IPVA-SP: Do direito à isenção aos portadores de visão monocular.

01/04/2024 às 16:01

A Lei Estadual n. 13.296/2008 é bastante clara em tratar no seu artigo 13-A sobre o direito à isenção do IPVA para um único veículo de propriedade da pessoa portadora de transtorno de deficiência física, sensorial, intelectual ou mental, moderada, grave ou gravíssima.

Pois bem, ao estudarmos a Lei Estadual n. 14.481/2011, percebemos que o seu artigo 1º, classifica a visão monocular como deficiência visual. Já em solo Federal, ao lermos a Lei n. 14.126/2021 notamos que ela foi taxativa em nomear a visão monocular como deficiência sensorial do tipo visual. Vejamos o texto normativo:

Artigo 1º - Fica classificada como deficiência visual a visão monocular. (Lei Estadual nº 14.481, de 13 de julho de 2011).

Art. 1º Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.

Parágrafo único. O previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aplica-se à visão monocular, conforme o disposto no caput deste artigo.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (Lei Federal nº 14.126, de 22 de março de 2021).

Assim sendo, respeitando opiniões contrárias, entendemos que não há maiores dúvidas de que a visão monocular é considerada uma deficiência sensorial, não podendo ser excluída do rol de benefícios do artigo 13-A da Lei Estadual n. 13.296/2008 no tocante à isenção do IPVA.

De mais a mais, por cautela, já defendemos que os critérios da Portaria CAT 27/2015 e do Regulamento do ICMS não devem se sobrepor às classificações da Lei Federal n. 14.126/2021 e da Lei Estadual n. 14.481/2011, tal conclusão é nítida em alguns acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, vejamos:

MANDADO DE SEGURANÇA IPVA - AQUISIÇÃO DE VEÍCULO POR PESSOA COM DEFICIÊNCIA (VISÃO MONOCULAR) - Veículo que prescinde de adequação Isenção Possibilidade Circunstância que não afasta o benefício Presença dos requisitos necessários à concessão - Art. 13, III, da Lei Estadual nº 13.296/2008 Portaria CAT 27/2015 que não deve ser interpretada literalmente Interpretação sistemática e teleológica Isenção fiscal que visa à inclusão social da pessoa com deficiência - Princípios da igualdade e isonomia tributária Descabida restrição diante da proteção constitucional da dignidade da pessoa humana e da igualdade Precedentes deste E. Tribunal Sentença mantida. Apelo e reexame necessário não providos. (TJSP; Apelação Cível 1000909-36.2019.8.26.0462; Relator (a): Spoladore Dominguez; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Guarulhos - 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 29/01/2020; Data de Registro: 30/01/2020 - grifei).

Portanto, é evidente que a visão monocular que acomete a autora deve ser enquadrada no conceito de deficiência visual, afastando-se a aplicação dos critérios da Portaria CAT n. 27/2015 e do Regulamento do ICMS, que seguem entendimento diverso das leis hierarquicamente superiores mencionadas. (TJSP; Recurso Inominado Cível 1006302-05.2019.8.26.0053; Relator (a): Antonio Carlos de Figueiredo Negreiros - Colégio Recursal; Órgão Julgador: 8ª Turma Recursal de Fazenda Pública; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 4ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Capital; Data do Julgamento: 30/01/2024; Data de Registro: 30/01/2024).

RECURSO INOMINADO. ISENÇÃO DO IPVA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL. Visão monocular. Condição considerada deficiência, nos termos do art. 1º da LF n. 14.481/2011 e do art. 1º da LF n. 14.126/2021. Atos infralegais invocados pela recorrente que não prevalecem, pois hierarquicamente inferiores às leis mencionadas. Reconhecimento da isenção possui natureza declaratória, devendo retroagir ao momento em que a recorrida reuniu os requisitos legais. Sentença mantida. Recurso inominado não provido. (TJSP; Recurso Inominado Cível 1016939-72.2023.8.26.0506; Relator (a): Antonio Carlos de Figueiredo Negreiros - Colégio Recursal; Órgão Julgador: 8ª Turma Recursal de Fazenda Pública; Foro de Ribeirão Preto - ANEXO DE JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PUBLICA - JEFAZ; Data do Julgamento: 22/03/2024; Data de Registro: 22/03/2024 - grifei).

Igualmente relevante é contestar o teor da Resposta à Consulta Tributária 5921/2015, de 15 de outubro de 2015, na ocasião, de maneira não isonômica e desrazoável, opinou a SEFAZ/SP o seguinte:

IPVA – Isenção – Deficiente Visual – Visão Monocular.

I – A isenção do IPVA não se direciona ao portador da deficiência física irrestritamente, mas àquele que, para conduzir, necessita de um veículo com características próprias, adequadas às dificuldades que lhe são impostas pela deficiência física. Os portadores de visão monocular podem dirigir veículos convencionais, portanto, não são alcançados pela referida isenção.

