Monoparentalidade feminina: uma análise à luz da visão sistêmica.

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24/04/2024 às 17:28
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Sumário

Resumo

ABSTRACT

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I: EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA FAMILIAR E O PAPEL DA MULHER DURANTE PERÍODOS DE CONFLITO

CAPÍTULO II: A EVOLUÇÃO DO PÁTRIO PODER PARA O PODER FAMILIAR NA TEORIA JURÍDICA

CAPÍTULO III: O PODER FAMILIAR E A TERCEIRIZAÇÃO DE DEVERES E OBRIGAÇÕES

CAPÍTULO IV: A MONOPARENTALIDADE COMO CONDIÇÃO PSICOSSOCIAL

4.1 Da Monoparentalidade Direta

4. 2 Da Monoparentalidade Indireta.

CAPÍTULO V: AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E IMPACTO NO DIREITO DE FILIAÇÃO DAS CRIANÇAS

5.1 O Direito De Ser Filho

5.2 Impactos Da Monoparentalidade Direta na filiação

5.3 Consequências da monoparentalidade indireta na filiação

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

Resumo

O trabalho em questão propõe uma análise da monoparentalidade feminina no âmbito do Direito de Família, com foco nos desafios sociais, emocionais e jurídicos enfrentados por essas mulheres, bem como nas consequências que essa condição acarreta para seus filhos. A abordagem adotada não considera a monoparentalidade como uma entidade familiar nos termos convencionais das ciências sociais e da legislação, mas sim como uma condição psicossocial feminina dentro das relações conjugais. Espera-se que esta pesquisa contribua tanto para o meio acadêmico quanto para a sociedade em geral, ao elucidar aspectos relevantes relacionados à monoparentalidade feminina e ao exercício desproporcional do poder familiar, categorizado aqui como monoparentalidade direta e indireta. Será explorada a realidade de ambas as formas e como afetam o direito de filiação. Tais conclusões podem embasar o desenvolvimento de políticas e projetos destinados a atender às necessidades específicas desse contexto social, promovendo uma abordagem mais inclusiva e eficaz no campo jurídico e social.

Palavras-chaves: Monoparentalidade, poder familiar e filiação.

ABSTRACT

The work in question proposes an analysis of female single parenthood within the scope of Family Law, focusing on the social, emotional and legal challenges faced by these women, as well as the consequences that this condition entails for their children. The approach adopted does not consider single parenthood as a family entity in the conventional terms of social sciences and legislation, but rather as a female psychosocial condition within marital relationships. It is expected that this research will contribute to both academia and society in general, by elucidating relevant aspects related to female single parenthood and the disproportionate exercise of family power, categorized here as direct and indirect single parenthood. The reality of both forms will be explored and how they affect the right to membership. Such conclusions can support the development of policies and projects designed to meet the specific needs of this social context, promoting a more inclusive and effective approach in the legal and social field.

INTRODUÇÃO

A instituição familiar é uma das bases fundamentais da sociedade, responsável por transmitir valores, moldar identidades e oferecer apoio emocional aos seus membros. Conforme aponta Carvalho (2008), a família representa o epicentro da vida privada, um espaço onde sentimentos são nutridos e a personalidade começa a se desenvolver. Em sua essência, a família é a célula mãe da sociedade, sustentando-a e influenciando seu desenvolvimento.

Neste contexto, a mulher desempenha um papel central como mãe nas situações de monoparentalidade, seja ela direta ou indireta. As transformações sociais ao longo do tempo têm desafiado a compreensão da conjugalidade e da parentalidade, afetando o exercício do poder familiar. O pátrio poder, outrora marcado pelo autoritarismo masculino, evoluiu para uma abordagem mais afetiva, onde a autoridade é conjugada com o amor. No entanto, esta transição nem sempre é plenamente vivenciada, deixando muitas mulheres sobrecarregadas com responsabilidades unilaterais.

A falta de apoio estatal e recursos jurídicos acessíveis torna ainda mais difícil para essas mulheres superarem os desafios da monoparentalidade. A escassez de serviços específicos para questões familiares agrava a situação, contribuindo para a vulnerabilidade social e emocional dessas mulheres e de seus filhos. A ausência de políticas públicas adequadas reflete-se nas estatísticas alarmantes, como o aumento no número de crianças registradas apenas com o nome da mãe.

As “famílias monoparentais”, predominantemente lideradas por mulheres, emergem como um ponto de destaque nas pesquisas acadêmicas e sociais. Estudos exploram os desafios enfrentados por essas mulheres, bem como o impacto no desenvolvimento de seus filhos, as estratégias de enfrentamento adotadas e as políticas sociais que podem apoiá-las. A monoparentalidade, seja por escolha ou imposição, demanda uma atenção especial no que diz respeito ao suporte emocional, social e jurídico às mulheres que enfrentam essa realidade.

Este trabalho busca explorar a monoparentalidade não apenas como um modelo familiar, mas como uma condição psicossocial feminina nas relações conjugais. Por meio de uma análise detalhada e multifacetada, serão discutidas as implicações sociais, jurídicas e psicológicas dessa realidade, visando fornecer uma compreensão abrangente do fenômeno e apontar caminhos para futuras abordagens e soluções.

Os capítulos abordarão desde a contextualização histórica da estrutura familiar e do papel feminino até as consequências da monoparentalidade ao direito de filiação. Ao final, uma conclusão integrativa sintetizará as informações apresentadas, justificando a importância de compreender sistemicamente a monoparentalidade e delineando possíveis diretrizes para futuras intervenções.

