A impossibilidade da 'Paz Perpétua' nas democracias

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Ou a dignidade humana é um fim em si mesmo, ou ela pode ser relativizada. Não há meio-temo.

Iniciarei pelo Tribunal de Nuremberg. Sem qualquer objeção, quanto ao surgimento de uma nova política internacional [Direito Internacional Público (DIP)] de proteção da vida humana, ou melhor, da dignidade humana, o Tribunal de Nuremberg é o marco zero em defesa da dignidade frente ao poder do Estado e de grupos que controlam as instituições do Estado. Podemos questionar, assim como foi questionada na época, sobre a “imparcialidade” dos Aliados ao condenarem os réus nazistas.

O bombardeio da cidade alemã Dresden (1) é uma profunda mácula para os Aliados.

Quase 25 mil pessoas, destruindo o centro da cidade, sugando o oxigênio do ar e sufocando aqueles que tentavam escapar das chamas.

A duas ogivas nucleares lançadas sobre o Japão é outra mácula, no caso, dos EUA. Até os anos de 1990, nos países democráticos como EUA e Inglaterra, os direitos civis e políticos das “minorias” — gays, mulheres, negros (as) — foram violados. Na Guerra Fria importava mais as propagandas dos Estados do que a defesa da dignidade humana. Dois pactos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Ambos foram adotados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966. As promulgações ocorreram em 1966 e entraram em vigor em 1976. Os dois pactos são documentos internacionais que compõem a Carta Internacional dos Direitos Humanos. Por questões ideológicas, as aplicações dos pactos: no bloco capitalista (democracia), a aplicação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP); no bloco “comunista” (não democrático), a aplicação do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).

Antes da queda do Muro de Berlim, em 1989, com significado do fim da Guerra Fria, entre EUA e União Soviética, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador). O Protocolo de San Salvador foi adotado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1988, para completar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José). Enquanto o PIDCP garante os direitos civis e políticos, para a dignidade humana, indiferente quanto à sexualidade, à ideologia política, à crença religiosa, etc., o PIDESC garante, para a dignidade humana, também indiferente quanto à sexualidade, à ideologia política, à crença religiosa, etc., direitos como direito à saúde, direito ao trabalho digno, direito à alimentação, etc.

Percebeu-se que não bastava tão somente assegurar os direitos civis e políticos das “minorias” — etnia, religião, orientação sexual, condição socioeconômico, ideologia política, estrutura familiar, tradição cultural, etc. —, também, garantir que as “minorias” alcançassem dignidade. É importante esclarecer sobre o termo “minorias”. Não se trata de quantidade de seres humanos, trata-se das estruturas de poder de uma sociedade. No nazismo, temos o exemplo das estruturas de poder de uma sociedade (nazificada) sobre seres humanos não condizentes para serem nazistas. Outro exemplo, a África durante o apartheid. A maioria (quantidade) era composta por não negros, mas, pelas estruturas de poder da sociedade, não negra, os negros sofriam racismo; não existiam os mesmos direitos civis e políticos entre brancos e negros. Esses eram coisificados, instrumentalizados para as pessoas não negras.

No Brasil, mesmo com a miscigenação, a etnia negra também, por séculos, teve os direitos civis e políticos relativizados pela “maioria”. Qual “maioria” se houve miscigenação no Brasil? Bem diferente dos EUA, cujas leis garantiram a eugenia, no Brasil houve a “educação eugênica” (art. 138, “b” da Constituição de 1934), o Brasil não discriminou pela característica genética, mas fenotípica. Em 2007, o site BBC BRASIL publicou matéria sobre análise do seu DNA. Dentre as celebridades, “Luiz Antônio Feliciano Marcondes, o Neguinho, têm origem na Europa e apenas 31,5%, na África” (2).

Na Alemanha nazista houve a lei de segregação racial, para garantir a “pureza” .da Raça Ariana. A Lei de Proteção do Sangue Alemão e da Honra Alemã, promulgada em setembro de 1935, conhecida como Leis de Nuremberg, foi uma série de leis antissemitas que estabeleceram as bases legais para a discriminação racial e a perseguição dos judeus na Alemanha. A Leis de Nuremberg proibiu o casamento e as relações sexuais entre alemães “arianos” e judeus. A Lei de Cidadania do Reich negava a cidadania alemã aos judeus e os classificava como súditos do Estado, privando-os de muitos direitos civis. Conclusão é óbvia, pode-se, através do Estado e do Direito, garantir segregação racial, limitando ou extinguido, totalmente, s direitos civis e políticos. Outra maneira de se garantir segregação racial, mediante privilégios, principalmente econômicos, para determinadas comunidades humanas, é através da não aplicação dos direitos sociais, econômicos e culturais.

