Resumo: O presente artigo abordo maneiras abrangente das costas raciais, contextualizando a importância as ações afirmativas de promoção a inclusão e igualdade na sociedade brasileira. Destaca-se ainda, a Lei de Cotas – nº 12.711/2012 com marco na luta pela igualdade e acesso ao Ensino Superior, assim como a Lei nº 12.990/2014 que reserva dos cargos públicos 20% para pessoas autodeclaradas negras, pardas ou indígenas. Aborda também a análise histórica e revoluções legislativas, e os debates sobre as políticas públicas adotadas, desde a Constituição de 1988 até as decisões do Supremo Tribunal Federal. Contextualiza o sobre o princípio da igualdade e o reflexo das cotas na sociedade com diferentes perspectivas e argumentos evidenciando a complexidade do tema.
Palavras-chave: Cotas Raciais; Igualdade Formal e Material; Ensino Superior; Ações Afirmativas.
1. INTRODUÇÃO
As cotas raciais representam um esforço fundamental para promover a inclusão da população negra nas universidades públicas e nos cargos públicos, estabelecendo um sistema que busca equidade e visa a emergir a isonomia entre todos os cidadãos. Elas surgem como resposta a um racismo estrutural enraizado em séculos de escravidão no país, cujos resquícios ainda se manifestam no repugnante preconceito baseado na cor e na raça.
A Lei das Cotas (LEI Nº 12.711/2012) no Brasil representa importante na luta pela equidade no acesso à Educação Superior. Sua aprovação em agosto de 2012, após uma década de debates, reflete um descompromisso com as políticas afirmativas, pelo desleixo. Essa medida visa garantir o papel do Estado em fornecer e promover o acesso às universidades, centros educacionais e institutos federais, reservando 50% das vagas para alunos que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, conforme estipulado no art. 3º in verbis:
Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Grifo meu
No setor público, faça saber que a edição de uma norma garantidora de acesso a cargos públicos por pessoa autodeclarada negra se deu em 2014 na LEI Nº 12.990/2014 reservando 20% dos cargos.
Embora tenhamos testemunhado revoluções históricas com a adoção de cotas raciais, é lamentável constatar que o próprio Estado tem sido hesitante na adoção de políticas voltadas para a inclusão. No entanto, observar que, na ausência de políticas efetivas a nível federal, os Estados Federativos começaram a tomar medidas para modificar esse cenário, refletindo um movimento determinado para progredir em direção aos seus objetivos constitucionais. Essa iniciativa demonstra um compromisso renovado em enfrentar as disparidade social.
O Estado do Rio de Janeiro foi o pioneiro na adequação, conforme a Servidora Aposentada da Câmera de Deputados. “(...)adoção de cotas raciais para o ingresso em Ipes, conforme demonstrado no quadro 1 o rol da legislação, a competência, os atos normativos internos, seu percentual e sua duração.” (FERNANDES, 2011, p. 9).
2. HISTÓRICO E REVOLUÇÕES
Embora tenha sido estabelecidos diversos instrumentos para buscar solucionar as desigualdades, é inegável que muitos acontecimentos foram necessários para alcançar à igualdade material, que deveria ser a base de nossa sociedade. A Constituição de 1988, por exemplo, estabelece entre seus objetivos fundamentais o princípio da igualdade, conforme delineado no art. 3º, inciso IV, destacando assim a importância dessa meta para a construção de uma sociedade igualitária.
Um dos acontecimentos históricos, foi a conferência de Durban cidade da África do Sul, conforme a Pesquisadora e Psicóloga, GUARNIERI
(...)Trata-se da III Conferência contra Xenofobia e Discriminação, sediada nessa cidade. O evento contou com a participação de representantes do movimento negro brasileiro, que denunciaram ao mundo os efeitos perniciosos do “racismo à brasileira” que, apesar de parecer silencioso, estaria bastante vivo nos discursos que naturalizam a marginalidade e desigualdade de oportunidades entre brancos e negros desde os tempos da escravidão (GUARNIERI; SILVA, 2017, p. 183).
Posteriormente, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, implementou o programa de Cotas Brasileiro um passo significativo na busca por equidade. Esse programa inspirou outras instituições e universidade a adoção do mesmo sistema de cotas em seus processos seletivos, com objetivo de reduzir a desigualdade e promover uma sociedade inclusiva.
