Em mais um ensaio acerca dos temas que envolvem a extensão do quórum de julgamento prevista no artigo 942, do Código de Processo Civil, deixaremos de lado os embargos de declaração (1) para falar acerca de interessante hipótese de cabimento da técnica processual no julgamento de agravo de instrumento.
Em que pese desenvolvida para o recurso de apelação, a Lei Processual de regência prevê a sua aplicação em duas exceções, na ação rescisória e no agravo de instrumento, nos termos do parágrafo 3°, do artigo 942.
É cediço que o recurso de agravo de instrumento restou regulamentado em hipóteses de cabimento específicas, adotando, o CPC, um sistema de preclusões diferidas: caso a recorribilidade da interlocutória não encontre-se prevista nos incisos do artigo 1.015, não restará preclusa a matéria, passível de alegação em preliminar de apelação ou em contrarrazões (2).
Isso, no intuito de se desafogar os tribunais de segundo grau, por opção política e sistemática do legislador, relegando uma série de matérias ao recurso de apelação, devendo ser apreciadas com outras matérias provenientes da sentença, o que diminuiria bastante o número de agravos perante aquelas cortes.
Interessantes questões surgem junto a esse sistema de preclusão diferida, desbordantes dos limites desse artigo, como por exemplo: se com a prolação da sentença o agravo de instrumento pendente de julgamento necessariamente perderia seu objeto.
Ocorre que, o Superior Tribunal de Justiça fixando tese que mitigou a taxatividade do rol do artigo 1.015, do CPC (3), trouxe antigo problema ao passo que demonstrada urgência da inutilidade do julgamento da matéria em recurso de apelação, seria possível a interposição do agravo.
Ocorre que, a demonstração da urgência da inutilidade do julgamento da matéria em recurso de apelação se revela algo demasiadamente indeterminado. O que é urgente para um julgador pode não ser para outro, o que atribui a tese um ar discricionário, indo de encontro ao literalmente almejado pelo legislador. Não há uma baliza objetiva na tese.
Pois bem. A Lei Processual é clara ao mencionar que incidirá a técnica de julgamento ampliado quando houver a reforma, pelo tribunal, de decisão interlocutória que julgar parcialmente o mérito. O dispositivo se refere apenas àquelas decisões proferidas nos moldes do artigo 354 e 356, do CPC?
Os referidos artigos não deixam dúvidas ao expor que o juiz está autorizado a 1) indeferir ou extinguir, ainda que parcialmente, a petição inicial, no que caberá agravo de instrumento, conforme enunciado 154 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis e 2) julgar antecipadamente (anteriormente à sentença) o mérito quando um ou mais pedidos se mostrarem incontroversos.
Logo, essa técnica de julgamento tem de estar relacionada aos pedidos formulados pelo autor em petição inicial ou pelo réu em reconvenção. Do mesmo modo, caso revele-se possível, poderá julgar liminarmente improcedente determinado pedido.
Além disso, podemos incluir como decisões de mérito autorizadoras do manejo do agravo de instrumento aquelas que decretam a dissolução parcial da sociedade postergando o exame quanto aos haveres e o pronunciamento que rejeita alegação de prescrição e decadência. Outrossim, podemos citar a decisão que indefere homologação de acordo.
Aproximando-me da matéria central do artigo, indago se seria possível a extensão da classificação como decisão de mérito para os incidentes processuais, aqueles que trazem ao processo questões com carga lateral e acessória, mas que certamente devem ser examinadas antes do pronunciamento final.
Em outras palavras, todas as questões de mérito capazes de formar coisa julgada durante a tramitação processual são passíveis de recurso via agravo de instrumento.
Ocorre que, os incidentes processuais via de regra não dizem respeito ao mérito da demanda, mas acerca de questões acessórias e laterais que devem ser sanadas antes do julgamento final, servem para perfectibilizar a condução processual e atingir uma atividade jurisdicional livre de vícios e defeitos.
Basicamente dizem respeito a questões secundárias que precisam ser decididas no bojo dos autos, sem que seja necessário a formação de um novo processo. Podemos citar alguns exemplos como o incidente de suspeição e impedimento, além do incidente de conflito de competência.
Nesses casos, ainda que haja a urgência da inutilidade de apreciação somente em fase de recurso de apelação, eventual agravo de instrumento não versaria sobre o mérito do processo, o que inviabilizaria a extensão do quórum prevista na Lei Processual Civil de regência.
Porém, apesar de conceituado como incidente processual e detalhadamente regulamentada a sua instauração e julgamento pelo CPC (4), a situação se diferencia quando nos referimos ao agravo de instrumento que verse acerca do incidente da desconsideração da personalidade jurídica.
Vejamos recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp 2.120.429/SP), ementada nos seguintes termos:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NATUREZA JURÍDICA. AÇÃO INCIDENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO POR MAIORIA. DECISÃO DE MÉRITO. REFORMA. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. APLICABILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITO DEVOLUTIVO. LIMITAÇÃO.
1. A controvérsia dos autos resume-se a aferir se o procedimento
estabelecido pelo art. 942 do CPC/2015 (técnica de ampliação do colegiado) possui incidência no caso concreto.
2. O julgamento de agravo de instrumento que, por maioria, reforma decisão proferida em incidente de desconsideração (direta ou inversa) da personalidade jurídica inclui-se na regra legal de aplicação da técnica de ampliação do colegiado prevista no art. 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015, por se tratar de decisão de mérito.
