Requisitos do contrato de alienação fiduciária de bens imóveis

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18/04/2024 às 16:27
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SUMÁRIO

Introdução; 1. Lei 9.514 de 1997; 2. Valor do principal da dívida, prazos, condições de pagamento, taxas de juros, e encargos incidentes; 3. Clausula de constituição da propriedade fiduciária; 4. Clausula de livre utilização do bem pelo fiduciante e indicação do valor para fins de leilão.

RESUMO

Este artigo científico tem como intenção analisar os requisitos essenciais no contrato de alienação fiduciária de bens imóveis, sendo este um importante instituto jurídico com implicações significativas no contexto do Direito, além do grande impacto que gera na economia nacional. E consoante aos preceitos do direito, considerando as leis e doutrinas que ramificam entre as áreas, e se cruzam de forma imprescindível, a presente análise busca satisfazer e responder o que se faz necessário para aplicação desse instituto. Onde são detalhados os requisitos do contrato de alienação fiduciária, incluindo valores, prazos, condições de pagamento e cláusulas cruciais para sua aplicação na legislação brasileira.

Palavras-chave: Alienação fiduciária de bens imóveis. Cláusulas contratuais.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como pretensão compreender com base na Jurisprudência e doutrina os requisitos do contrato de alienação fiduciária de bens imóveis no contexto do Direito brasileiro.

A alienação fiduciária de bens imóveis é um tema de grande relevância no âmbito do Direito, que combina elementos históricos, teóricos e práticos, influenciados por diversas tradições jurídicas ao longo dos séculos.

Como objetivo geral investigar os elementos fundamentais que compõem esse instituto, para efetiva aplicação, em detalhes os requisitos do contrato de alienação fiduciária, com foco nas cláusulas essenciais e suas implicações para as partes envolvidas.

Essa investigação busca delimitar os requisitos essenciais da Lei n° 9.514 de 20 de novembro de 1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e institui a alienação fiduciária de coisa imóvel no direito brasileiro. Delimitando a dúvida investigativa, como problema principal da pesquisa, identificar os requisitos essenciais para o contrato de alienação fiduciária de bens imóveis.

Para tanto foi utilizado como método de pesquisa o indutivo e como técnicas, a do referente, da categoria, da revisão bibliográfica e a do fichamento.

  1. LEI 9.514 DE 1997

A alienação fiduciária de bens imóveis é conhecida por sua simplicidade na contratação e na eficiência da execução extrajudicial, tornando-se um instrumento fundamental para garantir transações nos mercados financeiro, de capitais e outros setores. No entanto, na prática, existem aspectos estratégicos que podem ser complexos e exigem uma abordagem cuidadosa e equilibrada.

O primeiro desses aspectos é a estrita conformidade com os requisitos de validade e as cláusulas obrigatórias e essenciais do contrato de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia.

Qualquer descuido na elaboração do contrato pode resultar na interrupção do negócio jurídico e atrasar a constituição da garantia. Isso pode ocorrer devido à qualificação negativa do título pelo Oficial de Registro de Imóveis ou, em casos mais graves, à sua inadequação como título executivo extrajudicial. Essa situação pode sujeitar o contrato a ações judiciais demoradas para o seu cumprimento e a subsequente execução. Isso vai contra o objetivo de agilidade e simplicidade desejado para esse tipo de transação2.

A Lei 9.514/19973, em seu artigo 24, é precisa ao listar os requisitos fundamentais do contrato que formaliza a alienação fiduciária em garantia. Veja-se o que a lei estabelece:

Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:
I - o valor do principal da dívida;

II - o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário;

III - a taxa de juros e os encargos incidentes;

IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;

V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;

VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;

VII - a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.

§ 1º  Caso o valor do imóvel convencionado pelas partes nos termos do inciso VI do caput seja inferior ao utilizado pelo órgão competente como base de cálculo para a apuração do imposto sobre transmissão inter vivos, exigível por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, este último será o valor mínimo para efeito de venda do imóvel no primeiro leilão.

§ 2º  Nos contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária em garantia, caberá ao fiduciante a obrigação de arcar com o custo do pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU incidente sobre o bem e das taxas condominiais existentes. 

Um dos princípios mais fundamentais e eficazes no registro de imóveis é o princípio da especialidade. Esse princípio pode ser subdividido em três aspectos: a especialidade objetiva, que se refere à precisa identificação do imóvel; a especialidade subjetiva, que envolve a correta qualificação das partes envolvidas no direito real imobiliário; e a especialidade do fato jurídico, que exige uma descrição detalhada de todos os elementos necessários para caracterizar o negócio jurídico que será registrado4.