Ademais, após acontecimentos, em um momento significativo, o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADPF1 186, rejeitou os argumentos apresentados pelo Partido Democrata que questionavam as ações afirmativas e os processos de seleção da Universidade de Brasília (UnB)2 em relação aos candidatos ao ingresso na instituição. No voto proferido pelo relator, Ministro Ricardo Lewandowski, foi enfatizado:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205, 206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (...) Não basta, pois, como já adiantei acima, que as políticas de reserva de vagas sejam constitucionais sob o ponto de vista da nobreza de suas intenções. É preciso também que elas, além de limitadas no tempo, respeitem a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins colimados, em especial que sejam pautadas pela razoabilidade. As experiências submetidas ao crivo desta Suprema Corte têm como propósito a correção de desigualdades sociais, historicamente determinadas, bem como a promoção da diversidade cultural na comunidade acadêmica e científica. No caso da Universidade de Brasília, a reserva de 20% de suas vagas para estudantes negros e de “um pequeno número” delas para “índios de todos os Estados brasileiros”, pelo prazo de 10 anos, constitui providência adequada e proporcional ao atingimento dos mencionados desideratos. Dito de outro modo, a política de ação afirmativa adotada pela UnB não se mostra desproporcional ou irrazoável, afigurando-se, também sob esse ângulo, compatível com os valores e princípios da Constituição.
(ADPF 186-2009, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Acórdão, julgado em 26/04/2012, DJE 20/10/2014) grifo meu
Cumpre destacar a resistência de certos partidos políticos em relação às ações afirmativas, especialmente em um contexto em que o legislativo parece estar inerte na promoção de políticas públicas relacionadas às cotas. Essa oposição ressalta a necessidade urgente de se abordar as disparidades e injustiças existentes na sociedade, especialmente em áreas como educação
2.1. Princípio da igualdade
Com certeza, a desigualdade é algo bastante complexo, com origens profundas e diversas ao longo da história. É evidente que ao longo dos tempos, ela tem sido um problema, alimentado por várias formas de discriminação em características como sexo, cor, raça e até condições físicas ou mentais.
Entretanto, é possível reconhecer que o Estado desempenha um papel significativo na criação e perpetuação da desigualdade. As políticas e normas criadas pelo Estado muitas vezes favorecem grupos privilegiados, enquanto marginalizam e oprimem outros. Isso pode ser observado em diversas sociedades, onde leis discriminatórias são implementadas para manter o status quo e proteger os interesses da elite dominante.
A referência à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, após a Segunda Guerra, é pertinente, pois representa na luta contra a desigualdade e a discriminação. Ao consagrar que toda humanidade deve desfrutar dos mesmos direitos e liberdades, independentemente de sua raça, cor, sexo, religião ou qualquer outra característica, a DUDH estabeleceu um padrão internacional para a igualdade e a justiça.
No entanto, mesmo com o avanço do direito positivado e a disseminação dos princípios da igualdade formal, muitas nações, incluindo o Brasil, continuam a enfrentar desafios significativos na concretização da igualdade. A igualdade formal é fundamental para garantir a dignidade de todos os seres humanos, mas sua implementação efetiva requer não apenas leis e regulamentações, mas também uma mudança cultural e social mais ampla.
E crucial que todos os setores da sociedade, incluindo o governo, a sociedade civil e o setor privado, se comprometam a combater a desigualdade em todas as suas formas e a promover um ambiente onde todos tenham igualdade de oportunidades e acesso a seus direitos. Somente através de esforços colaborativos e contínuos podemos esperar alcançar uma Igualdade material ou a verdadeira justiça para todos.
2.2. Reflexo das cotas nas sociedades
E inevitável que as cotas raciais trouxeram grandes avanços na busca de uma sociedade mais justa e igualitária, a luz dos preceitos da Constituição de 88 no art. 5º. Entretanto, apesar dos avanços trazidos pela Leis de Cotas, linhas de raciocínios foram tomadas e desfavor, o Pensador Morgan Freeman em umas de suas entrevistas disse: “para o racismo deixar de existir é só parar de falar nele.” Esse argumento tomou força principalmente aqueles que discordavam a parti de seu ponto de vista e por sua particularidade privilegiada.
