O Direito de Família, no ordenamento jurídico brasileiro, tem sua pedra angular na Constituição Federal de 1988, que alçou a família ao patamar de base da sociedade, merecedora de especial proteção do Estado. Desde então, os contornos desse ramo do direito vêm sendo constantemente redesenhados pelas mudanças sociais, pelos avanços legislativos e pelas interpretações judiciais, alinhados aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.
Observa-se que, no decorrer das últimas décadas, o conceito tradicional de família nuclear, composto pelo matrimonio indissolúvel, sofreu profundas transformações. As modificações legislativas têm acompanhado o reconhecimento de outras formas de entidade familiar, como as uniões estáveis e as famílias monoparentais, garantindo a essas configurações os direitos e proteções antes restritos ao matrimônio.
Dentre os marcos legais mais significativos, cita-se a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/1977), que rompeu com a indissolubilidade do casamento. Posteriormente, a Lei nº 8.971/1994 e a Lei nº 9.278/1996 regulamentaram, respectivamente, os direitos dos companheiros em uniões estáveis e as questões patrimoniais decorrentes dessas relações. Mais recentemente, a Lei nº 11.441/2007 permitiu a realização do divórcio e da separação consensuais por via administrativa, simplificando e desburocratizando esses processos.
As estatísticas recentes mostram um aumento no número de divórcios e uniões estáveis no Brasil. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país registrou um crescimento de 160% nos divórcios consensuais realizados em cartório entre os anos de 2007 e 2017. Este aumento sinaliza uma transformação na forma como a sociedade brasileira constrói e dissoluciona laços familiares, bem como a efetividade das medidas legais que visam facilitar esses processos.
A chegada da pandemia de COVID-19 impôs novos desafios às relações familiares e ao exercício do Direito de Família. Com a necessidade do isolamento social, muitas famílias se viram em situações de estresse exacerbado devido à convivência intensa e ininterrupta. Questões de guarda e visitação dos filhos se tornaram ainda mais complexas, tendo em vista as restrições de deslocamento e o risco à saúde pública.
Durante o período pandêmico, houve também uma mudança no perfil das demandas judiciais relativas ao Direito de Família. Foram registrados aumentos nos pedidos de revisão de pensão alimentícia, ante a perda de renda de muitos genitores, e na procura por acordos de divórcio e dissolução de união estável, fenômeno possivelmente motivado pela pressão do confinamento nas dinâmicas familiares.
Essas mudanças realçam a necessidade de uma prática jurídica adaptada e sensível aos novos contextos vividos pelas famílias. A atuação do Direito de Família não se restringe mais ao mero litígio em tribunais, mas também ao assessoramento para a tomada de decisões que afetem os arranjos familiares, sobretudo em um momento de crise sanitária sem precedentes.
Dessa forma, o Direito de Família brasileiro vem se mostrando um campo dinâmico, que responde às transformações sociais e aos desafios da contemporaneidade. A pandemia de COVID-19 apenas evidenciou e acelerou questões que já estavam em curso, exigindo dos profissionais do direito uma abordagem atualizada e multidisciplinar. Assim, ao explorar os principais desafios do Direito de Família na atualidade, este livro almeja contribuir para o entendimento e a adequada atuação frente às complexidades deste ramo jurídico tão essencial à organização social.
Alienação Parental: Aspectos Legais e Psicológicos
A alienação parental é um tema que se destaca pela sua relevância e complexidade dentro do Direito de Família brasileiro, mobilizando não apenas o ordenamento jurídico, mas também as áreas da saúde mental e das relações sociais. A Lei de Alienação Parental, Lei nº 12.318/2010, surge como um instrumento legal para prevenir e coibir práticas que possam induzir a ruptura dos vínculos afetivos entre a criança ou adolescente e um dos genitores, em contextos de litígio familiar, especialmente durante separações contenciosas.
De acordo com o artigo 2° da lei supracitada, considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudiem o outro genitor ou que causem prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. A lei estabelece, ainda, um rol exemplificativo de formas de manifestação da alienação parental, como a realização de campanha para desqualificar a conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade e a dificultação do exercício da autoridade parental.