No contexto da alienação fiduciária em garantia de bens imóveis, é o artigo 24 da Lei 9.514/1997 que estabelece os requisitos essenciais para especializar esse negócio jurídico imobiliário. Esses elementos são absolutamente necessários para que o contrato seja aceito e registrado no Registro de Imóveis. Eles representam os requisitos mínimos para o contrato ser considerado válido e eficaz.

DANTAS, ao abordar os elementos fundamentais para a formação dos contratos que envolvem garantias tradicionais, como penhor, hipoteca e anticrese, destacou a importância de cumprir rigorosamente esses requisitos. Caso algum deles seja omitido no contrato, a garantia real não terá validade perante terceiros, e o direito real associado a ela não será estabelecido. Em outras palavras, a correta documentação e observância desses requisitos são essenciais para garantir a eficácia e a validade da garantia junto a terceiros5.

JUNQUEIRA também enfatiza que todos os elementos estipulados pelo artigo 24 da Lei 9.514/1997 são de caráter obrigatório e devem estar presentes no contrato, incluindo o prazo de carência mencionado no parágrafo 2° do artigo 26. Esses requisitos são cruciais para garantir a validade do título que estabelece a propriedade fiduciária. Portanto, é fundamental que todas as partes envolvidas, bem como notários e registros de imóveis, observem esses requisitos estritamente para que o direito e a garantia real representados no contrato possam ser estabelecidos6.

Além disso, é importante ressaltar que os requisitos mencionados anteriormente não esgotam o conteúdo do contrato, que pode conter cláusulas adicionais. As partes têm autonomia privada para incluir outras disposições contratuais, desde que estejam em conformidade com as diretrizes da propriedade fiduciária estabelecidas por lei.

Por exemplo, o contrato de alienação fiduciária pode estipular que eventuais litígios ou disputas entre as partes sejam resolvidos por meio de arbitragem, conforme previsto na Lei 9.307/1996. Isso demonstra a flexibilidade das partes para personalizar o contrato de acordo com suas necessidades e preferências, desde que não infrinjam as disposições legais aplicáveis à propriedade fiduciária7.

  1. VALOR DO PRINCIPAL DA DÍVIDA, PRAZOS, CONDIÇÕES DE PAGAMENTO, TAXAS DE JUROS E ENCARGOS INCIDENTES

O valor do principal da dívida é o montante devido no contrato e desempenha um papel fundamental na determinação da garantia fiduciária. Além disso, esse valor influencia diretamente os custos associados ao registro da propriedade fiduciária no Registro de Imóveis, uma vez que as taxas a serem pagas são calculadas com base no valor total da dívida contratada8.

No contrato de alienação fiduciária, deve ser especificado o valor pelo qual as partes avaliam o imóvel para efeitos de venda em leilão público em caso de inadimplemento do devedor fiduciante. Além disso, é importante estabelecer os critérios para revisão desse valor, não se tratando de reajuste. Muitas vezes, o valor atribuído para essa finalidade é o preço de venda, embora não seja obrigatório que coincida com ele. Esse valor serve como lance mínimo no primeiro leilão, caso o devedor fiduciante deixe de cumprir suas obrigações9.

A Lei 13.465/2017 acrescentou que, se o valor da avaliação feita pela autoridade competente para cálculo do ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis) for superior ao valor fixado pelas partes no contrato, o primeiro leilão deve ser realizado pelo valor da avaliação da autoridade competente10.

Como parte essencial do contrato, é necessário incluir informações como a data de vencimento da dívida ou da primeira parcela e o calendário de pagamento das parcelas subsequentes, especificando quantas parcelas estão previstas. Além disso, deve ser claramente indicada a maneira e o local de efetuar os pagamentos, juntamente com quaisquer penalidades ou multas decorrentes de atrasos no pagamento. Também é crucial que o contrato estabeleça a taxa de juros acordada e todos os encargos financeiros envolvidos, assim como a forma pela qual a dívida será corrigida monetariamente11.

Ao se falar de taxas de juros, o artigo 5° da lei de alienação fiduciária, tratou de maneira uniforme as operações no mercado imobiliário, estabelecendo condições operacionais básicas no SFI, conforme detalhado nos incisos I a IV do artigo 5º12. Isso significa que essas condições se aplicam a todos os participantes do mercado, onde o legislador autorizou a capitalização de juros.