Na mesma linha, contra as cotas, AGUIAR argumentava que para combater o racismo estrutural não deveria se por ações afirmativas em seu artigo se refuta o seguinte:
“Com a adoção das cotas sociais pelas universidades, percebe-se que há uma institucionalização do racismo, pois, por não haver nenhuma diferença física ou intelectual entre os negros e o resto da população brasileira que justifique um tratamento diferenciado, o que deve ser combatido é o preconceito.” (AGUIAR).
Vale ressaltar, que argumentos como esses se perpetuam ainda na atualidade, mesmo que a necessidade de ações afirmativas tenha sido exaustivamente demonstrada, devido às múltiplas injustiças ocorridas ao longo da história da nação brasileira. É imperativo entender que a simples argumentação de inexistência de raça possa servir como justificava de evitar a implementação de medidas que visam corrigir a desigualdades enraizadas.
Embora, parte do raciocínio desprende de uma justificativa plausível, AGUIAR, argumenta ainda mais, sobre a desigualdade socioeconômica, e que as políticas não deveriam recair em segregar brancos e negros e, sim facilitar o ingresso daqueles que possuem menos condições financeiras.
Entretando, não vislumbro que a LEI 12.711/2012 foi omissa em declarar as cotas apenas para pretos, pardos ou indígenas, em seu parágrafo único estipula ainda dentro os 50% das vagas se destinam a famílias com renda igual ou inferior a 1 salário-mínimo per capita. Isso demostra uma abordagem inclusiva, considerando não apenas a questão racial, mas também socioeconômica, visando garantir oportunidades mais equitativas para todos os grupos.
3. CONCLUSÃO
Sem dúvida, o racismo continua sendo uma realidade na sociedade brasileira e em diversas partes do mundo. Há de se observar que em outros países como África, Canadá, Colômbia, Malásia, Nova Zelandia o fortalecimento de sistema de cotas raciais. Essas medidas não apenas reconhecem as cotas como um meio de reparar as desigualdades.
É importante reconhecer que o sistema de cotas de fato, é uma abordagem que visa a reparação de uma dívida histórica e redução de desigualdade. No entanto, entende que também pode ser uma divisor entre brancos e negros. Apesar desses aspectos contrastantes, medidas como essas é justificada, especialmente para promover a isonomia e atender as necessidades da sociedade de acordo com sua evolução.
Em síntese, enquanto a sociedade não se abster de atitudes racistas, e a igualdade não for reconhecida como valor fundamental, as ações afirmativas e as políticas públicas devem ser prevalecidas e é fundamental avaliar continuamente essas políticas garantindo que permaneça eficazes em meio às mudanças sociais e culturais.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, Institui as Costas Raciais, Diário Oficial da União, seção 1, Brasília, DF, ano 149, n. 169, p. 1-120, 30 de ago. 2012.
Guarnieri, Fernanda & Melo-Silva, Lucy. 2017. Cotas Universitárias no Brasil: Análise de uma década de produção científica. Psicologia Escolar e Educacional. 21. 183-193. 10.1590/2175-3539201702121100.
FERNANDES, Anamélia Lima Rocha (2011). Ausência de Políticas Públicas de Contas Raciais para ingresso em instituições públicas de ensino superior no Brasil. E-legis, Câmara dos Deputados, Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADPF – 186-2009. Rel.: Min. Mauricio Ricardo Lewandowski. julgado em 26/04/2012, DJE 20/10/2014.
ASCOM, Gabinete da Reitoria, Órgãos Colegiados (2022), UnB recria comissão de heteroidentificação para graduação. https://noticias.unb.br/76-institucional/5536-unb-recria-comissao-de-heteroidentificacao-para-graduacao
BRASIL, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 2018, Por que termos um “Dia da Consciência Negra”? Noemia Colonna dos Santos - Técnico Judiciário do TJDFT. https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2018/
AGUIAR, Lilian Bastos Ribas 2012, Ações afirmativas minimizam os efeitos do preconceito. https://www.conjur.com.br/2012-jun-26/lilian-aguiar-acoes-afirmativas-minimizam-efeitos-preconceito-racial/
Notas
Arguição de descumprimento de preceito fundamental, previsto no art. 102, §1º da CF.
A UnB foi a primeira universidade federal a adotar cotas raciais para o ingresso, em 2003. Há dez anos, pretos e pardos somavam 10.680 estudantes, de um total de 41.767. Hoje, somam 15.574 estudantes de um total de 42.929.