A alienação parental é reconhecida, tanto no âmbito jurídico quanto no psicológico, como uma forma de abuso emocional que pode trazer graves consequências para o desenvolvimento psicossocial da criança ou adolescente. A dinâmica de alienação pode iniciar-se com pequenos atos, como comentários negativos sobre o outro genitor, evoluindo para atos mais graves, como a omissão de informações importantes sobre a vida dos filhos ou a obstrução de contato. Os efeitos dessa prática incluem a perda de referências afetivas e identitárias e o estabelecimento de falsas memórias, o que pode conduzir a distúrbios emocionais e de comportamento.
A jurisprudência brasileira tem se debruçado sobre inúmeros casos de alienação parental, buscando equacionar os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente com os princípios da convivência familiar saudável. As decisões judiciais têm variado conforme as particularidades de cada caso, mas frequentemente incluem medidas como a inversão da guarda, a imposição de multas, a determinação de acompanhamento psicológico e, em situações extremas, até a suspensão ou perda do poder familiar.
Em âmbito psicológico, a avaliação do impacto da alienação parental nas crianças e adolescentes requer uma abordagem cuidadosa e especializada. Os profissionais de saúde mental, como psicólogos e psiquiatras, são frequentemente convocados para realizar diagnósticos e elaborar relatórios que possam orientar a atuação judicial. Esses profissionais buscam identificar indicadores de alienação parental, como a manifestação de sentimentos de medo, hostilidade ou indiferença injustificada em relação ao genitor alienado.
Estudos psicológicos e trabalhos acadêmicos sobre o tema da alienação parental revelam que crianças e adolescentes vítimas dessa prática podem apresentar quadros de ansiedade, depressão, baixa autoestima e dificuldades de relacionamento interpessoal. A longo prazo, esses prejuízos podem repercutir em suas vidas adultas, afetando suas capacidades de estabelecer e manter relações afetivas estáveis e saudáveis.
Para combater a alienação parental e suas repercussões, é essencial que o sistema jurídico e os profissionais de saúde mental atuem de forma integrada. A aplicação da lei requer uma interpretação que considere o melhor interesse da criança e do adolescente, reconhecendo que cada família possui uma história e uma dinâmica única. Portanto, a imposição de medidas punitivas deve sempre ser ponderada com o objetivo maior de restaurar e preservar os laços afetivos, garantindo-se, assim, a reintegração familiar sempre que possível e o pleno desenvolvimento psicológico dos filhos.
Nas lides jurídicas que envolvem acusações de alienação parental, frequentemente observa-se a necessidade de provas robustas e de uma investigação criteriosa, evitando-se, assim, que injustiças sejam cometidas e que acusações infundadas de alienação parental sejam utilizadas como estratégia para ganho de vantagem em disputas pela guarda dos filhos. A determinação judicial para a realização de perícia técnica especializada é um passo fundamental no processo de verificação e tratamento da alienação parental. Nessa avaliação, a observação do comportamento da criança ou adolescente em diferentes contextos, bem como entrevistas e testes psicológicos, são empregados para entender a natureza das relações familiares e o possível dano emocional sofrido.
Por fim, a eficácia das medidas judiciais depende, em grande parte, da qualidade das intervenções psicoterapêuticas. As terapias focadas na família têm se mostrado eficazes na mitigação dos efeitos da alienação parental, permitindo que a criança ou adolescente reconstrua a imagem do genitor alienado e restabeleça um vínculo saudável. Para tanto, a conscientização dos genitores sobre os prejuízos da alienação parental e a importância da co-parentalidade, mesmo após a dissolução conjugal, são essenciais para evitar a instauração ou agravamento dessa dinâmica perniciosa no seio familiar.
