O grafite ou pichação na parede já defende algum direito?

13/03/2024 às 15:57
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Este é um verso de uma música emblemática de Sabotage e RZO que marcou o início dos anos 2000 denominada “Um Bom Lugar”.

Debate até hoje com a interrogativa “ Pixo é arte?”, vem-se por meio deste breve estudos apontar os desdobramentos e as concepções jurídicas para delimitar uma abordagem definitiva na questão que abarca liberdade de expressão, direito fundamental à cultura e ao fomento das inovações artísticas em contraposição justamente ao ilícito penal de dano (qualificado) ao patrimônio público e crime ambiental.

A obra artística representada pelo grafite é protegida pela Lei de Direitos Autorais segundo o Superior Tribunal de Justiça em REsp: 1746739 SP 2018/0136581-2[1]. O grafite é protegido legalmente e constitucionalmente (tácito) pela Carta magna, pois visto. Então a resposta para a questão formulada é sim, agora  e a pichação?

Ou seja, o ordenamento jurídico brasileiro adotou premissas distintas para concepções similares: um o Grafite outro a Pichação, sendo que ambos representam direito à liberdade de expressão e manifestação artística coletiva ou individual.

Consoante artigo 65 da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), estipula-se pena de detenção de 03 meses a 01 ano, e multa, para quem pichar ou por qualquer meio conspurcar edificação ou monumento urbano. Aqui foi normatizado o crime de pichação que pode estar em concurso com o de dano (vulgo vandalismo – antigo termo obsoleto) já mencionado e estabelecido no art. 163 do Código Penal e qualificado caso seja contra Ente ou entidade pública e correlatas.

Faz-se análise do seguinte entendimento jurisprudencial:

Crime de pichação de edificação urbana. Artigo 65 da Lei nº 9.605/65. Autoria e materialidade comprovadas. Ré detida no local da pichação com apetrechos para a efetivação do delito. Confissão dada na etapa policial, confirmada pelos elementos de informação produzidos em contraditório. Prova suficiente e séria para a condenação. Sentença condenatória mantida. Recurso desprovido.

(TJ-SP 00526467520168260050 São Paulo, Relator: Márcio Lucio Falavigna Sauandag, Data de Julgamento: 11/04/2019, 2ª Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: 11/04/2019)

 Verifica-se que não houve aplicação do Princípio da insignificância sendo que o bem jurídico protegido, de relevância social, e a múltipla e específica reincidência do réu no entendimento abaixo. Ademais, houve reparação do dano reconhecida em transação penal do corréu anterior à denúncia, salienta-se jurisprudência neste sentido do Tribunal de Justiça de São Paulo, vigorando o entendimento de que é possível ser reparado dependendo do momento e ademais podendo ser aplicável o princípio da insignificância, mesmo não tendo sido o caso concreto.

 PROCESSO PENAL - ARTIGO 65, "CAPUT", DA LEI Nº 9.605/98 – PICHAÇÃO - CONDUTA TÍPICA – MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS PELAS PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS – CONFISSÃO QUALIFICADA. DANO AMBIENTAL REPARADO. A confissão, ainda que qualificada, deve ser considerada para fins de fixação da pena aplica, ainda que proporcionalmente à luz da reincidência múltipla. Precedentes do STJ. Princípio da insignificância inaplicável, tendo em vista o bem jurídico protegido, de relevância social, e a múltipla e específica reincidência do réu. Reparação do dano reconhecida em transação penal do corréu anterior à denúncia. Causa de diminuição que deve ser aplicada. Sentença reformada. Recurso provido em parte.

(TJ-SP - APR: 15220015120208260050 SP 1522001-51.2020.8.26.0050, Relator: Fernando Henrique de Oliveira Biolcati, Data de Julgamento: 03/03/2023, 2ª Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: 03/03/2023)

 Ademais, quando não há realização de exame pericial direito ou indireto, e nem verificada sua justificação de omissão, há de ser aplicada a absolvição, nesse sentido destaca-se jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE PICHAÇÃO. ARTIGO 65 DA LEI N. 9.605/98. DELITO QUE DEIXA VESTÍGIOS. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAME PERICIAL DIRETO OU INDIRETO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO DE NÃO REALIZAÇÃO DO EXAME PARA QUE SE CONSIDEREM AS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. ABSOLVIÇÃO NO CASO CONCRETO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Mostra-se necessária a realização do exame pericial direto ou indireto para tipificação do crime de pichação, pois se trata de infração que deixa vestígios, podendo apenas ser suprido por outros meios de prova quando aquele não puder ser realizado, casos em que deve ser justificada a ausência de laudo por parte das instâncias ordinárias. 2. No caso concreto, diante da inexistência de laudo pericial direto ou indireto, bem como por não ter sido justificada a sua não realização, entendo ser hipótese de absolvição do recorrente do delito do art. 65 da Lei 9.605/98 ante a ausência de materialidade, mantidos os demais termos da condenação. 3. Recurso especial provido.

(STJ - REsp: 1771714 MG 2018/0266780-1, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 25/06/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/08/2019)

 A proposta da Autora do presente artigo seria a criação de espaços para manifestações artísticas livres sem efetiva rotulação ou vigência autorais para que os denominados coloquialmente pichadores tivessem onde expor suas manifestações artísticas e assim, aprenderiam a arte do grafite ou então só exerceriam a magnificente liberdade de expressão nas camadas das sociedades sem serem julgados e suas condutas criminalizadas ou consideradas ilícitos administrativos e cíveis.

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[1] STJ - REsp: 1746739 SP 2018/0136581-2, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 25/08/2020, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2020)

 

Sobre a autora
Greice Paula Miranda Serra

Advogada, Assessora jurídica, Pós-graduada em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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