Art. 5º As operações de financiamento imobiliário em geral, no âmbito do SFI, serão livremente pactuadas pelas partes, observadas as seguintes condições essenciais:

I - reposição integral do valor emprestado e respectivo reajuste;

II - remuneração do capital emprestado às taxas convencionadas no contrato;

III - capitalização dos juros;

IV - contratação, pelos tomadores de financiamento, de seguros contra os riscos de morte e invalidez permanente.

A Lei 9.514/1997 permitiu que empresas do mercado imobiliário, em geral, pudessem estabelecer condições de reajuste, juros e seguros para financiamentos imobiliários, de acordo com as mesmas regras aplicáveis às instituições do SFI. Isso inclui a possibilidade de utilizar a Taxa Referencial (TR) como índice de reajuste, que é comumente usada pelo SFI em seus créditos, inclusive de forma mensal. Assim, a lei estabeleceu uma padronização que permite a várias categorias de empresas do mercado imobiliário adotar a TR como índice de reajuste em suas operações de financiamento, seguindo o modelo das entidades vinculadas ao SFI13.

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Levando em consideração que é comum o valor do imóvel ser superior ao montante da dívida garantida, as partes têm a liberdade de incluir no contrato de alienação fiduciária uma disposição conhecida como "pacto marciano". Esse pacto permite que um terceiro, que seja independente e imparcial, avalie o imóvel pelo seu valor justo. Após deduzir o valor da dívida, despesas e outros encargos legais, caso reste algum valor excedente, este será repassado ao devedor. Em resumo, a cláusula marciana permite que o credor tome posse do imóvel em caso de inadimplência do devedor, com base em uma avaliação imparcial e justa do valor do imóvel14.

A origem do termo "pacto marciano" remonta ao direito romano e está associada a uma passagem do Digesto, um compêndio de leis romanas compilado pelo jurisconsulto clássico Marciano. A passagem menciona a possibilidade de entregar um penhor ou uma hipoteca com a condição de que, se o dinheiro não for pago dentro de um prazo determinado, o comprador poderá tomar posse da coisa e avaliá-la pelo seu valor justo. Essa forma de venda é considerada condicional, e a ideia foi registrada pelos notáveis juristas Severo e Antonino na época. Portanto, o termo "pacto marciano" tem sua origem na prática jurídica romana registrada no Digesto de Marciano15.

Monteiro Filho, especialista no assunto, identifica os principais elementos da cláusula marciana. Primeiramente, destaca-se a aquisição da propriedade plena do bem pelo credor. Além disso, a cláusula envolve a avaliação do valor justo desse bem. Essa avaliação pode ser conduzida por um terceiro imparcial ou ser resultado de um acordo entre as partes, desde que baseado em critérios objetivos e estabelecido em uma relação paritária. Quanto ao momento da avaliação, esta deve ocorrer quando o credor adquire plenamente o bem, evitando assim variações injustas de valor a favor de qualquer das partes16.

Sobre a possibilidade de utilizar o pacto marciano na alienação fiduciária de bens imóveis, ALVEZ17 oferece uma explicação valiosa. O pacto marciano, assim chamado em referência ao jurisconsulto romano Marciano, e também apoiado em um rescripto dos imperadores Severo e Antonino, permite que, caso a dívida não seja quitada, o bem possa passar à propriedade plena do credor pelo seu justo valor. Esse valor justo pode ser determinado por terceiros, tanto antes como depois do vencimento da dívida.

Referente a dúvidas que podem surgir, referente a semelhança do comissório com o pacto marciano, na VIII Jornada de Direito Civil18, com coordenação geral de Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino e Professor Roberto Rosas de número 628, vem apresentar o seguinte enunciado:

Não afronta o art. 1.428 do Código Civil, em relações paritárias, o pacto marciano, cláusula contratual que autoriza que o credor se torne proprietário da coisa objeto da garantia mediante aferição de seu justo valor e restituição do supérfluo (valor do bem em garantia que excede o da dívida).

Justificativa.
Ao contrário do comissório, o pacto marciano, ao assegurar a aferição do justo valor do bem dado em garantia e a restituição do supérfluo, age como barreira de contenção aos abusos do credor, tutelando a vulnerabilidade do devedor. Impede-se que o credor fixe unilateralmente o valor da coisa dada em garantia, bem como que se aproprie de valor superior ao da obrigação principal, de sorte a afastar a possibilidade de enriquecimento sem causa do credor, que não lucrará com o ajuste. Desse modo, enquanto o pacto comissório gera o risco de desvirtuamento do sistema de garantias, que passaria a apresentar intuito especulativo, a cláusula marciana assegura a manutenção do sistema por meio da proteção da comutatividade da equação prestacional. A garantia mantém-se como acessória do débito, sem que o credor se aproprie de valor superior ao da dívida. Como resultado, o sistema de garantias é preservado...”