Guarda Compartilhada Durante a Pandemia de COVID-19
A pandemia da COVID-19 trouxe mudanças significativas em todas as esferas da vida social e a área do Direito de Família, com especial atenção à guarda compartilhada, não ficou isenta desses impactos. Durante este período sem precedentes, a legislação emergencial e as normativas específicas assumiram um papel central para orientar as famílias e os profissionais da área jurídica sobre como proceder diante dos novos desafios impostos pela crise sanitária. Este capítulo se dedica a compilar dados, relatos e experiências sobre a guarda compartilhada durante a pandemia, assim como a revisar as medidas legais aplicadas e as estratégias jurídicas utilizadas para garantir o bem-estar das crianças e o cumprimento dos direitos e deveres parentais.
A Lei da Guarda Compartilhada (Lei nº 13.058/2014) já estabelecia a necessidade de que o tempo de convívio com os filhos fosse dividido de forma equilibrada entre os genitores, de modo que ambos pudessem desempenhar efetivamente seu papel na criação e educação. Contudo, com a chegada da pandemia, a necessidade de isolamento social, as restrições de circulação e o fechamento temporário das escolas trouxeram à tona o dilema de como manter esse equilíbrio sem expor as crianças ao risco de contágio.
Diante dessa situação, observou-se uma mobilização do sistema judiciário brasileiro que, através de recomendações e resoluções emergenciais, procurou orientar as famílias sobre a melhor forma de gerenciar a guarda compartilhada. Uma das medidas mais relevantes foi a Recomendação nº 37/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que aconselhou aos juízes a análise cautelosa de pedidos de revisão de guarda, visitas e alimentos durante a pandemia, de forma a evitar alterações bruscas e a priorizar o diálogo e a mediação.
Além disso, vários tribunais de justiça estaduais emitiram notas e orientações específicas para que os acordos de guarda fossem flexibilizados, recomendando que os genitores buscassem, sempre que possível, soluções consensuais que atendessem ao melhor interesse dos filhos. Em muitos casos, as próprias famílias, acompanhadas de seus advogados, conseguiram elaborar acordos temporários que permitiam a alternância do convívio presencial com períodos de convivência virtual, o que se tornou uma solução prática e segura para manter o vínculo afetivo entre genitores e filhos.
Por meio de relatos de advogados e depoimentos de famílias, torna-se evidente que muitos pais e mães enfrentaram desafios logísticos e emocionais durante a pandemia para manter a rotina de convívio. Alguns relatórios apontam que, em certos casos, houve a suspensão temporária do regime de convivência presencial, substituído por chamadas de vídeo e outras formas de interação a distância. Tais adaptações, apesar de não ideais, demonstraram a capacidade de resiliência e criatividade das famílias em preservar a coesão familiar.
No âmbito judicial, verifica-se que as decisões referentes à guarda compartilhada durante a pandemia destacaram a importância de se preservar os laços familiares, reforçando a necessidade de flexibilização e de compreensão mútua entre os genitores. Juízes e magistrados, cientes dos riscos inerentes à situação de saúde pública, tenderam a favorecer acordos que minimizassem os deslocamentos desnecessários das crianças e adolescentes e, ao mesmo tempo, que assegurassem o direito ao convívio familiar. O entendimento predominante foi de que, embora a saúde física fosse primordial, a saúde emocional e psicológica das crianças também precisava ser salvaguardada.
Entretanto, a necessidade de manter o isolamento social em alguns casos mais extremos deu margem a situações em que alegações de alienação parental foram levantadas. Nessas circunstâncias, a atuação do advogado e a perícia psicológica tornaram-se fundamentais para discernir se as restrições ao convívio presencial justificavam-se pelo contexto pandêmico ou se configuravam um artifício para privar o genitor não-residente do contato com os filhos. Assim, perícias técnicas foram solicitadas com maior frequência para assegurar que os direitos das crianças e dos genitores não fossem injustamente violados.
Importa destacar que, diante das controvérsias e das necessidades urgentes impostas pela pandemia, viu-se o fortalecimento de práticas colaborativas no Direito de Família. A conciliação, mediação e a advocacia colaborativa ganharam destaque como métodos alternativos de solução de conflitos, permitindo que as famílias chegassem a resoluções mais céleres e menos desgastantes. Ademais, houve uma crescente conscientização sobre a importância de tais práticas, que, ao promover a comunicação e o entendimento mútuo, evitam o agravamento de disputas judiciais e favorecem acordos mais duradouros e satisfatórios para ambas as partes.
