Caixa Dois, Um Pecado Menor?

15/03/2024 às 06:59
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CAIXA DOIS UM PECADO MENOR?

O risco da banalização de determinadas condutas, é transformarmos o errado em algo “apenas diferente” , ou uma justificativa para sobrevivência do negócio.

De tanto ouvirmos a expressão “caixa dois”, acabamos por banalizar, logo é de se assustar que homens públicos repitam de forma incessante, que todo partido no Brasil tem caixa dois, e que empresas o fazem por sobrevivência.

Entender que caixa dois é algo normal, é o mesmo que dar como caso perdido o futuro do Brasil.

O uso do Caixa 2, a chamada omissão de receitas, o valor declarado é menor que o real, é crime de sonegação fiscal, conforme definido na Lei 8.137/1990:

"Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

 

Nesse caso ocorre o agravamento dos percentuais de multa de lançamento de ofício para (Lei nº 9.430, de 1996, art. 44, § 2º, com a redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997, art. 70, inciso I):

1.          112,5% nos casos de pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa de mora, falta de declaração e nos casos de declaração inexata;

2.          225% nos casos de evidente intuito de fraude, como definido na Lei nº 4.502, de 1964, arts. 71, 72 e 73, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.

Além de ser crime, penas de reclusão e pesadas multas, o Caixa 2, traz o completo descontrole às organizações e incentiva que as pessoas operadoras fraudem e desviem recursos, pois fragiliza os controles internos, deixando a organização vulnerável.

O maior parceiro do Caixa 2 é e sempre será a elevada carga tributária, que pela economia gerada, na realização de operações descobertas pelos documentos fiscais, acaba por compensar o risco, ou seja os fins justificam os meios, vale ao sonegador, isso no juízo pessoal do mesmo, correr o risco, por isso que assistimos muitas empresas espalhadas pelo Brasil utilizarem desse artifício com o objetivo de reduzir a carga tributária do negócio.

Quem pode determinar se houve ou não caixa dois, antes de uma perícia técnica contábil, pois os recursos podem ter sido declarados e contabilizados e não recolhidos os impostos, pode também não ter sido escriturados na contabilidade, porém, ter emitido as notas fiscais, com os conhecimentos do Fisco Federal e Estadual, logo para todas essas possibilidades não seria caixa dois.

São os lançamentos contábeis, sua forma ou a ausência dos mesmos que vão definir o crime, já que pode ser receitas declaradas sem recolhimento do imposto, ou não contabilizada, porém, com emissão de notas fiscais identificadas no SPED Contábil, Fiscal e na DIEF.

É evidente que estamos apenas, olhando para ponta do Iceberg, pois diante de todas as possibilidades existentes, o contribuinte, seja a empresa ou seus sócios,  não podem ser penalizados antes de uma apuração através de perícia contábil, haja vista que esses valores não podem ser considerados como resultado final de um crime definido em lei.

Que fique claro que como o próprio nome sugere, o caixa 2 indica um tipo de contabilidade paralela àquela que apura os tributos devidos pela empresa.
Os recursos existentes nele não aparecem na contabilidade oficial. Sendo assim, não são alcançados pelo fisco quando são fixadas as bases de cálculo de apuração dos impostos. Em outras palavras, implica dizer que os valores constantes do caixa 2 não são informados ao governo como uma receita que a empresa auferiu.

Como já se pronunciaram nossos tribunais a esse respeito, pois a omissão de receitas por prova direta ou presunções simples, encontra as seguintes manifestações:

1) RECEITAS OPERACIONAIS NÃO ESCRITURADAS – CUSTO. A falta de contabilização de receitas operacionais, devidamente comprovada em diligências efetuadas por ocasião do procedimento fiscal, implica no seu arrolamento para fins de tributação, não se cogitando dos custos correspondentes, os quais só poderão ser admitidos dentro de um regime regular de escrituração, efetuada com a observância das normas legais. (1º CC/5a.Câmara/ACORDÃO 10513.058 em 25.01.2000)

2) VALORES DEPOSITADOS EM CONTA DA EMPRESA – Procede a exigência de valores depositados em conta da empresa, quando esta devidamente intimada não logra demonstrar que não se originam de suas operações. 1º CC/8a. Câmara/ACÓRDÃO 108-06.271 EM 18.10.2000.

A omissão de receitas por presunção legal também encontra largo amparo em decisões, como a seguir:

1) PRESUNÇÃO JURIS TANTUM – OMISSÃO DE RECEITA – SALDO CREDOR DE CAIXA OCULTADO POR CHEQUES COMPENSADOS SEM LANÇAMENTO A CRÉDITO DA CONTA CAIXA – DESTINATÁRIOS – BENEFICIÁRIOS NÃO IDENTIFICADOS – EXIGÊNCIA FISCAL DECORRENTE – IMPROCEDÊNCIA. Os cheques omitidos e alocados a débito da conta caixa e posteriormente compensados sem destinação comprovada, porém como se naquela conta ativa lá permanecessem, deixa à mostra pelo menos três claros objetivos: 1) um véu tênue acobertador do saldo negativo de caixa por omissão de receita pretérita; 2) ingresso, não contabilizado, de recursos omitidos advenientes do caixa marginal com o objetivo de adimplir, supletivamente, obrigações inadiáveis contraídas; e 3) ao final, devolução ou ressarcimento, sob a forma de cheques compensados, ao caixa não-escriturado dos respectivos numerários anteriormente utilizados. 1º CC/7a. Câmara/ ACÓRDÃO 107-07380 em 16.10.2003.

Importante ainda destacar a previsão do RIR, no artigo 281 do Regulamento do Imposto sobre a Renda que estabelece:

Art. 281 – Caracteriza-se como omissão no registro de receita, ressalva ao contribuinte a prova da improcedência da presunção, a ocorrência das seguintes hipóteses (Decreto-lei 1.598, de 1977, art. 12, § 2º, e Lei 9.430, de 1996, art. 40):

I – a indicação na escrituração de saldo credor de caixa;

II – a falta de escrituração de pagamentos efetuados;

III – a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou cuja exigibilidade não seja comprovada.

É de se destacar que a LEI Nº 8.137, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1990. – Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento

V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Logo a aplicação desse conceito no âmbito empresarial é muito simples. Um gestor pode realizar um caixa 2 simplesmente vendendo produtos no seu estoque ou prestando serviços sem a emissão de notas fiscais. O recebimento pela venda ou pelo serviço prestado não aparecerá nos registros bancários e contábeis da empresa, afinal toda saída, tributada ou não, deve ser acompanhada de uma nota fiscal. Fica claro que além das sanções fiscais e judiciais que uma empresa que realiza caixa 2 pode sofrer, a prática dessa ferramenta ilegal gera uma série de problemas de gestão que pode levar uma empresa à falência.
Emitir notas fiscais é a principal ferramenta no combate ao caixa 2 nas empresas e à sonegação fiscal. Sem se esquecer que a prática do crime, com a justificativa da elevada carga tributária, pode estar escondendo um negócio que por seus números reais já seria inviável.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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