O pacto marciano é fundamental para o sistema, pois fortalece sua função preventiva e promocional. Ele torna a garantia mais eficaz, permitindo ao credor adquirir o bem, agiliza a satisfação do crédito de forma econômica e rápida e oferece ao devedor a oportunidade de obter o valor de mercado do bem, o que é difícil em um leilão, além de receber qualquer valor excedente. Também aumenta a previsibilidade nas relações contratuais, proporcionando segurança jurídica e contribuindo para o bom funcionamento do mercado e da economia19.

  1. CLASULA DE CONSTITUIÇÃO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA

Conforme estabelecido pela Lei 9.514/1997, no artigo 24, a cláusula de constituição da propriedade fiduciária é um componente fundamental do contrato que o caracteriza e confere a ele sua natureza jurídica.

Esta cláusula, que firma o pacto de alienação do Imóvel ao credor, com caráter fiduciário, como forma de garantia para o financiamento, diz respeito à reposição da garantia em situações em que o imóvel sofre deterioração ou perda de valor. Além disso, trata do desdobramento da posse entre o comprador (fiduciante), que detém a posse direta, e o credor (fiduciário), titular da posse indireta, permitindo que o fiduciante permaneça no imóvel com livre utilização, assumindo os riscos. Também inclui obrigações relacionadas ao cuidado e à guarda do imóvel por parte do fiduciante, bem como seu direito de transferir os direitos do contrato. Estabelece os procedimentos para a realização do leilão20.

Para Rocha21, a introdução da garantia fiduciária deve ser acompanhada pela precisa e abrangente descrição do imóvel no contrato. Esta descrição deve incluir as seguintes informações essenciais do imóvel:

a) O imóvel urbano descrito na certidão de matrícula poderá ser identificado apenas pelo número da matrícula e do registro de aquisição, logradouro, número, bairro, cidade e Estado; o imóvel não registrado, não matriculado ou objeto de transcrição, terá a descrição integral, com referências precisas aos seus característicos e confrontações;

b) O imóvel rural georreferenciado, será identificado pelo número da matrícula e do registro de aquisição, localização, denominação, área total, o número INCRA constante do Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) e o número de Imóvel Rural na Receita Federal (NIRF); o não georreferenciado ou objeto de transcrição, terá a descrição integral e pormenorizada, com referência precisa, inclusive, aos seus característicos e confrontações;

O requisito registral da especialização do imóvel refere-se à sua descrição como uma entidade física única e autônoma, tornando-o facilmente identificável e distinto de qualquer outro imóvel. O imóvel, quando descrito dessa maneira, ocupa um espaço definido e possui características físicas específicas que o tornam único. Essas características incluem seu contorno e área, desde que permaneçam dentro dos limites que o definem como uma entidade territorial distinta22.

Para a descrição do imóvel sujeito à alienação fiduciária em garantia, as partes devem seguir as diretrizes estabelecidas pela Lei 7.433/198523, que regula os requisitos específicos para a elaboração de escrituras públicas. Mesmo que as partes optem por utilizar um contrato particular, é necessário observar essas regras, uma vez que o documento particular assume todos os "efeitos jurídicos" de uma escritura pública, conforme previsto no artigo 38 da Lei 9.514/199724. Isso significa que o contrato particular deve atender aos padrões estabelecidos pela lei para garantir sua validade e eficácia.

Além da descrição precisa do imóvel, é fundamental incluir informações sobre o título de aquisição do alienante no contrato de alienação fiduciária em garantia. Isso deve abranger detalhes sobre a natureza do negócio jurídico que resultou na aquisição do imóvel, o instrumento que comprova essa transação, a matrícula e o registro anterior do imóvel, bem como seus números e o Registro de Imóveis onde esses registros foram feitos25.

O contrato de alienação fiduciária precisa incluir informações sobre como o fiduciante adquiriu o imóvel, de acordo com o princípio registrário da continuidade. Esse princípio exige que cada registro imobiliário esteja conectado ao registro anterior, formando uma sequência ininterrupta de titularidades jurídicas. Portanto, o contrato deve indicar a origem da propriedade, o tipo de negócio jurídico que resultou na aquisição e detalhes dos registros anteriores, como números e informações do Registro de Imóveis, garantindo a integridade do registro e rastreabilidade das transações imobiliárias26.