Para ilustrar a aplicação prática dessas estratégias colaborativas, diversos casos documentados revelam como a negociação entre as partes, muitas vezes conduzida por advogados especializados em direito consensual, resultou em acordos que levaram em conta não apenas as recomendações de saúde pública, mas também as particularidades de cada família. Além disso, em situações onde o acordo não foi possível, os tribunais se mostraram atentos e sensíveis às particularidades do contexto pandêmico, demonstrando flexibilidade ao implementar decisões que viabilizassem a adaptação das rotinas de convívio e o bem-estar dos envolvidos.
A pandemia, ao mesmo tempo que impôs desafios, também funcionou como um catalisador para a implementação de práticas mais humanizadas e flexíveis no Direito de Família. O aprendizado obtido nesse período de crise demonstra a capacidade do sistema jurídico de se adaptar e responder às mudanças sociais, reforçando a ideia de que é possível conciliar a proteção dos direitos individuais com o cuidado e atenção às necessidades das famílias em períodos de adversidade.
Reconhecimento e Dissolução de Uniões Estáveis
O Direito de Família brasileiro vem experimentando contínuas transformações ao longo dos anos, adaptando-se às mudanças das estruturas familiares e às dinâmicas sociais. A união estável, como uma forma de constituição de família, tem se estabelecido firmemente na legislação nacional e na consciência social. A partir do reconhecimento legal da união estável, crescem também os debates jurídicos em torno das questões patrimoniais quando da sua dissolução, desafiando os tribunais a aplicar as normas vigentes de maneira justa e adequada às singularidades de cada caso.
A legislação vigente no Brasil confere à união estável um status similar ao do casamento em diversos aspectos, particularmente no que tange aos direitos patrimoniais. Esse reconhecimento surge como resultado de um processo evolutivo marcado pela Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 226, §3º, reconheceu a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, e pela Lei nº 9.278/1996 que posteriormente regulamentou essas relações.
De acordo com o Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.723, é reconhecida como união estável a convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família. A configuração desta modalidade de união não exige formalidade ou prazo mínimo de convivência, demandando a análise de aspectos como a coabitação, o esforço comum, a fidelidade e o reconhecimento social da união.
Quanto ao regime patrimonial na união estável, na ausência de um contrato escrito que disponha de modo contrário, aplica-se o regime de comunhão parcial de bens, onde se comunicam apenas os bens adquiridos onerosamente na vigência da união. A Lei nº 9.278/1996 e o Código Civil são explícitos quanto à proteção e à partilha de bens em caso de dissolução da união estável. O artigo 5º da Lei nº 9.278/1996, assegura que na união estável se aplica, no que couber, as mesmas regras da comunhão parcial de bens do casamento.
A dissolução da união estável pode ocorrer por mútuo acordo ou litigiosamente, acarretando diversas questões patrimoniais, como a divisão de bens e direitos adquiridos conjuntamente e, em certos casos, a definição de alimentos. A definição sobre a partilha dos bens adquiridos durante a união estável é, sem dúvida, um dos temas mais litigiosos, surgindo controvérsias sobre a caracterização e a valoração desses bens. Os tribunais têm sido instados a interpretar e a aplicar as normas jurídicas para resolver casos envolvendo a dissolução da união estável e suas consequências patrimoniais.
Com relação aos direitos e deveres decorrentes dessa dissolução, é fundamental mencionar o direito de meação, onde cada um dos conviventes tem direito à metade dos bens adquiridos por esforço comum. O dever de prestar alimentos pode também se configurar, conforme preconiza o artigo 1.694 do Código Civil, que estabelece a possibilidade de os parentes, os cônjuges ou companheiros pedirem uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Casos emblemáticos ilustram a complexidade e a diversidade das situações que envolvem a dissolução da união estável. Em um julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi reconhecido o direito à partilha de bens adquiridos onerosamente, ainda que um dos companheiros tenha sido o único a contribuir financeiramente para a aquisição, entendendo que o esforço comum não se limita ao aspecto econômico, mas também a contribuições de outra natureza. Em outra situação, o STJ entendeu que não é possível o reconhecimento de união estável quando um dos conviventes ainda é casado, salvo comprovação da separação de fato.
