O imóvel não tem matrícula no RGI. Ainda assim pode ser possível regularizar via Adjudicação Compulsória Extrajudicial?

27/03/2024 às 17:26

Resumo:

- A regularização de imóveis permite que o ocupante se torne formalmente o titular da propriedade.
- A adjudicação compulsória no Brasil, introduzida pela Lei 14.382/2022, possibilita a regularização extrajudicial de imóveis objeto de promessa de venda ou cessão.
- A existência de matrícula individualizada é condição específica para a ação de adjudicação compulsória, conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A REGULARIZAÇÃO DE IMÓVEIS permite com que aquele que o ocupa passe a formalmente titularizar a propriedade do bem. Como sempre falamos aqui, mais de 30 MILHÕES de imóveis no Brasil padecem dessa enfermidade. A busca para a solução quase sempre envolve processo judicial, todavia, há alguns anos tornou-se possível a regularização direto no Cartório, sem a necessidade de processos judiciais. Como também costumamos enfatizar, o fato de ter "extrajudicializado" a solução nem sempre vai significar ECONOMIA e AGILIDADE para obter a regularização - embora esse seja sim a tônica que move ou pelo menos deveria mover os avanços da extrajudicialização.

Na sequência do INVENTÁRIO (em 2007) e da USUCAPIÃO (em 2015) tivemos a possibilidade da realização da ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA no Brasil, de modo extrajudicial, através da Lei 14.382/2022 que introduziu na Lei 6.015/73 o artigo 216-B. O procedimento autoriza com que determinado tipo de irregularidade imobiliária (muito comum inclusive) seja sanado inteiramente pela via extrajudicial dispensando processo judicial mas sempre com participação OBRIGATÓRIA de Advogado, senão vejamos:

"Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada EXTRAJUDICIALMENTE no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo".

A Adjudicação Extrajudicial vai focar naquele fatídico caso da pessoa que enquanto promitente comprador adquire imóvel muitas vezes em várias parcelas mas ao final não consegue obter a sua ESCRITURA DEFINITIVA e, naturalmente, por conta disso não tem também o REGISTRO em seu nome. O problema aqui não é comprar via Promessa ou Compromisso de Compra e Venda mas concluir as tratativas com a outorga da Escritura Definitiva e a transferência do imóvel, por fim, ao comprador (novo dono).

A regulamentação da Adjudicação Compulsória está integralmente contida no Provimento CNJ 150/2023 (D.O. de 15/09/2023) que introduziu os artigos440-AA a4400-AM no Provimento CNJ1499/2023 (D.O. de 04/09/2023), que deixa claro se tratar de procedimento que terá etapa no TABELIONATO DE NOTAS para a lavratura da competente ATA NOTARIAL (art. 440-F) assim como no REGISTRO DE IMÓVEIS para a tramitação e registro do procedimento (art. 440-K), sendo certo que, tal como ocorre na USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, o REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS também será uma Serventia Extrajudicial que poderá ser acionada no bojo do procedimento (art. 440-T). É importante salientar aos desavisados que, tal como ocorre com a imensa maioria dos procedimentos em Cartório, também a ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL poderá se dar inteiramente de forma eletrônica; para tanto é necessário conhecer as plataformas das Centrais Eletrônicas disponibilizadas pelas Serventias Extrajudiciais.

Muitos são ainda os desafios a se deparar na prática da Adjudicação Compulsória Extrajudicial; a boa notícia é que a maioria deles já foram superados na VIA JUDICIAL e, caberá ao Advogado - como é muito comum em nosso cotidiano - promover a mudança e o avanço, o aperfeiçoamento dos procedimentos. O Advogado e a Advogada são agentes provocadores da mudança e da evolução.

Muitas soluções já foram alcançadas na via judicial e poderão ser adaptadas com toda certeza para os desafios da via extrajudicial. Um caso já bem conhecido na via judicial são os casos onde se maneja a Adjudicação Compulsória para regularizar imóveis que ainda não possuem origem registral. A situação é mais comum do que se imagina e nos depararemos com ela quando o objeto da Promessa de Compra e Venda for um imóvel que ainda não tem matrícula no Cartório do Registro de Imóveis. Nesse caso será possível a regularização via Adjudicação Compulsória Extrajudicial?