  1. CLAUSULA DE LIVRE UTILIZAÇÃO DO BEM PELO FIDUCIANTE E INDICAÇÃO DO VALOR PARA FINS DE LEILÃO

O contrato garantirá que o fiduciante possa utilizar o imóvel objeto da alienação fiduciária livremente, assumindo todos os riscos associados, desde que esteja em dia com suas obrigações, adimplente27.

Esse requisito contratual poderia ser considerado desnecessário, pois é um efeito legal do contrato. No entanto, o legislador provavelmente incluiu essa cláusula para garantir que os contratantes estejam cientes das obrigações assumidas pelo fiduciante ao estar na posse direta do bem e usá-lo livremente.

O fiduciante assume todos os riscos relacionados ao imóvel e cobre suas despesas de uso regular, conforme o artigo 27, § 8°, da Lei 9.514/1997. Não tem direito a reter melhorias ou ser reembolsado por gastos. No entanto, o fiduciante pode receber uma compensação pelas melhorias realizadas no imóvel, adicionando-se ao valor a ser reembolsado se o imóvel for vendido em leilão público, como indicado no artigo 27, § 4°, da Lei 9.514/199728.

O contrato deve incluir o valor do imóvel para fins de leilão público, idealmente determinado por um avaliador profissional e o mais próximo possível do valor de mercado.

Considerando que os contratos de garantia fiduciária geralmente têm um prazo médio ou longo, essa cláusula também deve estabelecer os critérios para revisar o valor do imóvel, conforme decidido pelas partes. No entanto, é importante fazer uma ressalva expressa de que o valor revisado não pode ser menor do que aquele usado como base para calcular o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) devido na consolidação da propriedade no patrimônio do credor. Isso está em conformidade com o parágrafo único do artigo 24 da Lei n° 9.514/1977 (alterado pelo artigo 67 da Lei n° 13.465, de 11 de julho de 2017), que estabelece o valor mínimo para a oferta do bem em leilão público29.

O valor estabelecido no contrato para fins de leilão é fundamental para determinar se é necessário realizar um segundo leilão. Se, no primeiro leilão público conduzido pelo credor fiduciário, o lance mais alto oferecido for menor do que o valor do imóvel definido no contrato de alienação fiduciária, então um segundo leilão será obrigatório, conforme o artigo 27, parágrafo 1°, da Lei 9.514/199730.

Uma vez que as partes tenham acordado sobre o valor do imóvel para fins de venda pública, essa valoração não deve ser alterada. Caso contrário, isso anularia a disposição do inciso VI do artigo 24 da Lei 9.514 de 1997, que procura evitar avaliações futuras ao estabelecer o valor do bem. A definição desse valor tem como objetivo impedir avaliações posteriores31.

Dentro do procedimento extrajudicial de execução da garantia, observa-se que quando a dívida vence e não é paga, após o devedor ter sido notificado da mora, a propriedade do imóvel se consolida em nome do credor fiduciário. Nesse ponto, o credor tem um prazo de 30 dias, contados a partir da data da averbação da consolidação da propriedade, para realizar um leilão público e, assim, alienar o imóvel32.

Veja artigo 27 da lei de alienação33:

Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

Cabe as partes estabelecer dos procedimentos dos leilões, mas sempre dentro do estabelecido em lei, já decidido pelo CSMSP34.

De acordo com o artigo 24, VII, da Lei n° 9.514/97, o contrato que serve de título ao negócio fiduciário deve conter cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27. A cláusula 3.4 do instrumento contratual prevê singelamente que, "não purgada a mora no prazo legal, consolidar-se-á a propriedade em nome dos vendedores, que tratarão de promover o leilão do bem, nos termos do artigo 27 da Lei no 9.514 de 20 de novembro de 1.997" Essa mera remissão a dispositivo legal é insuficiente. É mister que a cláusula regule expressa e integralmente o procedimento do leilão público para alienação do imóvel, inclusive com descrição dos prazos para sua realização e respectivos termos iniciais.

Portanto, não basta apenas que as partes se abstenham de mencionar o procedimento para a alienação do imóvel em leilão público; também será um obstáculo ao registro do contrato se houver apenas uma simples referência ao dispositivo legal que trata dessa questão. Portanto, é fundamental que os detalhes específicos sejam regulamentados, incluindo aspectos como a publicação de edital para o leilão, o tipo de leilão a ser realizado (presencial, eletrônico, simultâneo, etc.), os locais de realização dos leilões, entre outros, conforme estipulado nos parágrafos e incisos do artigo 27 da Lei35.

