Overbooking é Uma Prática Aceitável?

03/04/2024 às 15:49
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O instituto do overbooking, que consiste na elevada venda de bilhetes aéreos além da capacidade disponível da aeronave, ou seja, as companhias aéreas vendem mais passagens que necessárias para a ocupação de suas aeronaves.

Essa prática é recorrente entre as empresas de transporte aéreo, pois, é uma tática para obterem lucros e não terem prejuízo por realizar o trajeto com assentos vazios, uma vez que pode ser infausto para as empresas aéreas e inoperante ter que deslocar pelas aerovias causando prejuízo de receita.

Ocorre que, as empresas quando vendem a total capacidade de suas praças às pessoas que se tornam seus passageiros, se algum desses passageiros não comparecer ao voo, causando o denominado no-show (passageiro ausente), a empresa de transporte aéreo não é acometida com o prejuízo pela ausência desse passageiro, pois, sua passagem só foi gerada após o pagamento realizado pelo passageiro.

Nessa perspectiva, não há prejuízo do transportador aéreo!

Assim, caso o passageiro tenha optado em se deslocar por outro meio ou desistiu de viajar, esse valor não é ressarcido se quedando, no entanto, com a empresa aérea, o argumento da empresa aérea de que se houver assentos vazios ficaria com prejuízo do não comparecimento do passageiro para embarque é frágil e inconsistente.

Com efeito, se o transportador aéreo vender além dos bilhetes dispostos de sua capacidade e todos os passageiros resolverem comparecer para o embarque, alguém sairá prejudicado, logo não realizará o embarque, ou seja, esse passageiro não terá seu contrato de transporte aéreo adimplido por parte do fornecedor, que fere inclusive a ética e a justiça, como explica Aristóteles a seu filho Nicômaco. Vejamos:

“O justo é, portanto, o proporcional e o injusto aquilo que transgride a proporção. Pode-se, assim, incorrer no excesso ou na deficiência, o que é realmente o que ocorre na prática. Com efeito, quando a injustiça é cometida, aquele que a comete está de posse desse bem em excesso, enquanto a vítima de injustiça está de posse desse bem de modo deficiente ou insuficiente. (...).” (ética a Nicômaco / Aristóteles; tradução, textos adicionais e notas Edson Bini – 4. ed. – São Paulo: Edipro, 2014; p. 189)

Percebe-se que no ano 350 a.C. Aristóteles já explicava para seu filho Nicômaco, a injustiça que é uma vertente da antiética no que tange aos excessos, sendo esse tema muito atual qual é frequentemente reverberado pela prática do overbooking.

Nessa mesma linha de raciocínio temos os esclarecimentos da autora Madelyane Regina de Ceita Souza Vera Cruz ao afirmar que “A prática do overselling levanta questões éticas no setor de aviação, pois envolve a violação e obrigações contratuais estabelecidas e coloca em risco o princípio da segurança e certeza jurídica.” (Vera Cruz 2023, p. 150).

A autora acima referida, intitula seu artigo como um ato ilícito no contrato de transporte aéreo, ante esse pressuposto que passaremos a demonstrar que tal prática infringe diretamente o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 14, sendo a responsabilidade do fornecedor objetiva, ou seja, apenas havendo o nexo de causalidade entre o fato e o fornecedor, assim dita o art. 14, a saber:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...)”.

Nesse mesmo sentido temos a existência de diversos julgados, dentro dos quais destacamos: Apelação Cível: AC 1013822-27.2019.8.26.0114 SP 1013822-27.2019.8.26.0114 do Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP:

“Prejuízos devidamente comprovados. Questão incontroversa. Ressarcimento devido. DANO MORAL. Alegação de prática lícita do "overbooking". Inadmissibilidade. Fortuito interno. Fato previsível que integra o risco da atividade explorada pela companhia aérea, que não exclui sua responsabilidade, que, na hipótese, é objetiva, a teor do disposto no artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor. Falha na prestação dos serviços configurada. Dano moral caracterizado e incontroverso. Dano "in re ipsa". (...)”

Nota-se que a empresa aérea fica obrigada a pagar indenização por violar o direito básico do consumidor que ter o serviço prestado por ela, qual foi contratada para prestar, se caracteriza, portanto, dolo presumido, onde as empresas aéreas sabem que irá lesar o direito consumerista, mesmo assim prática tal ilicitude.

Ademais, se a intenção da empresa aérea é realizar vendas acima do limite da capacidade de assentos para obter lucro e economizar, e se todos os passageiros lesados por essa prática procurar tutela no poder judiciário, essa aparente economia se torna em vão, pois, os gastos com serviços advocatícios e indenizações superam as economias que as empresas aéreas pretendem com o overbooking.

Por fim, é conveniente afirmar que o Estado deve tutelar e proteger a defesa do consumidor, como ensina a Constituição Federal em seu texto originário. “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumido.”.

Assim, extrai-se do texto Constitucional, uma interpretação extensiva, onde o Estado deve promover meios que não visa apenas proteger os consumidores nas relações contratuais para com os fornecedores, mas, também promover educação e orientação para que os fornecedores parem de praticar atos que lesam os consumidores.

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REFERÊNCIAS

  • Ética a Nicômaco / Aristóteles; tradução, textos adicionais e notas Edson Bini – 4. ed. – São Paulo: Edipro, 2014; (Série Clássicos Edipro) p. 390.

  • Natal, Paulo Henrique Stahlberg, Temas atuais de Direito Aeronáutico / Paulo Henrique Stahlberg; Natal, Alessandro Leander. – 1. ed. – Belo Hoprizonte, São Paulo: D´Plácido, 2023. p 390.

  • BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1990.

  • TJ-SP - AC: 10138222720198260114 SP 1013822-27.2019.8.26.0114, Relator: JAIRO BRAZIL FONTES OLIVEIRA, Data de Julgamento: 17/11/2020, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/11/2020, Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1126869760>. Acesso em 02/04/2024.

  • BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em 02/04/2024.

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