A apreciação de ato administrativo pelo Poder Judiciário não implica invasão à seara administrativa se a análise versa sobre possíveis ilegalidades havidas na instauração de processo administrativo para apurar a prática de infração ambiental.
É que diante do princípio constitucional da garantia de acesso à Justiça, o esgotamento da via administrativa não é requisito para o ajuizamento de ação anulatória de auto de infração ambiental.
O interesse de agir emerge do trinômio necessidade, utilidade e adequação, o que significa dizer que a ausência de requerimento prévio ou esgotamento da via administrativa não são suficientes para afastar o interesse de agir da autora.
A necessidade surge quando há uma pretensão resistida, tornando indispensável a atuação jurisdicional para a solução do conflito. Além de que deve ser útil para remediar ou prevenir o mal alegado pelo autor. A adequação traduz-se na capacidade da tutela jurisdicional requerida de solucionar a situação exposta pela parte em sua petição inicial.
Isso se justifica pela aplicação do princípio da inafastabilidade da jurisdição ou acesso à justiça, o qual consagra o direito da parte de submeter qualquer questão à análise do poder judiciário, nos termos do artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Sendo assim, o esgotamento da via administrativa não é necessário para que ao jurisdicionado seja franqueado o acesso à ordem jurídica.
Dito de outra forma, não é necessário apresentar defesa ou recurso tampouco aguardar o seu julgamento, caso apresentado, para que o autuado submeta a legalidade do auto de infração ambiental à apreciação judicial.
O que diz a doutrina
O esgotamento da via administrativa ou ausência de requerimento prévio indeferido não pode impedir que o interessado solicite a prestação de tutela jurisdicional, porquanto esta é uma garantia constitucional (artigo 5º, XXXV, da CF).
Nesse sentido, é a lição do Mestre Humberto Theodoro Júnior1:
“Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade, como adverte Allorio. Essa necessidade se encontra naquela situação que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o direito de que nos afirmamos titulares). Vale dizer: o processo jamais será utilizável como simples instrumento de indagação ou consulta acadêmica. Só o dano ou o perigo de dano jurídico, representado pela efetiva existência de uma lide, é que autoriza o exercício do direito de ação.
E ainda:
“O interesse processual, a um só tempo, haverá de traduzir-se numa relação de necessidade e também de adequação do provimento postulado, diante do conflito de direito material trazido à solução judicial. Mesmo que a parte esteja na iminência de sofrer um dano em seu interesse material, não se pode dizer que exista o interesse processual, se aquilo que se reclama do órgão judicial não será útil juridicamente para evitar a temida lesão. É preciso sempre que o pedido apresentado ao juiz traduza formulação adequada à satisfação do interesse contrariado, não atendido, ou tornado incerto.”
Observa-se, pois, que para a necessidade da prestação jurisdicional se reclama a existência do interesse em três vertentes (necessidade, adequação e utilidade).
Não se revela necessário o exaurimento da via administrativa para fins de submissão da controvérsia ao Poder Judiciário, diante da garantia constitucional prevista no art. 5º , XXXV, da Constituição Federal.
Conclusão
Em suma, não é possível a obtenção do bem da vida sem o concurso da Jurisdição. E, por outro, o meio judicial é o melhor ou mais apto para alcançar a pretensão.
Além disso, a ação judicial deve ser útil para remediar ou prevenir o mal alegado pelo administrado que figura parte em um processo administrativo de apuração de infração ambiental.
Sendo assim, o administrado autuado possui interesse em ajuizar ação visando declarar a nulidade do auto de infração ambiental independente de ter esgotado a esfera administrativa ou ter apresentado defesa ou requerimento no mesmo sentido da ação judicial.
Isso porque, a ação na maioria das vezes é o meio adequado para comprovar que o autuado não figura como legítimo responsável pela infração ambiental que resultou na imposição de penalidades de multas ambientais, embargos, suspensão, etc.
Isso, sobre quando o auto de infração ambiental será julgado pelo mesmo órgão que o lavrou, e as sanções cautelares aplicadas não permitem aguardar o encerramento do processo administrativo.
Pontua-se, ainda, que o processo judicial possibilita às partes comprovar os fatos alegados por meio de todas as provas admitidas em direito, tais como o depoimento de testemunhas colhido em audiência de instrução em julgamento designada para tanto.
Assim sendo, conclui-se que o simples fato de que o autuado não se manifestar ou não esgotar a seara administrativa sobre o auto de infração ambiental lavrado contra si, não impede o ajuizamento da ação anulatória.
Notas
1 Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 66-67.