As partes têm a responsabilidade de determinar e especificar o prazo de carência, que é o período máximo de atraso permitido no pagamento da dívida, prestação ou parcela, antes que os procedimentos de execução extrajudicial possam ser iniciados, com a emissão da intimação. De acordo com a redação do parágrafo segundo do artigo 26 da Lei n° 9.514/199736, "O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação".

No contrato, deve constar uma cláusula que estabeleça que o fiduciante deverá efetuar o pagamento da taxa de ocupação do imóvel. Essa taxa será calculada como 1% do valor total do contrato, por mês ou fração de mês, e será devida a partir da data em que a propriedade fiduciária for consolidada pelo credor até o momento em que o credor efetivamente tomar posse do imóvel37.

Considerações Finais

O objeto desta pesquisa foi estudar os requisitos essenciais para aplicação da alienação fiduciária de bens imóveis no direito brasileiro, mais especificamente direcionado aos requisitos contratuais obrigatórios para sua aplicação.

Discorreu-se sobre o contrato de alienação fiduciária de bens imóveis e seus efeitos, trazendo como base o artigo 24 da Lei 9.514/1997, nele encontramos os requisitos essenciais que formaliza a alienação fiduciária em garantia.

Sendo eles o valor do principal da dívida, prazos, condições de pagamento, taxas de juros, encargos incidentes, clausula de constituição da propriedade fiduciária, livre utilização do bem pelo fiduciante, indicação do valor para fins de leilão e procedimentos do leilão.

O valor principal da dívida refere-se à quantia total especificada no contrato, e isso tem um impacto direto nas despesas relacionadas ao registro de imóveis, como as taxas a serem pagas, como o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis.

De fato, nesse contexto, o valor é definido pelas partes contratantes como o montante a ser considerado na venda do bem por meio de leilão público. Além disso, o contrato estabelece os critérios para a revisão desse valor ao longo do tempo.

O contrato deve reger a data de vencimento da dívida, ou da primeira parcela e as subsequentes, devendo ser clara e indicação do local e maneira para pagamento, juntamente com as especificações de eventuais penalidades ou multas sobre atraso no pagamento. É crucial conter a forma pela qual a dívida será corrigida monetariamente, como os encargos e taxas de juros financeiros envolvidos.

A cláusula de constituição da propriedade fiduciária firma o pacto de alienação do imóvel ao credor, como garantia do financiamento, refere-se à reposição da garantia quando o imóvel vier a sofrer danos ou desvalorização.

Trata-se do desdobramento da posse entre o comprador fiduciante, que detém a posse direta, e o credor fiduciário, que tem a posse indireta. O que permite que o fiduciante permaneça no imóvel, assumindo os riscos e usando-o livremente, desde que adimplente com suas obrigações. Impõe também obrigações ao fiduciante referente a manutenção do imóvel e estabelece regras para transferir seus direitos do contrato.

Como também determina que seja precisamente detalhada a descrição do imóvel, mais as informações sobre o título de aquisição do alienante, abrangendo informações sobre a natureza do negócio, o instrumento que comprova essa transação, a matrícula e o registro anterior do imóvel bem como seus respectivos números.

Além disso, o contrato deve detalhar os procedimentos para a realização do leilão, sendo essencial que todos os detalhes específicos sejam regulamentados, incluindo aspectos como a publicação de edital para o leilão, o tipo de leilão a ser realizado, presencial, eletrônico, simultâneo, os locais de realização dos leilões, entre outros. Não sendo aceito uma mera menção ao leilão.

Assim denota a resposta ao questionamento levantado, ao longo da pesquisa conclui-se que as normas da Lei 9.514/1997 abrange os requisitos essenciais para aplicação do contrato de alienação fiduciária em garantia de bens imóveis. De fato, a Lei 9.514/1997 em seu artigo 24 é bem objetiva atendendo o que é essencialmente necessário para a aplicação do contrato, mas que abrangem uma infinidade de procedimentos que devem ser bem analisados e definidos corretamente, pois esse contrato irá regular toda a vigência, desde o momento de sua confecção até o leilão extrajudicial.

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

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Sobre a autora
Pâmela Regina da Costa

Acadêmica do curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí.

Informações sobre o texto

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