Os tribunais também têm se debruçado sobre a questão dos bens particulares e daqueles que devem ser excluídos da partilha, como heranças e doações. Além disso, não raras vezes, são enfrentadas disputas sobre a existência da união estável em si, demandando a análise aprofundada das provas apresentadas e do contexto de vida dos envolvidos.
O planejamento sucessório aparece, nesse contexto, como uma ferramenta preventiva importante para a proteção do patrimônio familiar. A elaboração de um contrato de convivência, por exemplo, que estabeleça cláusulas específicas sobre a administração dos bens e a eventual partilha, pode evitar litígios futuros e garantir que a vontade das partes seja respeitada. A realização de testamentos e a constituição de outras formas de organização patrimonial também são alternativas viáveis para evitar impasses na eventualidade do falecimento de um dos conviventes.
Em conclusão, o reconhecimento e a dissolução de uniões estáveis no Brasil evocam uma gama complexa de questões jurídicas e patrimoniais. A legislação vigente, aliada à jurisprudência dos tribunais, busca a justa solução dessas questões, resguardando os direitos e deveres dos indivíduos envolvidos. Os casos emblemáticos, a interpretação da lei e a compreensão das relações humanas entrelaçadas na união estável delineiam um campo fértil para o debate e para a evolução do Direito de Família contemporâneo.
Implicações Patrimoniais em Uniões Estáveis
A discussão em torno das implicações patrimoniais em uniões estáveis exige um exame minucioso da legislação pertinente e das interpretações jurídicas que orientam a divisão de patrimônio após a dissolução de tais uniões. O cenário jurídico brasileiro tem enfrentado, com frequência, casos complexos que envolvem partilha de bens e direitos, o que demanda uma abordagem cuidadosa e pautada no conhecimento aprofundado do regime de bens aplicável a essas uniões.
Regime de Bens em Uniões Estáveis
O regime de bens em uniões estáveis no Brasil é regulado primordialmente pelo Código Civil (Lei n° 10.406/2002) e pela Lei n° 9.278/1996, que dispõem sobre o direito real de habitação e a partilha de bens. Na falta de um contrato escrito - denominado contrato de convivência - que disponha de modo diverso, aplica-se o regime de comunhão parcial de bens, similar ao do casamento. Esse regime prevê que os bens adquiridos onerosamente durante a convivência serão partilhados igualmente entre os companheiros na hipótese de dissolução da união estável.
A comunhão parcial de bens é, portanto, a regra geral para as uniões estáveis no Brasil, mas o casal pode optar por outros regimes - como comunhão universal, separação total e participação final nos aquestos - desde que formalizem tal escolha por meio de um contrato. Essa flexibilidade oferece aos conviventes a possibilidade de personalizar a administração de seus patrimônios de acordo com suas necessidades e expectativas.
Partilha de Bens: Acórdãos e Doutrinas
Os tribunais brasileiros têm registrado um crescente número de litígios envolvendo a partilha de bens em uniões estáveis, o que gera uma rica jurisprudência sobre o tema. Um ponto recorrentemente debatido é a distinção entre bens particulares e comuns, questão fundamental para determinar a extensão dos bens a serem divididos.
Em acórdãos recentes, tem-se observado uma tendência dos tribunais em reconhecer não apenas a partilha de bens adquiridos por esforço comum, mas também a valorização de contribuições não financeiras, como o cuidado com a casa e a educação dos filhos. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido que a contribuição para a aquisição de bens não se limita às aportações econômicas, abarcando também o esforço indireto ou a contribuição de qualquer natureza dos companheiros.