3. O efeito devolutivo do agravo de instrumento está limitado às questões resolvidas pela decisão agravada, visto que tal recurso devolve ao tribunal apenas o conteúdo das decisões interlocutórias impugnadas.
4. Recurso especial provido.
Ora, há expressa previsão do cabimento de interposição de agravo de instrumento em hipóteses que digam respeito ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, consoante os dizeres do artigo 1.015, IV, do CPC.
Porém, o que se almeja saber é se o julgamento acerca da matéria pelo tribunal, caso não unânime, seria passível da técnica de ampliação de quórum, já que o dispositivo legal autorizador faz expressa menção sobre reformar decisão interlocutória que julgar parcialmente o mérito.
Aliás, como já restou decido pela mesma Corte de Justiça, o julgamento de incidente que ostente natureza de verdadeira ação incidental e não mero e simples incidente processual típico, deverá ter ampliado o quórum em caso de julgamento por maioria, como no do incidente de impugnação do crédito na recuperação judicial (5), bem como no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, seja ela convencional ou inversa.
O incidente da desconsideração da personalidade jurídica é instrumento processual utilizado em larga escala, no qual é possível atribuir responsabilidade patrimonial a sujeitos por dívidas contraídas por outros, em decorrência de atos objetivos aos olhos da lei.
Isso se dá, na medida em que pessoas físicas ou jurídicas se eximem de arcarem com seus compromissos, praticando atos lícitos, pautados em desvio de finalidade (6) e confusão patrimonial, quando será possível, por meio da instauração de um incidente processual, a responsabilização de terceiros pelas obrigações contraídas.
Vale menção o fato de que apenas não será necessária a instauração do incidente quando a desconsideração for requerida junto a petição inicial.
Nota-se que o incidente possui um alto grau de utilização em processos de conhecimento, além de ser bastante referenciado em fase de cumprimento de sentença ou processos executivos autônomos, constituindo-se em eficaz mecanismo processual visando e forçando o cumprimento da obrigação por terceiros, de alguma forma, ligados àquela relação jurídica.
Em razão disso, o legislador, por prudência, criou um procedimento que deve ser observado para a instauração e processamento do incidente, com pedido inicial, citação dos indicados como responsáveis, apresentação de defesa, produção de provas, sendo decidido, ao final, por pronunciamento interlocutório do juiz e decisão monocrática no caso do relator.
Além disso, é considerada verdadeira demanda incidental com pretensão resistida e litigiosa, apta a ampliar o polo passivo da demanda, que a depender do resultado pode ainda ensejar a condenação em honorários advocatícios.
Reconheceu-se a possibilidade de fixação da verba honorária no caso de improcedência do requerimento de instauração do incidente, ante a contratação de defesa e o trabalho desenvolvido pelo advogado dos requeridos.(7)
Portanto, não há que se questionar acerca da natureza de mérito do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, que, muito mais que um mero incidente processual, consubstancia-se em verdadeira demanda incidental com forças para atingir novos integrantes, trazendo-os para o polo passivo da ação.
Destarte, no caso em estudo é indispensável que haja a aplicação automática da técnica de julgamento ampliado ao agravo. Vale lembrar que essa técnica reveste-se de absoluta importância, ao passo que dois desembargadores (via de regra com vasta experiência jurídica) serão convocados para compor o quórum e participar da sessão, sendo capazes de alterar o resultado anterior, bem como influir na opinião e convencimento daqueles que já tenham proferido voto, que pode ser até a proclamação do resultado final.
A guisa de conclusão, não há dúvidas acerca do cabimento do recurso de agravo de instrumento para decisões que versem acerca da desconsideração da personalidade jurídica.
Porém, deve-se deixar claro, em decorrência da sua natureza de mérito e não mero incidente, que a técnica de ampliação do quórum deve ser aplicada ao seu julgamento, o que defere uma nova dinâmica à sessão, passível de reversão do resultado obtido por maioria e sendo enriquecido pela entrada e argumentação de novos julgadores, o que imprime uma soma ao debate.
Esse é o padrão decisório seguido, até então, pelo STJ, para quem o julgamento de agravos de instrumento que dizem respeito a incidentes processuais que mais se assemelham a ações incidentais devem obedecer e respeitar os dizeres do artigo 942 do CPC.
Com isso, agravos que versem acerca de tão importante matéria (desconsideração da personalidade jurídica), pela complexidade procedimental além de envolver terceiros, deverão ter um julgamento qualificado, o que atribui riqueza ao debate, bem como exige dos advogados atenção e estudo objetivando a constante atualização dos posicionamentos sobre técnicas que podem favorecer seus clientes.
Vale lembrar que as posições firmadas ante questões que envolvem a técnica do colegiado ampliado não estão claramente resolvidas na lei, sendo fruto de interpretação jurisprudencial, como no presente caso.
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https://www.conjur.com.br/2023-out-31/moraes-oliveira-extensao-quorum-embargos-declaracao/ e https://www.conjur.com.br/2023-nov-13/moraes-oliveira-artigo-942-do-cpc-parte-2/
Artigo 1.009, parágrafo 1°, do CPC
Tema Repetitivo 988, do STJ
Artigos 133/137, do CPC
REsp 1.797.866/SP
RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, O novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor – Pontos de convergência, in RDC 48/64
REsp 1.925.959/SP.