Já é possível no Estado do Rio de Janeiro a alteração do regime de bens no Casamento de forma Extrajudicial?

02/04/2024 às 17:46
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Um aspecto muito importante do Casamento diz respeito às questões patrimoniais. Como sabemos, no silêncio dos cônjuges (e não incidindo as regras do art. 1.641 do CCB/2002 que impõe o regime da separação legal de bens), valerá no casamento o regime da comunhão parcial de bens, com as regras descritas no artigo 1.658 e seguintes do mesmo Código. Uma vez estabelecido o regime de bens o mesmo não poderia mais ser alterado enquanto vigente o casamento: esse era o cenário até a edição do Código Civil de 2002 (Lei Federal 10.406). De acordo com as regras do atual Código Civil (que inclusive está para ser atualizado) a alteração do regime de bens será um procedimento inteiramente judicial que deve ser requerido por ambos os cônjuges, através de Advogado. Reza o artigo 1.639 do CCB/2002 em seu parágrafo 2º que,

"É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros".

Como se observa acima, pela letra da Lei os requisitos serão o pedido formulado na via judicial, devidamente motivado e feito por ambos os cônjuges. É muito elogiável que o casal possa no decorrer e constância do Casamento modificar o regime de bens. Como esclarece a ilustre jurista MARIA BERENICE DIAS (Manual de Direito das Famílias. 2020) citando o igualmente brilhante jurista RODRIGO DA CUNHA PEREIRA a alteração do regime de bens "pode significar que os cônjuges estão SALVANDO a conjugalidade, na medida em que fazem ajustes patrimoniais dissolvendo incômodos de ordem econômica".

De fato, se ambos podem antes do Casamento estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver - como deixa a salvo o artigo 1.639 do CCB, não nos parece fora da razoabilidade que, com a experimentação - nem sempre DOCE - da vida em comum possam promover ajustes/alterações no combinado de início, muitas vezes como dito para "tentar manter/salvar o Casamento".

Ao que parece não somos os únicos que advogamos pela possibilidade de que esse procedimento possa ser EXTRAJUDICIALIZADO. A citada Advogada e Desembargadora aposentada na referida obra também lamenta que a alteração ainda não possa ser feita de forma extrajudicial - e nesse ponto temos uma importante novidade que precisa ser amplamente noticiada: por ocasião do NOVO CÓDIGO DE NORMAS EXTRAJUDICIAIS DO RIO DE JANEIRO (Provimento CGJ/RJ 87/2022 - DO de 19/12/2022) tornou-se possível realizar, pelo menos no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a alteração do regime de bens diretamente no Cartório do Registro Civil, através de ADVOGADO - porém deve ser esclarecido desde já que ainda não se trata de um procedimento inteiramente extrajudicializado. Ousamos afirmar que apenas é uma nova via para se obter o mesmo resultado porém sem dispensar - pelo menos até esse momento - a participação de um Magistrado - e inclusive do Representante do Ministério Público - como ocorre nos procedimentos que efetivamente foram extrajudicializados nos últimos tempos (Inventário, Divórcio, Usucapião e Adjudicação Compulsória).

O rito do procedimento de acordo com NCN/RJ conta com apenas quatro artigos (art. 862 a 865) e se iniciará através de petição junto ao RCPN, devendo ser processado da seguinte forma:

"Art. 862. A alteração do regime de bens, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais onde constar o registro do casamento, em petição assinada por ambos os cônjuges e por ADVOGADO, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros.

§ 1º. O procedimento previsto neste artigo seguirá o rito do artigo 109 da Lei nº 6.015/1973.

§ 2º. Poderá o juiz de registros públicos da comarca estabelecer, por portaria, as hipóteses de processamento do requerimento pelo oficial SEM A NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO JUDICIAL.

Art. 863. Ao receber o requerimento, o oficial o autuará e realizará a publicação de edital que divulgue a pretendida alteração do regime de bens no Diário de Justiça Eletrônico.

Parágrafo único. A partir da publicação, o oficial aguardará o prazo de 30 (trinta) dias e, após, encaminhará os autos ao Ministério Público e ao juiz competente.

Art. 864. Deverão as partes apresentar, juntamente com requerimento previsto no artigo 862, os seguintes documentos:

I – original da certidão de casamento, carteira de identidade e CPF dos interessados e cópia da identificação profissional do advogado assistente;

II – certidão do pacto antenupcial, emitida há no máximo 90 (noventa) dias, devidamente ratificada a vontade perante o oficial registrador, quando o novo regime não for o da comunhão parcial;

III – certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos 10 (dez) anos;

IV – certidão do distribuidor cível e execução fiscal estadual e federal do local de residência dos últimos 5 (cinco) anos;

V – certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos 5 (cinco) anos;

VI – certidão da Junta Comercial do Estado do local de residência dos últimos 10 (dez) anos.

Art. 865. Após manifestação ministerial e decisão do juiz competente, transitada em julgado, será averbada à margem do termo do casamento a alteração do regime de bens, com menção ao livro, folhas, termo e tabelionato em que lavrada a escritura de pacto antenupcial, bem como a data da sentença que deferiu o procedimento, conforme o caso.

§ 1º. Deverá constar, obrigatoriamente, no campo “observação” da certidão de casamento menção expressa à alteração do regime de bens, o regime inicialmente estabelecido entre os cônjuges, e que a alteração possui efeitos prospectivos, a contar da data da averbação do ato.

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§ 2º. Caso qualquer dos cônjuges seja empresário, competirá às partes, por seu advogado, solicitar ao juiz a expedição de mandado para averbação na Junta Comercial ou no registro civil das pessoas jurídicas e no registro de imóveis competente".

Como se observa da redação acima poderá haver casos onde a apreciação judicial restará dispensada: para tanto se faz necessário que o Juiz competente da Comarca estabeleça por PORTARIA quais serão as hipóteses de dispensa. Ademais, haverá necessidade de encartar no procedimento a necessária ESCRITURA DE PACTO PÓS NUPCIAL, lavrada em qualquer Cartório de Notas. Cabe ressaltar que, até onde se sabe, não contamos ainda com uma plataforma totalmente eletrônica junto ao RCPN para o protocolo de pedido dessa natureza, como acontece com outras atribuições extrajudiciais - como o Registro de Imóveis, o Registro de Títulos e Documentos e o Registro Civil das Pessoas Jurídicas, por exemplo.

Importa anotar também que há no Senado Federal em tramitação o PROJETO DE LEI 2569/2021 de autoria da Senadora SORAYA THRONICKE que propõe modificação no CPC/2015 e no CCB/2002 para permitir expressamente a ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS PELA VIA EXTRAJUDICIAL, inteiramente sem a necessidade de intervenção judicial. Aguardamos igualmente ansiosos a alteração do atual artigo 1.639 pela Comissão de Juristas (Ato 11/2023 de 24/08/2023) que tem a missão de revisar e atualizar o Código Civil - que até onde já sabemos trará a tão desejada extrajudicialização deste procedimento!

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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