Ninguém abriu o Inventário e nisso já tem quinze anos que moro sozinha no imóvel da herança. Posso pedir Usucapião?

14/03/2024 às 16:14
Leia nesta página:

COMO SEMPRE DESTACAMOS AQUI, a Usucapião não se confunde com o Inventário. São institutos distintos mas que em comum visam a regularização de bens, sejam eles móveis ou imóveis. Enquanto no último há evidente transmissão derivada, no primeiro a transmissão é originária. As duas ferramentas hoje em dia podem ser "tranquilamente" aparelhadas nos Cartórios Extrajudiciais sem que haja necessidade de um Processo Judicial como acontecia até a edição das modificações legais que lhes dão base. Costumo citar "tranquilamente" entre muitas aspas pois não pode o leitor ser levado pelo ledo engano de achar que o simples fato de ser feito em Cartório é garantia de facilidade e celeridade, especialmente em se tratando de procedimentos complexos como Inventário e Usucapião. Não são todos os casos de Inventário e Usucapião que o Cartório terá envergadura suficiente para resolver, infelizmente.

Com muita frequencia nos deparamos com pedidos de regularização de imóveis através da Usucapião que inegavalmente é um excelente "remédio jurídico" para a "irregularização de imóveis" que acomete o Brasil. Estatísticas recentes apontam que mais de 40 (quarenta) milhões de imóveis no território nacional não possuem Escritura (e, consequentemente, registro) no Brasil. Não é fantasioso imaginar que muitos desses imóveis permanecem em tranquila irregularidade pelo fato de não ter sido regularizada a TRANSMISSÃO SUCESSÓRIA pela via do Inventário. A solução é clara para tais casos, nesse contexto: a realização do Inventário, que pode se dar tanto pela via judicial quanto pela via extrajudicial, quando preenchidos seus requisitos. Uma questão recorrente é: quando o imóvel é decorrente de uma transmissão sucessória não regularizada, ainda assim o ocupante (herdeiro ou não) pode regularizar o bem pela via da USUCAPIÃO?

Entendemos que SIM - há plena e real possibilidade de usucapir imóveis objeto de herança - porém, como todo caso imobiliário exige, o exame da documentação e do relato completo do caso é mandatório: a possibilidade de Usucapião sobre bens objeto de herança está solidamente pacificada na doutrina e na jurisprudência do STJ. O paradigmático precedente ( REsp 1.631.859/SP, j. em 22/05/2018) foi exarado pela insígne e brilhante Ministra Nancy Andrighi e a ementa é clara:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA. (...) 2. O propósito recursal é definir acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros. (...) 4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC/02). 5. A partir dessa transmissão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, como mesmo disposto no art. 1.791, parágrafo único, do CC/02. 6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão - o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem (...)"

Na espécie EXTRAORDINÁRIA da Usucapião o prazo de posse qualificada exercido sobre o imóvel é de quinze anos, porém caso o ocupante/pretendente comprove que fixou MORADIA nele o prazo é reduzido para apenas dez anos, como determina o art. 1.238 do CC:

"Art. 1.238. Aquele que, por QUINZE ANOS, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a DEZ ANOS se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo".

Não se pode perder de vista, entretanto, que a Usucapião não é instrumento que deve substituir o Inventário, todavia, não menos verdade é o fato de que se o manto da prescrição aquisitiva já tiver repousado sobre o contexto fático, preenchidas as condições necessárias para a ocorrência da USUCAPIÃO (ou seja, posse inequivocamente exclusiva, com"animus domini"pelo prazo determinado em Lei, sem qualquer oposição judicial ou extrajudicial dos demais interessados) o reconhecimento da Usucapião deverá ser medida imposta judicial ou extrajudicialmente como solução para o caso, resolvendo com isso a irregularidade do imóvel em favor do ocupante. Nesse mesmo sentido e com base inclusive nos precedentes do STJ, recente decisão do TJSE:

"TJSE. 00056996220218250034. J. em: 05/12/2022. Apelação Cível. Ação de USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. Herdeiros. Imóvel objeto de HERANÇA. Possibilidade de declaração da prescrição aquisitiva a um dos condôminos se houver posse exclusiva. Ao herdeiro é possível usucapir em nome próprio, desde que ele exerça a posse com exclusividade e efetivo animus domini, e desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. Precedentes do STJ. Sentença reformada. Comprovada a posse ininterrupta e exclusiva desde o ano de 2008 pelos requerentes, que utilizaram o imóvel para moradia desde então, sem que fosse intentada qualquer MEDIDA JUDICIAL ou EXTRAJUDICIAL para desalojar os possuidores, é de ser reconhecido o DIREITO AO USUCAPIÃO pretendido. Recurso conhecido e provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos