A nova reforma tributária e os desafios no sistema federal brasileiro

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A discussão acerca da reforma tributária no Brasil se tornou um ponto central nas agendas políticas e econômicas do país. Com uma estrutura complexa e multifacetada, o sistema tributário brasileiro clama por mudanças que visem a simplificação e a eficiência. Entretanto, ao abordar essa temática, é imprescindível considerar os desafios inerentes ao sistema federal brasileiro, que distribui responsabilidades e competências entre União, estados e municípios.

O sistema tributário brasileiro é conhecido por sua elevada complexidade, com uma miríade de impostos, taxas e contribuições que muitas vezes se sobrepõem, criando um emaranhado difícil de ser decifrado pelos contribuintes. A carga tributária, por sua vez, é expressiva e impacta diretamente a atividade econômica, gerando debates sobre a necessidade de uma reforma que simplifique o sistema.

A estrutura federativa brasileira, fundamentada na autonomia de União, estados, municípios e Distrito Federal, impõe desafios particulares à reforma tributária, ao passo que a redistribuição de competências e receitas deve ser cuidadosamente equacionada, preservando a autonomia financeira dos entes federativos (Silveira; Passos; Guedes, 2018).

Surge, então, a necessidade de conciliar a simplificação do sistema com a garantia de recursos suficientes para que estados e municípios possam desempenhar suas funções, especialmente nas áreas cruciais de saúde, educação e segurança.

A busca por uma tributação mais equitativa é um dos princípios norteadores da reforma tributária, ao revisar isenções fiscais e criar mecanismos que evitem a regressividade do sistema, assegurando que a carga tributária seja distribuída de maneira justa entre os diferentes estratos da sociedade. A justiça fiscal não apenas promove a equidade social, mas também contribui para a estabilidade econômica e o fortalecimento do tecido social (Orair; Gobetti, 2018).

Outro ponto crucial na reforma tributária é a promoção da eficiência na gestão dos recursos arrecadados, uma vez que a transparência, a accountability e o combate à sonegação são elementos essenciais para garantir que os recursos sejam direcionados de forma eficaz, atendendo às demandas da sociedade e impulsionando o desenvolvimento econômico.

A promoção da eficiência não se resume apenas à arrecadação e alocação de recursos, mas também abrange a modernização dos processos e a adoção de tecnologias inovadoras, posto que a introdução de sistemas digitais avançados simplifica ainda mais a interação entre contribuintes e órgãos fiscais, reduzindo erros e agilizando procedimentos.

Além disso, no cerne dessa reforma, encontra-se o compromisso em simplificar o sistema tributário, eliminando burocracias desnecessárias e tornando o processo de arrecadação mais transparente. A simplificação não apenas reduzirá a carga administrativa sobre as empresas, mas também facilitará o cumprimento das obrigações fiscais, aumentando a conformidade e reduzindo a sonegação (Orair; Gobetti, 2018).

A implementação de uma reforma tributária bem-sucedida requer um diálogo construtivo entre os diversos atores envolvidos, sendo a participação ativa da sociedade civil, representantes dos entes federativos e especialistas, fundamental para que as mudanças propostas sejam legitimadas e considerem as nuances regionais (Afonso et al., 2000).

Nesse ínterim, há de se falar sobre o princípio da igualdade ou isonomia, o qual se traduz como uma pedra angular do ordenamento jurídico brasileiro e desempenha um papel crucial no âmbito do direito tributário.

Sua consagração na Constituição Federal de 1988 estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e, no contexto tributário, a garantia desse princípio implica em assegurar tratamento equitativo aos contribuintes, promovendo uma tributação justa e imparcial.

Para garantir a isonomia no direito tributário brasileiro, é fundamental que as normas fiscais sejam aplicadas de maneira uniforme a todos os contribuintes, sem favorecimentos ou discriminações, o que envolve a criação e aplicação de leis tributárias claras e objetivas, que não permitam interpretações arbitrárias ou discriminatórias por parte do fisco (Silveira; Passos; Guedes, 2018).

A progressividade na tributação é um instrumento que, quando utilizado de maneira adequada, contribui para a realização do princípio da igualdade, sendo a ideia por trás da progressividade a de que aqueles com maior capacidade econômica devem contribuir de forma mais significativa para os cofres públicos (Afonso et al., 2000). Dessa forma, a tributação sobre a renda e o patrimônio pode ser estruturada de maneira a refletir essa progressividade, buscando uma distribuição mais equitativa da carga tributária.

Outro ponto crucial para a garantia da isonomia é o combate à evasão fiscal e a adoção de medidas eficazes para coibir a elisão fiscal. Isso porque, quando não combatida de maneira efetiva, a evasão fiscal pode gerar situações de desigualdade, tendo em vista que alguns contribuintes podem escapar de suas responsabilidades tributárias, colocando um peso maior sobre aqueles que cumprem regularmente suas obrigações.

Outrossim, a transparência e a participação da sociedade na elaboração e fiscalização das políticas fiscais são pilares fundamentais para fortalecer a democracia e garantir que as decisões governamentais reflitam os interesses e necessidades da população. Quando se trata de questões fiscais, a transparência se manifesta na divulgação clara e acessível das informações sobre a arrecadação, alocação e utilização dos recursos públicos.

Isso se dá tendo em vista que a sociedade deve ter o direito de compreender como os impostos são aplicados e qual é o impacto dessas decisões em diversos setores, como saúde, educação e infraestrutura. Dessa forma, a transparência proporciona um maior entendimento, bem como empodera os cidadãos, permitindo que questionem, participem ativamente do debate público e exijam responsabilidade por parte dos órgãos governamentais (Pereira; Ferreira, 2010).

Os cidadãos devem ser envolvidos desde as fases iniciais do planejamento, proporcionando sugestões, críticas construtivas e contribuições para a formulação de políticas mais inclusivas e eficazes. Mecanismos como consultas públicas, audiências e fóruns de discussão podem ser estabelecidos para garantir que diferentes perspectivas sejam consideradas.

Além disso, a participação da sociedade na fiscalização das políticas fiscais atua como um controle democrático sobre o uso dos recursos públicos, uma vez que mecanismos de prestação de contas, auditorias independentes e o acesso facilitado a relatórios financeiros contribuem para criar um ambiente onde a transparência não é apenas um conceito, mas uma prática efetiva.

A interação constante entre governo e sociedade na esfera fiscal não apenas fortalece a confiança na administração pública, mas também gera um ambiente propício para a inovação e eficiência. Por conseguinte, a colaboração entre as partes interessadas cria políticas fiscais mais alinhadas com as reais necessidades da população, promovendo um ciclo virtuoso de engajamento cívico e responsabilidade governamental.

A construção de consensos, embasada em análises aprofundadas, é essencial para superar resistências e consolidar uma reforma que verdadeiramente atenda às demandas do país. A nova reforma tributária no Brasil emerge como um desafio complexo, exigindo não apenas a simplificação do sistema, mas também uma reavaliação das bases do sistema federal.

Equilibrar a autonomia dos entes federativos, promover a equidade na tributação e garantir a eficiência na gestão dos recursos são tarefas hercúleas, porém essenciais para construir um sistema tributário mais justo e eficiente. Somente por meio de um diálogo amplo, transparente e participativo, acredito que será possível forjar as bases de uma reforma tributária que promova o desenvolvimento sustentável e a justiça social no Brasil.

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Diante de todo o exposto, percebo que a mudança de competências no âmbito tributário desempenha um papel crucial na moldagem do modelo de desenvolvimento previsto na ordem econômica de um país. A tributação, ao ser redimensionada, tem o potencial tanto de impulsionar como de prejudicar o progresso econômico, dependendo das escolhas estratégicas e da eficácia na gestão dos recursos arrecadados.

A redistribuição de competências tributárias pode representar uma oportunidade para corrigir distorções e promover maior equidade na sociedade, pois, ao focar em políticas fiscais progressivas, que taxam proporcionalmente mais os segmentos de maior renda, é possível não apenas aumentar a receita, mas também reduzir as disparidades sociais.

Ao meu ver, essa abordagem se alinha com um modelo de desenvolvimento mais inclusivo, onde a riqueza é compartilhada de maneira mais justa, fortalecendo o tecido social e criando uma base sólida para o crescimento sustentável.

No entanto, é crucial considerar que a tributação excessiva ou inadequada pode agir como um entrave ao desenvolvimento econômico, haja vista que impostos elevados sobre a produção, investimentos e consumo podem desestimular a atividade empresarial e minar a competitividade do país no cenário global.

Nesse contexto, penso que a revisão de competências tributárias deve ser acompanhada por uma análise cuidadosa e ajustes equilibrados, evitando impactos negativos no ambiente de negócios e na atração de investimentos.

A eficiência na gestão dos recursos arrecadados é um fator crítico para determinar o sucesso da mudança de competências tributárias, pois, se os recursos forem alocados de maneira estratégica, direcionando investimentos para setores-chave como infraestrutura, educação e inovação, a tributação pode ser um catalisador positivo para o desenvolvimento econômico.

Por outro lado, se houver má gestão, desperdício e falta de transparência, a mudança de competências tributárias pode resultar em um modelo de desenvolvimento prejudicado, sem os benefícios esperados para a sociedade.

Desta feita, entendo que a mudança de competências tributárias é uma ferramenta poderosa que pode moldar significativamente o modelo de desenvolvimento econômico, uma vez que o equilíbrio entre a equidade na tributação, a promoção da atividade econômica e a eficiência na gestão dos recursos é essencial. Quando implementada com sabedoria e em sintonia com os objetivos sociais, a tributação pode ser um instrumento eficaz para construir uma economia mais justa, dinâmica e sustentável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AFONSO, José Roberto Rodrigues et al. A Tributação Brasileira e o Novo Ambiente Econômico: a tributação brasileira e o novo ambiente econômico. Revista do Bndes, Rio de Janeiro, v. 07, n. 13, p. 137-170, 2000. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/4750/3/RB%2013%20A%20Tributa%c3%a7%c3%a3o%20Brasileira%20e%20o%20novo%20Ambiente%20Econ%c3%b4mico_P.pdf. Acesso em: 01 dez. 2023.

ORAIR, Rodrigo; GOBETTI, Sérgio. Reforma tributária no Brasil: princípios norteadores e propostas para debate. Novos Estudos - Cebrap, [S.L.], v. 37, n. 1, p. 213-244, ago. 2018. Novos Estudos - CEBRAP. Disponível em: http://dx.doi.org/10.25091/s01013300201800020003. Acesso em: 01 dez. 2023.

PEREIRA, Ricardo A. de Castro; FERREIRA, Pedro Cavalcanti. Avaliação dos impactos macro-econômicos e de bem-estar da reforma tributária no Brasil. Revista Brasileira de Economia, [S.L.], v. 64, n. 2, p. 191-208, jun. 2010. FapUNIFESP (SciELO). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0034-71402010000200007. Acesso em: 01 dez. 2023.

SILVEIRA, Fernando Gaiger; PASSOS, Luana; GUEDES, Dyeggo Rocha. Reforma tributária no Brasil: por onde começar?. Saúde em Debate, [S.L.], v. 42, n. 3, p. 212-225, nov. 2018. FapUNIFESP (SciELO). Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s316. Acesso em: 01 dez. 2023.

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