Não se pode demonizar a rede mundial de computadores. Por exemplo, a Primavera Árabe. Foi através da internet que ocorreram organização, mobilização e divulgação de informação para coordenações de protestos contra regimes opressores, no Oriente Médio e Norte da África. Plataformas como Facebook, Twitter, agora se chama “X”, e YouTube, foram usadas pelos ativistas contra os regimes opressores da época. Tudo ocorreu entre os anos de 2010 e 2011. Outro exemplo, a Revolução dos Guarda-Chuvas em Hong Kong. As redes sociais foram usadas pelos manifestantes para organizarem protestos a favor da instalação de regime político democrático. WhatsApp e Telegram foram as redes usadas pelos manifestantes.

É necessário compreender que a rede mundial de computadores fora criada para disseminar conhecimentos, pela facilidade de se encontrar informações. Estados não democráticos controlam as informações como meio de perpetuação de poder, como ocorrem na Coreia do Norte, China, Rússia. Estados democráticos, supostamente, garantem a liberdade de expressão para garantir a liberdade individual contra a arbitrariedade do Estado e de qualquer comunidade humana que queira tomar os poderes do Estado para criar discriminações, isto é, limitar ou extinguir os direitos civis e políticos. Exemplo de limitação de direito civil, de forma democrática, é o projeto (Projeto de Lei 580/07) que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo (3). É clara resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) quando este garantiu (constitucionalidade) a união homoafetiva. Antes da decisão, em 2011, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre constitucionalidade da união homoafetiva, o Projeto de Lei 580/2007 (4) “antiunião homoafetiva”:

PROJETO DE LEI Nº DE 2009.

(Dos Senhores Paes de Lira e Capitão Assumção)

Altera o art. 1.521 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil.

O Congresso Nacional Decreta:

Art. 1º Esta lei altera a redação do art.. 1.521 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, do Código Civil.

Art. 2º O art. 1.521 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.521...................................................................................

Parágrafo único. Nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar.” (NR)

Art. 3º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

Este projeto deseja aclarar, de uma vez por todas, a situação de direitos de pessoas do mesmo sexo, em relação à família e ao casamento.

Preliminarmente, queremos deixar bem claro que não existe de nossa parte a intenção de discriminar ou violar direitos materiais de qualquer pessoa, pois esta atitude viria chocar-se aos valores cristãos dos autores e seria uma negativa, mas, ao mesmo tempo, temos que sair em defesa desses mesmos valores para manter a coerência de atitude e respeito à vontade do povo que nos elegeu.

Como o Brasil é um Estado Democrático de Direito, temos que utilizar esses princípios para fazer valer o que cremos ser a convicção majoritária dos integrantes dessa sociedade, uma vez que na democracia deve prevalecer a vontade do povo, que se expressa de forma direta e de forma indireta, através de seus representantes.

Assim, qualquer proposição a ser apresentada, nesta Casa de leis, deve observar os princípios constitucionais, dentre eles as chamadas cláusulas pétreas, aqueles dispositivos explícitos ou implícitos que somente podem ser alterados, com tendência a aboli-los, diante de um novo Poder Constituinte Originário.

Independentemente de qualquer credo, buscando os registros da história da humanidade, verifica-se que nenhuma sociedade subsiste, ou subsistiu, sem a célula mater denominada família. Por outro lado, todas as sociedades que foram extintas, o foram devido à perda dos valores morais e familiares.

O Brasil, desde sua constituição e como nação cristã, embora obedeça ao princípio da laicidade, mantém, na própria Constituição e nas leis, os valores da família, decorrentes da cultura de seu povo e do Direito Natural.

Nesse sentido, ao dispor sobre a família, estatui a Carta Magna:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

(...)

Quando a Constituição remete à lei a competência para dispor sobre os efeitos civis do casamento religioso, por simples hermenêutica, resta claro que a própria Constituição mitiga a tese do Estado laico. Ante as referencias constitucionais supracitadas, não pode haver outro entendimento, senão no sentido de que família é a união entre homem e mulher. Assim, qualquer diploma legal que dê tratamento diferente à entidade familiar está eivado de inconstitucionalidade e deve ser banido do ordenamento jurídico pátrio. (grifos do autor).

A limitação do direito civil é a limitação da liberdade individual, no caso, a supressão da liberdade individual pelo Estado aos seres humanos não heterossexuais. Numa análise positivista (positivismo jurídico) temos a aplicação da Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen. Pele literalidade da norma do Art. 226, § 3º, da CRFB de 1988, o casamento, somente pode ser, entre homem e mulher, ou seja, heterossexuais. Não se trata da vontade, pela concepção sociológica da constituição, de Ferdinand Lassalle, da sociedade — em achar se é moral, amoral ou imoral —, mas da norma, literalidade, jurídica constitucional. Segundo kelsen, a Constituição é a lei suprema do ordenamento jurídico de um Estado. Pela literalidade da norma do Art. 226, § 3º, da CRFB de 1988, sem qualquer apelação para a tradição — valores sociais como moral, imoral ou amoral —, a união homoafetiva é proibida, por ser inconstitucional. Disso, para uma lei ser válida, constitucionalmente, a lei precisa ser compatível, a constitucionalidade da lei, com a norma do Art. 226, § 3º, da CRFB de 1988: casamento entre homem e mulher, cisgêneros. Importante! Pela Teoria Pura do Direito, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à união homoafetiva é válida, por autêntica interpretação da Constituição (Arts. 1º, III, 3º, I e IV).

