Não existe obrigação de reparar o dano na esfera administrativa

20/03/2024 às 23:20
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É comum que após o julgamento procedente do processo administrativo instaurado em decorrência da lavratura do auto de infração ambiental, o infrator seja notificado para pagar a multa, e reparar o dano ambiental (se houver). Entretanto, não existe obrigação de reparar o dano na esfera administrativa. Vamos explicar.

A Constituição Federal de 1988 prevê que as condutas e as atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, impondo ao Poder Público a obrigação de defender e preservar o meio ambiente, por meio de ações preventivas ou por ações repressivas (multa administrativa, embargos, apreensão, etc.).

Fazendo cumprir a previsão constitucional foi promulgada a Lei Federal 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, embora conhecida popular e imprecisamente por Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente, trata de maneira simultânea e em partes diferentes do seu texto, de infrações penais e infrações administrativas, ou seja, não é exclusivamente penal, aplicando-se, sobretudo, os Capítulos I, II e III à responsabilização administrativa, no que for compatível.

No campo das infrações administrativas, o legislador apenas estabeleceu condutas genéricas consideradas ilegais, bem como o rol e limites das sanções previstas, de modo que, a especificação de cada infração administrativa foi regulamentada pelo Decreto 6.514 de 22 de julho de 2008.

De forma legalmente adequada, embora genérica, o art. 70 da Lei 9.605/98 prevê, como infração administrativa ambiental, “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”, e estabelece no art. 72 um rol taxativo para a imposição de sanções e a aplicação de medidas administrativas cautelares, tais como:

  1. advertência;

  2. multa simples;

  3. multa diária;

  4. apreensão dos animais produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos, veículos e embarcações de qualquer natureza utilizados na infração;

  5. destruição ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto;

  6. embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;

  7. demolição de obra;

  8. suspensão parcial ou total das atividades; e,

  9. restritiva de direitos.

Obrigação de reparar o dano na esfera administrativa não possui previsão legal

Sem grandes esforços, nota-se que não há sanção administrativa de obrigação de reparação do dano ambiental, mas sim, previsão no § 4º do art. 21 do Decreto 6.514/08 de que a prescrição da pretensão punitiva da administração não elide a obrigação de reparar o dano ambiental.

Ou seja, diante de uma infração administrativa ambiental cuja apuração esteja prescrita, caberá ao órgão ambiental, se legitimado, promover a competente ação civil para reparação do dano.

Já se a prescrição se consumar no curso do processo administrativo, este deverá ser arquivado, não sendo possível a imposição de qualquer penalidade de recuperação ou restauração do meio ambiente, porquanto a esfera administrativa é dotada de natureza sancionatória. Neste caso, também caberia ao órgão ambiental propor a competente ação reparatória na esfera cível.

Como se vê, não há específica sanção administrativa de recuperar ou restaurar o meio ambiente, até porque, o art. 126 do Decreto 6.514/08 dispõe tão somente que, julgado o auto de infração, o autuado será notificado por via postal com aviso de recebimento ou outro meio válido que assegure a certeza de sua ciência para pagar a multa no prazo de cinco dias, a partir do recebimento da notificação, ou para apresentar recurso, o qual, se houver, será julgado pela autoridade superior responsável que pode confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida. Logo, deve restringir-se exclusivamente as sanções administrativas previstas em lei.

É claro que a multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente como prevê o Decreto 6.514/08, pois prevista na própria lei que regulamenta, ou seja, a conversão está autorizada por lei.

Por outro lado, é vedado à Administração Pública extrapolar os limites das normas legais regulamentadas, sendo incabível a criação de situações com imposição de reparar o dano, as quais não previstas na norma hierarquicamente superior, até porque, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II, Constituição Federal).

Decreto não pode prever obrigação de reparar o dano

Com efeito, o regulamento serve apenas para a fiel execução da lei e não pode impor nem restringir direitos, da mesma forma que não pode gerar novos direitos ou obrigações que a lei não criou, ampliou o alterou. Portanto, se o ato regulamentar vai além do conteúdo da lei, pratica ilegalidade.

