o julgamento dos embargos de declaração. Então, o ato judicial embargado só se perfectibiliza após o julgamento dos embargos de declaração.”
Interessante se revela o posicionamento exposto, em que pese o autor desse texto com ele, respeitosamente, não concordar.
Os embargos de declaração destinam-se, de fato, a completar e perfectibilizar determinada decisão judicial. Porém, o recurso pode nem chegar a ser conhecido, pode ser reputado protelatório, manifestamente inadmissível, intempestivo, bem como julgado improcedente, considerando-se “completa” a decisão embargada.
Os argumentos insculpidos no voto vencido pressupõem que o recurso seja conhecido e provido, fato que tende a não ocorrer quando se trata de embargos de declaração.
Nada impede que o recorrente alegue qualquer dos vícios autorizadores dos aclaratórios em recurso de apelação, não sendo aquele um recurso necessário e indispensável.
Desse modo, filio-me a posição adotada pela maioria, externada durante o julgamento, de que a oposição dos embargos de declaração apenas tem o condão de interromper o prazo para a interposição de posterior recurso, que obviamente não sejam novos embargos.
Outrossim, não se deve realizar a interpretação extensiva do dispositivo, ao início, mencionado em razão de o legislador ter sido cristalino. O termo “recurso” não dá margem à interpretação abrangente, sob pena de ofensa à norma federal, como restou reconhecido no caso em tela.
Os advogados devem ter o cuidado ao interpretar determinado dispositivo, pautando-se pela prudência e segurança, não sendo recomendado buscar ampliar a sua abrangência, quando o próprio direito de seu cliente pode ser prejudicado em decorrência dessa interpretação.
A técnica interpretativa não deve ser usada no caso, posto que a lei é clara ao afirmar que os embargos interromperão prazo para recurso, além do que os recursos são elencados taxativamente, conforme os ditames do artigo 994, do CPC.
Derradeiro exemplo elucidará a questão: antecipação dos efeitos da tutela requerida em petição inicial e concedida em determinada demanda, sem a oitiva do réu.
Citada a parte, eventual oposição de embargos de declaração destinados a atacar esse pronunciamento judicial interromperá o prazo para a interposição do recurso principal, qual seja o agravo de instrumento (artigo 1.015, inciso I, do CPC), mas o prazo para oferecimento de contestação da demanda fluirá sem qualquer fator interruptivo.
Portanto, a observância do entendimento exarado pelo STJ oferece segurança, coerência e previsibilidade na aplicação e interpretação dos dispositivos pertinentes, conferindo uniformidade ao sistema.
Desse modo e a título de conclusão, os operadores do direito, os magistrados e, principalmente, os advogados na defesa dos interesses dos seus clientes, na maioria das vezes leigos, devem ter a responsabilidade e o conhecimento do ora exposto, afim de se evitar irremediáveis prejuízos.
Assim, não se revela possível aplicar uma interpretação ampliativa ao artigo 1.026, do CPC, ao tempo que a interposição do recurso de embargos de declaração apenas tem o condão de interromper o prazo para futuro recurso, excluindo-se qualquer tipo de defesa da parte que não esteja prevista no rol taxativo do artigo 994, do mesmo diploma legal.
Acórdão 1815205, TJDFT, 00414812720078070001, Relator: ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 7/2/2024
MÁRIO MACHADO, Processo Civil – Processo de Conhecimento, Guerra Editora, 2011, p. 831/832
https://www.migalhas.com.br/depeso/386182/do-cabimento-dos-embargos-de-declaracao
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JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume V, 17ª ed., Forense, p. 564/565.