Inicialmente é preciso notar que a ATA NOTARIAL já deverá sinalizar o problema, como aponta o inciso I do artigo 440-G do precitado Provimento CNJ 149/2023. A regra exige que a Ata Notarial contenha a "referência à matrícula ou transcrição" do imóvel. Cabe aqui anotar que ATA NOTARIAL é exigência estritamente extrajudicial para o procedimento já que na via judicial não se exige para fins de Adjudicação Compulsória a realização do referido documento, que inclusive ONERA BASTANTE o procedimento.

Hipoteticamente considerando que a Ata Notarial (que é obrigatória e indispensável ao procedimento) seja feita sem a referência à matrícula (o que não se admite, como se viu) na tramitação junto ao RGI certamente o interessado será obstado com exigência embasada no inciso II do art. 440-L do referido CN/CNJ que exige que o requerimento de Adjudicação Compulsória informe expressamente a numeração da MATRÍCULA ou TRANSCRIÇÃO do imóvel.

Sem efetivamente existir a individualização da matrícula no Cartório de Registro de Imóveis não será possível a regularização por esse caminho, diversamente do que ocorre com a USUCAPIÃO - tanto judicial quanto extrajudicial - onde o fato de não ter matrícula não representa impeditivo. Cabe, como se percebe, ao Advogado que examinar o caso avaliar diante das peculiaridades de cada caso a melhor ferramenta a ser utilizada, já que não necessariamente a via extrajudicial será a mais vantajosa em todos os casos - especialmente por não ser dotada da envergadura presente na via judicial.

Especificamente quanto ao fato de inexistir junto ao Registro de Imóveis a matrícula para o imóvel pretendido e ser esse um fato impeditivo à Adjudicação Compulsória, é preciso anotar ainda que existe conhecida corrente na jurisprudência a admitir esse pedido, todavia com nossas críticas já que parece não observar que não haverá registrabilidade àquele título (judicial) na medida em que exigir-se-á com isso que o Registrador assente um título sem ter repositório para tanto, qual seja, a matrícula registral. Com todas as vênias, parece aqui faltar visão da sistemática registral e extrajudicial àqueles que sustentam essa possibilidade. De toda forma, cabe aqui a lição sábia de um douto colega ao afirmar com tranquilidade que todos nós devemos conhecer as várias direções e orientações que a jurisprudência apresenta, utilizando oportunamente alguma delas conforme a pretensão defendida.

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POR FIM, decisão do Superior Tribunal de Justiça confirmando com já esperado acerto que de fato a existência de matrícula individualizada é condição específica para a Ação de Adjudicação Compulsória, o que se amolda com perfeição à versão Extrajudicial do procedimento:

"STJ. REsp: 1851104/SP. J. em: 12/05/2020. RECURSOS ESPECIAIS. REGISTROS PÚBLICOS. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. (...). CONTRATO DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL. DESMEMBRAMENTO. AVERBAÇÃO. NECESSIDADE. MATRÍCULA INDIVIDUALIZADA. AUSÊNCIA. REGISTRO DO TÍTULO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. AÇÃO. CONDIÇÃO. COAÇÃO. (...) 2. Os recursos especiais têm origem em três ações (ação de adjudicação compulsória, ação de anulação de negócio jurídico de compra e venda de imóvel e ação de despejo com reconvenção) julgadas em sentença única. 3. As questões controvertidas nos presentes recursos especiais podem ser assim resumidas: (...) (ii) se a ausência de averbação do desdobro do imóvel prometido à venda no Registro de Imóveis é obstáculo à procedência da ação de adjudicação compulsória; (...). 6. A existência de imóvel registrável É CONDIÇÃO ESPECÍFICA da ação de adjudicação compulsória. 7. No caso dos autos, o desmembramento do terreno não foi averbado na matrícula do imóvel, condição indispensável para a procedência da ação de adjudicação compulsória. (...). 9. Recursos especiais não providos".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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