No entanto, a doutrina jurídica brasileira alerta para a necessidade de se comprovar o esforço comum na aquisição dos bens, a fim de que se configure a necessidade de partilha. Heranças e doações recebidas por um dos conviventes, por exemplo, são consideradas bens particulares e, via de regra, são excluídas da divisão, salvo disposição contratual em contrário.
Além da partilha de bens, outras questões patrimoniais frequentemente se apresentam em contextos de dissolução de união estável, tais como o direito à pensão alimentícia e o direito real de habitação. Tais direitos estão diretamente relacionados ao dever de assistência mútua entre os companheiros, que perdura mesmo após o fim da convivência, especialmente em situações onde há dependência econômica ou filhos em comum.
Exemplos Práticos e Planejamento Sucessório
Um caso exemplificativo das complexidades envolvendo a divisão patrimonial em uniões estáveis é quando um dos companheiros realiza investimentos significativos em um imóvel que é propriedade exclusiva do outro. Os tribunais têm enfrentado o desafio de avaliar a natureza e a extensão desses investimentos para determinar se eles justificam uma partilha desigual ou mesmo algum tipo de compensação financeira ao investidor.
Outro exemplo prático é a questão da aquisição de bens por meio de financiamento durante a união estável. Em diversos acórdãos, o entendimento predominante é de que o saldo devedor de um financiamento deve ser considerado um passivo comum, e, portanto, a obrigação de quitar a dívida e o direito à propriedade do bem devem ser compartilhados pelos ex-companheiros.
No âmbito do planejamento sucessório, é cada vez mais comum a prática de se estabelecer contratos de convivência, onde são acordados previamente os termos para a divisão de bens em caso de dissolução da união estável, assim como são determinadas questões relativas à sucessão e ao direito de herança. Isso se mostra uma estratégia eficaz para evitar litígios e para assegurar que a vontade das partes seja cumprida.
A elaboração de testamentos, doações entre vivos com reserva de usufruto e a constituição de empresas familiares são outras ferramentas que têm sido utilizadas para a gestão do patrimônio e para a proteção dos direitos dos companheiros e de seus herdeiros.
Essas estratégias de planejamento sucessório devem ser consideradas e implementadas com a devida orientação jurídica, levando em conta as especificidades da união estável e as intenções dos envolvidos. A contratação de um advogado especializado no direito de família para acompanhar esses procedimentos é fundamental para garantir que os interesses patrimoniais dos companheiros sejam respeitados e que possíveis conflitos futuros sejam mitigados ou mesmo evitados.
Ao explorar a temática das implicações patrimoniais em uniões estáveis, é evidente que a complexidade das relações familiares e a variedade das composições patrimoniais demandam uma análise cuidadosa e especializada. A compreensão das nuances legais, bem como das estratégias de planejamento sucessório, é essencial para navegar nas águas, muitas vezes turbulentas, da dissolução de uniões estáveis. A partir dessa perspectiva, advogados e partes interessadas podem se valer de uma abordagem mais segura e eficiente na gestão e na proteção de seus patrimônios.
Soluções Práticas e Orientações Jurídicas para Advogados e Partes Interessadas
Após uma exploração detalhada dos vários desafios que permeiam o Direito de Família brasileiro, é crucial oferecer aos advogados e às partes interessadas um conjunto de orientações práticas que possam ser aplicadas nas situações mais comuns enfrentadas por aqueles que navegam nessas águas. O objetivo é armar esses indivíduos com ferramentas e estratégias que possibilitem uma resolução de conflitos mais eficiente, amparada pela lei e pela prática judiciária.
Procedimentos em Casos de Alienação Parental
Identificação e Documentação: É fundamental que o advogado identifique e documente todas as evidências de atos de alienação parental. Isso inclui o relato de comportamentos específicos do alienador e qualquer comunicação entre as partes que possa caracterizar uma tentativa de afastamento da figura do outro genitor.
Atuação Jurídica: Diante de indicativos de alienação parental, o profissional deve buscar medidas judiciais urgentes, como uma ação de regulamentação de visitas acompanhada de um pedido liminar para garantir o contato do filho com o genitor afastado, e, se necessário, a revisão da guarda.
