Se a Usucapião Extrajudicial ao final for considerada improcedente o Tabelião que lavrou a Ata Notarial deve responder por isso?

20/03/2024 às 18:30
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A USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL é um procedimento que busca o reconhecimento da propriedade mediante a comprovação dos requisitos exigidos em Lei para a espécie de Usucapião pretendida. A base legal para o procedimento está no art. 216-A da Lei de Registros Publicos (Lei 6.015/73), nela introduzido pelo Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105/2015). Como já falamos outras vezes aqui a regulamentação do procedimento se deu e ainda continua se dando pelo CNJ (atualmente pelo Provimento CNJ 149/2023 que por sua vez revogou o Provimento CNJ 65/2017 que cuidava da questão inicialmente), além é claro da regulamentação local existente nos Estados, a cargo dos Códigos de Normas editados pelas Corregedorias locais (no Rio de Janeiro além do NCN/2023 temos o Provimento CGJ/RJ 23/2016).

É sempre importante pontuar que o procedimento na via extrajudicial - em que pese dispensar a necessidade de PROCESSO JUDICIAL e por conta disso correr exclusivamente a cargo dos Cartórios - não dispensa Advogado. Reza o artigo 216-A da referida LRP:

"Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, REPRESENTADO POR ADVOGADO (...)"

Também colhemos da leitura da Lei e dos atos regulamentadores que o procedimento se desenvolverá no CARTÓRIO DE NOTAS para a lavratura da Ata Notarial, no CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS (quando essa for a opção) para a realização das inúmeras notificações e intimações e por fim, no CARTÓRIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS para a tramitação efetiva do procedimento, buscando o reconhecimento da aquisição do imóvel pela via da Usucapião.

Como se observa, obrigatoriamente o interessado deverá aparelhar seu pedido com a ATA NOTARIAL que é instrumento que deve ser lavrado por qualquer tabelião da região do imóvel, observadas as regras do artigo 402 do CN/CNJ, senão vejamos:

"Art. 402. A ata notarial de que trata esta Seção será lavrada pelo tabelião de notas DO MUNICÍPIO em que estiver localizado o imóvel usucapiendo ou a maior parte dele, a quem caberá alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa no referido instrumento configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei".

Considerando o ALTO CUSTO de uma ata notarial para essa finalidade (haja vista que como critério de cobrança poderá ser utilizado o valor do imóvel como acontece aqui no Estado do Rio de Janeiro, onde é considerada uma ATA NOTARIAL COM CONTEÚDO ECONÔMICO - vide a recentíssima PORTARIA CGJ/RJ 556/2024, D.O. de 12/03/2024 - assim como inciso I do art. 423 do CN/CNJ) fica o questionamento: uma vez lavrada a ATA NOTARIAL há garantia para o interessado de que o procedimento será exitoso no Cartório do RGI, sendo reconhecida a Usucapião a seu favor? Outrossim, em caso de insucesso do procedimento poderá o TABELIÃO que lavrou e entregou a Ata Notarial ser responsabilizado por isso de alguma forma?

De início é preciso observar que não há qualquer vinculação e/ou dependência entre o Tabelião e o Registrador, muito menos sobre os pronunciamentos e atos que cada um dos dois realiza, na forma da Lei 8.935/94. Profissionais independentes que são, gozam de independência no exercício de suas atribuições na forma preconizada no art. 28 da referida LNR. É certo que não estão absolutamente imunes à responsabilização como inclusive deixa claro o artigo 22 da citada norma, todavia, não pode o Tabelião garantir o êxito do reconhecimento da Usucapião perante o RGI até mesmo porque lhe escapa essa atribuição justamente enquanto Tabelião. Não por outra razão a disposição do par.3º do artigo 402 do CN/CNJ:

"§ 3º. Finalizada a lavratura da ata notarial, O TABELIÃO DEVE CIENTIFICAR O REQUERENTE E CONSIGNAR NO ATO que a ata notarial NÃO tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo apenas para a instrução de requerimento extrajudicial de usucapião para processamento perante o registrador de imóveis".

Pode sim ser responsabilizado caso da Ata Notarial não anteda a algum dos requisitos exigidos em Lei (como aqueles reclamados nas alíneas do inciso I do art. 401 do mesmo CN), todavia, não deve mesmo ser responsabilizado pelo insucesso da demanda perante o RGI, já que ele Tabelião não tem o condão de garantir o resultado exitoso do procedimento. Ora, não é pelo fato de ter lavrado a Ata Notarial conforme pedido do interessado, nela lançando todas as suas percepções, inclusive visitando o local do imóvel (quando esse for o caso, já que também como sabemos a diligência ao local NÃO é obrigatória em todos os casos) que poderá alegar o interessado ter qualquer garantia de sucesso - fato que inclusive nem mesmo o ADVOGADO poderá garantir, como reza o Estatuto da Advocacia e o Código de Ética da OAB.

Cabe salientar que o insucesso na via extrajudicial não impede a propositura na via judicial do processo de Usucapião, como inclusive deixam claro os par.2º e 3º do artigo 414 do CN/CNJ:

"§ 2.º Se, ao final das diligências, ainda persistirem dúvidas, imprecisões ou incertezas, bem como a ausência ou insuficiência de documentos, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido mediante nota de devolução fundamentada.

§ 3.º A rejeição do pedido extrajudicial não impedirá o ajuizamento de ação de usucapião no foro competente".

POR FIM, decisão recente do E. Conselho da Magistratura, com todo acerto, confirmando sentença do Juízo primitivo pela procedência da Dúvida Registral instaurada (ou seja, rejeição e negativa do pedido de reconhecimento e registro da Usucapião Extrajudicial) face à falta de comprovação da posse alegada - ainda que se tratasse da modalidade Extraordinária de Usucapião:

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"TJRJ. 0048860-66.2020.8.19.0021. CONSELHO DA MAGISTRATURA. J. em: 07/03/2024. RECURSO DE APELAÇÃO. DÚVIDA SUSCITADA PELO CARTÓRIO DO 3º REGISTRO DE IMÓVEIS DE DUQUE DE CAXIAS. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE ATA NOTARIAL DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL DE TRÊS LOTES DE TERRENO EM FAVOR DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA INTERESSADA. PLEITO ADIADO PELO OFICIAL POR ENTENDER QUE NÃO HÁ PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE SOBRE A SUPOSTA POSSE QUALIFICADA ANTECEDENTE NO PRAZO USUCAPIENDO PELOS SUPOSTOS POSSUIDORES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA. IRRESIGNAÇÃO DA INTERESSADA. PROCURADORIA DE JUSTIÇA OPINOU PELO PROVIMENTO. PRETENDENTE BUSCA O REGISTRO DE TRÊS LOTES DE TERRENO, OPTANDO PELO NOVEL PROCEDIMENTO DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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