E mais. O decreto regulamentar é ato normativo secundário, de modo que deve ser antecedido de lei prévia, que lhe dá o fundamento de sua validade. Suas disposições não podem ir além do que a lei permita, nem contra esta, sob pena de violação ao princípio da reserva legal e da separação dos poderes.

De igual forma, portarias e resoluções expedidas pelo Poder Executivo, não se prestam ao preenchimento de lacunas e omissões da lei, e assim, não podem acrescentar conteúdo material à norma regulamentada, devendo restringir-se ao fim de facilitar a aplicação e execução da lei que disciplina a matéria, visto que a definição de infrações e a cominação de penalidades, após a vigência da Constituição Federal, somente podem decorrer de lei em sentido formal.

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Reparação do dano somente é possível na esfera cível

Com efeito, a obrigação de reparar o dano ambiental é eminentemente civil, pois se trata de direito patrimonial, e não pode ser imposta em sede administrativa, até porque se assemelha a uma sanção não prevista no rol do art. 72 da Lei 9.605/08, o que viola o princípio da legalidade.

Repise-se, o art. 225 da Constituição Federal impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, dispondo que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

O comando é claro: as sanções administrativas são impostas aos infratores por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente - condutas e atividades praticadas pelos infratores. Ou, em outras palavras ainda, as sanções são aplicadas a quem, pessoalmente ou por pessoa a si ligada, pratica a conduta vedada na lei ou no regulamento.

Desse modo, não se pode confundir a responsabilidade pela infração administrativa, que é pessoal e imposta nos termos descritos na lei, com a responsabilidade pela recomposição, restauração ou reparação do dano, cuja natureza é sabidamente objetiva e decorre da propriedade ou da atividade desenvolvida.

Em resumo, a responsabilidade administrativa tem caráter repressivo, estando intimamente relacionada à noção de reprovabilidade da conduta, isto é, à culpabilidade do pretenso infrator. De forma oposta, a responsabilização na esfera civil é a que possui o caráter reparatório. Daí porque não cabe à autoridade administrativa impor qualquer obrigação de reparar o dano.

Conclusão

O que buscamos esclarecer é que para que uma medida sancionatória seja aplicada administrativamente, precisará cumprir requisitos básicos, dentro os quais, o devido processo legal[1], e expressa previsão legal[2], isto é, a reparação de dano não possui previsão na Lei 9.605/98, nem mesmo no regulamento expressado através do Decreto 6.514/08, de modo que a parte autuada não pode cumprir uma obrigação que nada mais de que uma medida sancionatória sem previsão legal.

Diante disso, concluímos que a decisão administrativa que impõe cumulativamente a penalidade de multa pecuniária e a obrigação de reparação dos danos ambientais viola o princípio da legalidade, porquanto somente aquela é prevista em lei, cuja natureza é sancionatória, enquanto esta é subjetivamente mais abrangente, somente podendo ser cobrada na esfera cível, ou através de termos de compromisso ou de ajustamento de conduta.

[1] A reparação de dano ambiental enquanto sanção administrativa só pode ser imposta após de transcurso do devido processo dentro dos contornos balizados pela legalidade, vindo a ser comprovado a nexo direto e pessoal entre agente e o dano.

[2] Não há no ordenamento jurídico que versa sobre questões de responsabilidade administrativa ambiental enquanto normas gerais a figura da reparação como medida fora do cunho sancionador.

Fonte: https://advambiental.com.br/artigo/nao-existe-obrigacao-de-reparar-o-dano-na-esfera-administrativa/

Sobre o autor
Cláudio Farenzena

Escritório de Advocacia especializado e com atuação exclusiva em Direito Ambiental, nas esferas administrativa, cível e penal. Telefone e Whatsapp Business +55 (48) 3211-8488. E-mail: [email protected].

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