Suporte Multidisciplinar: Encorajar a integração de uma equipe multidisciplinar, envolvendo psicólogos e assistentes sociais, para que haja uma avaliação mais completa da dinâmica familiar e a recomendação de terapias que possam reparar ou mitigar os danos causados pela alienação.
Estratégias de Negociação em Guarda Compartilhada
Diálogo e Mediação: Em tempos de pandemia, a comunicação efetiva entre os genitores é essencial. Recomenda-se o estímulo ao diálogo e à negociação, visando ao melhor interesse da criança. O advogado pode sugerir a mediação como um caminho para a resolução de disputas, reduzindo a necessidade de litígios desgastantes.
Flexibilidade e Adaptabilidade: Criar planos de visitação e guarda que sejam flexíveis e que possam se adaptar às mudanças de cenário devido à pandemia. Esses planos devem contemplar todas as eventualidades, incluindo quarentenas e alterações nas rotinas escolares.
Documentação Formal: Advogar pela formalização de acordos realizados durante a mediação ou negociação direta, estipulando os termos da guarda e visitação em documentos judiciais ou extrajudiciais, para evitar mal-entendidos ou futuras disputas.
Manejo de Uniões Estáveis e Seus Desdobramentos
Contrato de Convivência: Orientar os clientes sobre a importância do contrato de convivência para uniões estáveis, a fim de estabelecer claramente o regime de bens e as expectativas de partilha. Isso serve como um instrumento valioso de planejamento e proteção patrimonial.
Interpretação da Jurisprudência: Manter-se atualizado com as tendências jurisprudenciais para aconselhar os clientes sobre as possíveis interpretações de seus direitos e obrigações na união estável. O advogado deve ser capaz de explicar as nuances e as consequências das decisões judiciais.
Negociação Patrimonial: Desenvolver habilidades de negociação para que os acordos patrimoniais sejam justos e equânimes. O advogado deve ser um facilitador de diálogos construtivos, evitando o prolongamento de disputas patrimoniais.
Estratégias para a Partilha de Bens em Uniões Estáveis
Inventário e Avaliação: Realizar um inventário completo do patrimônio adquirido durante a união estável e solicitar avaliações de mercado justas para esses bens. Isso é essencial para uma divisão equitativa e isenta de conflitos.
Consideração das Contribuições: Lembrar que o STJ reconhece contribuições não financeiras na aquisição de bens. Assim, é importante considerar o trabalho doméstico, cuidados com a prole e apoio na carreira do parceiro como elementos no cálculo da partilha.
Defesa de Interesses Pessoais: Garantir que os interesses individuais dos clientes sejam defendidos, seja na manutenção de bens particulares isentos da partilha ou na reivindicação de direitos adquiridos durante a convivência.
Planejamento Sucessório e Ferramentas Preventivas
Elaboração de Testamentos: Aconselhar os clientes sobre a importância dos testamentos para assegurar a distribuição do patrimônio de acordo com sua vontade e para proteger o parceiro e outros herdeiros legais.
Doações e Reserva de Usufruto: Explorar a possibilidade de doações entre vivos com reserva de usufruto como uma ferramenta de planejamento sucessório, que permite ao doador manter o uso do bem enquanto estiver vivo.
Empresas Familiares e Acordos de Acionistas: Para clientes com negócios familiares, sugerir a criação de uma empresa familiar com um acordo de acionistas bem delineado, para prevenir disputas e assegurar uma transição suave do negócio entre gerações.
Para cada uma dessas recomendações, é essencial que o profissional esteja preparado para avaliar as peculiaridades de cada caso e para aplicar a legislação e os precedentes judiciais de forma estratégica. Ao oferecer orientações que são ao mesmo tempo específicas para cada situação e respaldadas por uma base legal sólida, os advogados podem otimizar suas atuações e alcançar resultados favoráveis para os seus clientes. Consequentemente, as partes interessadas encontrarão mais tranquilidade e segurança jurídica em momentos que costumam ser marcados por vulnerabilidades e tensões.