Todavia, o mencionado entendimento não é vinculante, ele fere gravemente o princípio da isonomia tributária (art. 150 da CF/1988), não observa os princípios basilares da igualdade de acesso e da inclusão social expressos no Estatuto da Pessoa com Deficiência (art. 1º) e também não promove a dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República (art. 1º, III da Carta Magna).

Em desfavor do Estado temos dois acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aplicando os princípios da igualdade, da isonomia tributária, da dignidade da pessoa humana e da inclusão social da pessoa com deficiência, assim derrubando completamente o texto da Consulta Tributária 5921/2015 e demais normativas ou portarias que estabelecem critérios de desigualdades e obstáculos ao benefício tributário aqui estudado.

Recurso inominado. Isenção de IPVA e ICMS. Pretensão de declaração de inexistência de relação jurídico-tributária sobre IPVA e ICMS cumulada com repetição de indébito. Portador de visão monocular. CID 54.4. Admissibilidade. Presença dos requisitos necessários à concessão da isenção. Art. 13, III, da Lei Estadual nº 13.296/2008. Isenção fiscal que visa à inclusão social da pessoa com deficiência. Princípios constitucionais da igualdade e isonomia tributária. Sentença de procedência mantida. Recurso não provido. (TJSP; Recurso Inominado Cível 1029067-32.2020.8.26.0506; Relator (a): Armenio Gomes Duarte Neto; Órgão Julgador: 4ª Turma Cível; Foro de Ribeirão Preto - ANEXO DE JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PUBLICA - JEFAZ; Data do Julgamento: 29/03/2023; Data de Registro: 29/03/2023 - grifei).

Declaratória de inexigibilidade c.c. repetição de indébito tributário – Pretensão à isenção do IPVA de 2020 e dos exercícios seguintes – Autor portador de deficiência (visão monocular - CID H54.4) – Requerimento administrativo formulado em dezembro/2019 – Veículo que prescinde de adaptação – Circunstância que não afasta o benefício – Art. 13, inciso III, da Lei Estadual nº 13.296/2008, com a redação dada pela Lei nº 16.498/2017 – Isenção fiscal que visa à inclusão social da pessoa com deficiência – Necessidade de observância dos princípios da isonomia tributária e da dignidade da pessoa humana – Lei Estadual nº 17.293/2020 que estabeleceu novos critérios para a isenção do tributo às pessoas portadoras de necessidades especiais – Revogação do benefício fiscal que implicou majoração indireta do tributo – Ofensa ao princípio da anterioridade nonagesimal – Previsão legal de isenção apenas quando haja necessidade de o veículo ser adaptado e customizado em razão da deficiência do condutor – Tratamento tributário discriminatório e desigual entre os deficientes – Violação aos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana – Precedentes jurisprudenciais – Sentença de improcedência reformada – Recurso provido. (TJSP; Recurso Inominado Cível 1034437-90.2020.8.26.0053; Relator (a): Aléssio Martins Gonçalves; Órgão Julgador: 7ª Turma - Fazenda Pública; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 4ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Capital; Data do Julgamento: 09/09/2021; Data de Registro: 09/09/2021 - grifei).

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A fim de afastar qualquer dúvida, não podemos deixar de mencionar que é assente no Tribunal de Justiça de São Paulo que o portador de visão monocular é detentor do benefício do artigo 13-A da Lei Estadual n. 13.296/2008, indico a leitura do acórdão do Recurso Inominado Cível 1019394-91.2022.8.26.0361, Recurso Inominado Cível 1002281-97.2020.8.26.0619, Recurso Inominado Cível 1026583-78.2019.8.26.0506, Recurso Inominado Cível 1026583-78.2019.8.26.0506 e outros mais que podem ser localizados facilmente no portal do Tribunal.

Assim sendo, o presente escrito se encerra tecendo crítica a qualquer ato de discriminação ou obstáculo de acesso à isenção do IPVA para os portadores de visão monocular no Estado de São Paulo, visto que a Lei Estadual n. 14.481/2011 a classifica como deficiência visual (artigo 1º) e a Lei Federal n. 14.126/2021 a trata como deficiência sensorial do tipo visual.

No mais, qualquer tipo discriminação vai na contramão da isonomia tributária (art. 150 da CF/88) e não atende aos princípios orientadores do Estatuto da Pessoa com Deficiência (art. 1º), não promovendo por óbvio a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88).

Sobre o autor
João Vitor Rossi

Advogado especializado em Direito Tributário e Imobiliário, com registro na OAB-SP nº 425.279. Possui MBA Executivo em Direito, Negócios e Operações Imobiliárias, especialização em Direito Imobiliário e Direito Processual Civil, que lhe proporciona uma visão ampla e estratégica para a resolução de problemas complexos e a liderança de equipes jurídicas de alta performance. Com experiência reconhecida no setor . Autor de diversas publicações em revistas jurídicas renomadas e responsável por casos de destaque na mídia, João Vitor Rossi está à frente de seu escritório, comprometido com a entrega de soluções inovadoras e eficazes para os seus clientes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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