Pela concepção política de Carl Smith, sobre a Constituição, a Constituição é uma decisão política fundamental. A norma do Art. 226, § 3º, da CRFB de 1988, representa uma decisão, na época, política, e deve ser defendida. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ao permitir a união homoafetiva viola a decisão política fundamental da norma do Art. 226, § 3º, da CRFB de 1988, ou seja, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) é uma usurpação de poder pelo Judiciário, por este não ter competência para alterar a Constituição (a literalidade da redação da norma do Art. 226, § 3º).

Do ponto de vista, quanto às concepções da Constituição, do Projeto de Lei 580/2007, os motivos para a proibição do casamento entre seres humanos não heterossexuais podem ser justificados pela concepção política de Carl Schmitt, pela concepção sociológica de Ferdinandi Lassalle e pela concepção jurídica de Hans Kelsen. Nessa concepção, a separação entre Direito e moral. A proibição da união homoafetiva em nada tem a ver com o aspecto moral da tradição judaico-cristã presente no Projeto de Lei, mas a validade da norma jurídica e sua conformidade como sistema jurídico. Assim, uma norma jurídica é válida se for conforme ao ordenamento jurídico do Estado que foi promulgada: o processo legislativo. Para que uma lei federal faça parte do sistema jurídico, isto é, ser válida constitucionalmente, necessita ser aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. Na concepção sociológica de Ferdinandi Lassalle, o Projeto de Lei é um reflexo social e político, reivindicatório, dos cidadãos de tradição judaico-cristã.

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Notem. É possível outra interpretação quanto à concepção sociológica. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) é um reflexo social e político, reivindicatório, da comunidade [Lésbicas; Gays; Bissexuais; Transexuais, Transgêneros, Travestis; Queer; Intersexo; Assexual; Pansexualidade; "+": Demais orientações sexuais e identidades de gênero. (LGBTQIAP+)] , quantos aos seus direitos civis.

Pós-positivismo e neoconstitucionalismo. Como Lassale, Schmitt e Kelsen analisariam pós-positivismo e neoconstitucionalismo? Isso merece outro artigo.

CONCLUSÕES

É possível aplicar o positivismo jurídico, concepção jurídica, para garantir dignidade humana, ou para violá-la. O mesmo para a concepção sociológica e concepção política. Tudo depende da intenção. Os motivos pode ser vários, importa a intenção: democracia humanística ou democracia supressora da liberdade individual?

Como dito, a rede mundial de computadores garante tanto a democracia humanística quanto o enfraquecimento da democracia humanística. É possível desconstruir para construir uma narrativa em favor de opressões à liberdade individual. Essa opressão não necessita ser através de armas bélicas, pode ser através de ideologia construída por desconstextualização. John Locke disse, mas quem narra pode não dizer tudo sobre Locke. Pode tão somente contar fragmento do pensamento de Locke, de forma a atestar uma "veracidade". Em um artigo, não é possível explanar todo o pensamento de Locke. Não há intenção de se omitir, mas impossibilidade, não ser cansativo.

As redes sociais servem muito bem para desconstextualizações. Se antes a redes sociais serviam para combater tiranias, opressores, atualmente servem para fomentos aos opressores e tiranos. É necessário que cada poder da República não permita um novo 08/01/2023, em Brasília, para impossibilitar um estado de coisa justificado de "legalidade" — cito Hans Kelsen sobre a ordem jurídica. Deve ou não as redes sociais serem regulamentadas? Qualquer ação humana, fora ou dentro do mundo virtual, é regulamentada. Cabe danos morais às atividades humanas dentro e fora do mundo virtual. Constitui crime qualquer ação humana contra a abolição da democracia, dentro ou fora do mundo virtual. A dignidade humana e o Estado Democrático de Direito encontram proteções no Direito Internacional Público (DIP) e no Direito Internacional Privado (DIP).

NOTAS:

(1) — BBC BRASIL. 75 anos do bombardeio de Dresden: por que Aliados foram criticados pela destruição da cidade histórica alemã. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-51486829

(2) — _________. Neguinho da Beija-Flor tem mais gene europeu. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2007/05/070424_dna_neguinho_cg

(3) — BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão aprova projeto que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1006272-comissao-aprova-projeto-que-proibe-o-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo/

(4) — ______________________________. PROJETO DE LEI Nº DE 2009. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=653047

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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