Lidar com os trainees
Todo ano chegava um ônibus com um grupo de trainees, e eu fazia a integração desses novos membros e o roteiro de suas atividades nos setores em que iriam iniciar o treinamento.
Numa dessas turmas, estávamos ao lado de uma frente de serviços que executava o apiloamento do fundo de uma vala — eram um feitor e diversos serventes. Observei que um grupo de jovens falava naturalmente de suas vidas sociais. Eles diziam que iriam fazer um churrasco no fim de semana, discutiam sobre o valor de uma calça jeans que custava exatamente a metade do salário de um dos serventes, e falavam do som que iriam colocar em seus carros.
Essas coisas que eram comuns para eles, oriundos de outro meio social, acostumados ao mundo acadêmico das universidades federais e ao berço familiar, na mente desprovida de comparativo dos trabalhadores braçais, eram coisas inimagináveis. O universo dos futuros engenheiros estava muito distante da realidade dos peões. Suas cabeças sofriam um nó quando refletiam sobre a pouca remuneração que recebiam e as condições de vida que possuíam, em relação àquele outro mundo do qual acabavam de ouvir. Sentiam-se como a ameba do cocô do cavalo do bandido. Ao saírem dali, no final do expediente, havia apenas uma forma de pôr os seus persuadidos neurônios em equilíbrio: passariam no primeiro copo sujo que encontrassem e se embriagariam de cachaça. Ao chegarem em casa ou no alojamento, inevitavelmente despejariam toda aquela frustração e angústia mental em si mesmos, se autodepreciando e formando a ideia de que eram uns zés ninguéns.
Essa energia negativa provavelmente ainda iria respingar em pessoas mais frágeis e próximas deles: suas esposas, seus filhos e seus colegas de quarto. Daí a minha necessidade em tentar resolver aquela sequela social, remediando o vício do descarrego mental em cima dos mais fracos. Ressalto isso porque já tinha ouvido muitos desses relatos, e as complicações de alcoolismo eram frequentes nas entrevistas de desligamento após distúrbios ou brigas ocorridas no alojamento.
Reformulei então o meu método de abordagem e passei a orientar os trainees e os novatos que tinham um padrão social mais elevado do que a maioria. Alertava-os para que tivessem cuidado com a ostentação e o linguajar que utilizavam. Disse-lhes que aquilo que para eles era normal, poderia desencadear uma reação psicológica perigosa na mente subconsciente dos funcionários não qualificados ou que eram irremediavelmente pobres. Porventura desprovidos de controle emocional, poderiam ocasionar desregramentos sociais e, quem sabe, até mesmo desentendimentos e conflitos familiares.
Comentei com eles sobre um simples caso ocorrido comigo: existia um funcionário que me odiava, e eu não entendia o motivo daquela raiva. Em conversa com o seu líder, o mesmo confidenciou-me:
— Se lembra de uma vistoria que fizeram numa vala, cheia d’água no fundo? Você, acompanhado de auditores da qualidade e outros gerentes, cumprimentou apertando a mão apenas dos encarregados do início da frente de serviço, nem sequer olhou para os restantes que estavam pisando no molhado. Se tivesse, teria visto esse funcionário com água até a cintura e ódio em seu olhar. Quando você for cumprimentar várias pessoas e não puder pegar na mão de todos, então não pegue na de ninguém, apenas dê bom dia por atacado, dando um aceno com a mão pelo alto. Se pegar na mão de um, terá de pegar na mão de todos!
Procurei então aquele colaborador raivoso e agi de maneira a desconstruir a imagem que ele tinha criado. Demorou, mas consegui fazer com que ele passasse a me cumprimentar normalmente. Um simples esquecer-se de cumprimentar!
Não sei se consegui atingir o meu objetivo ou se resolvi o problema, mas acho que as minhas orientações, de alguma maneira, ajudaram a mudar a vida de alguns indivíduos. Essa era a minha forma de ver a situação, diante daqueles dois mundos de interesses tão diferentes.