CAPÍTULO I: EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA FAMILIAR E O PAPEL DA MULHER DURANTE PERÍODOS DE CONFLITO

Nos períodos finais do século XVIII e ao longo do século XIX, a estrutura familiar contemporânea era caracterizada por papéis distintos atribuídos aos gêneros. A mulher, em sua maioria, desempenhava o papel de mãe dedicada em tempo integral, responsável pelas tarefas domésticas e pelo cuidado dos filhos e do esposo. Por outro lado, ao homem cabia o espaço público, envolvendo atividades de produção, tomadas de decisão e exercício de poder.

Essa divisão de papéis conferia à mulher um status especial, destacando-se a maternidade como uma das poucas funções socialmente valorizadas ao longo da história. A mulher era vista como responsável pelo desenvolvimento dos filhos, com pouco espaço para outras atividades além das relacionadas ao lar. Essa realidade era particularmente evidente no final do século XIX, quando as oportunidades de trabalho fora de casa eram extremamente limitadas para as mulheres, especialmente aquelas de origem socialmente desfavorecida.

No entanto, a dinâmica familiar começou a mudar com o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial. A convocação dos homens para o serviço militar levou à escassez de mão de obra masculina nas indústrias, abrindo espaço para que as mulheres ocupassem postos de trabalho anteriormente restritos aos homens. Essa mudança não apenas ampliou as oportunidades de emprego para as mulheres, mas também contribuiu para afastar a ideia tradicional de que seu papel se limitava aos cuidados domésticos.

Para facilitar o desempenho desses novos papéis profissionais pelas mulheres, foram estabelecidas creches e cantinas, proporcionando condições mais favoráveis para a entrada das mulheres no mercado de trabalho. Essas medidas não apenas atenderam às demandas econômicas da época, mas também contribuíram para uma transformação nas concepções tradicionais de gênero e família.

Além disso, a conquista da liberdade sexual, impulsionada pela introdução da pílula anticoncepcional, proporcionou novas perspectivas para as mulheres. A possibilidade de controle da concepção permitiu que as mulheres separassem a sexualidade da reprodução, concedendo-lhes maior autonomia sobre seus corpos e decisões reprodutivas. Isso teve um impacto significativo na estrutura familiar, abrindo espaço para uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho e na vida pública.

Posteriormente, com o surgimento de procedimentos de fertilização assistida, como a fertilização in vitro, a reprodução deixou de ser exclusivamente responsabilidade da mulher. Isso desvinculou a gravidez da tradicional dicotomia entre homem e mulher, permitindo que as mulheres assumissem uma identidade social mais autônoma e independente.

No contexto brasileiro, as mudanças na estrutura familiar também foram acompanhadas por transformações na legislação. A promulgação da Lei do Divórcio e a Constituição Federal de 1988 foram marcos importantes na garantia dos direitos das mulheres e na igualdade de gênero. Essas legislações contribuíram para combater a subordinação da mulher ao homem e fortaleceram a igualdade parental.

Nos últimos anos, a tendência tem sido a adoção da guarda compartilhada como forma de garantir a participação igualitária dos pais na criação dos filhos. Essa mudança reflete uma evolução na concepção de família, que deixa de ser rigidamente baseada na estrutura matrimonial para ser mais flexível, reconhecendo a importância da participação ativa de ambos os genitores na vida dos filhos.

Em suma, os períodos de conflito como a Segunda Guerra Mundial não apenas alteraram a dinâmica econômica e social, mas também promoveram mudanças significativas na estrutura familiar e no papel da mulher na sociedade. Essas transformações, embora desafiadoras, abriram caminho para uma maior igualdade de gênero e para uma redefinição dos papéis tradicionais na família e na sociedade como um todo.

CAPÍTULO II: A EVOLUÇÃO DO PÁTRIO PODER PARA O PODER FAMILIAR NA TEORIA JURÍDICA

A história do direito de família remonta a períodos antigos, onde estruturas patriarcais delineavam as relações intrafamiliares e conferiam poderes e responsabilidades específicas aos membros. Na Roma Antiga, por exemplo, a figura do pater familias destacava-se como o líder absoluto do grupo familiar, detendo autoridade sobre os bens, as práticas religiosas e todos os membros da casa. Essa autoridade, conhecida como patria potestas, refletia uma sociedade profundamente patriarcal, onde a submissão da mulher e dos descendentes ao pater familias era norma.

No entanto, o cenário jurídico e social começou a mudar significativamente com o advento da Constituição Federal de 1988. Esta marcou uma virada crucial na história do direito de família, ao equiparar os filhos, independentemente da relação entre os pais, desmantelando gradativamente a estrutura patriarcal da família. Tal equiparação foi fundamental para garantir direitos igualitários tanto para homens quanto para mulheres, sinalizando uma transição em direção a uma compreensão mais equitativa das relações familiares.

Na concepção romana, a figura da mater familias, apesar de sua importância na esfera reprodutiva e educacional, era legalmente incapaz e socialmente restrita, em contraste com o pater familias. Essa diferenciação de papéis refletia não apenas uma divisão de gênero, mas também uma hierarquia intrínseca à estrutura familiar romana.

Outrossim, o controle exercido pelo pater familias sobre diferentes membros da família era designado por termos específicos, como patria potestas em relação aos filhos e netos, e dominica potestas em relação aos escravos. Essas categorias jurídicas delineavam as relações de poder e submissão dentro do contexto familiar, conferindo ao pater uma autoridade absoluta que se assemelhava à de uma figura política, sacerdotal e judicial.

Contudo, o declínio da família propito iure e o crescente valor atribuído à família natural, baseada no matrimônio e na relação consanguínea, culminaram na atenuação do poder do pater familias durante o período clássico. O Estado passou a intervir mais ativamente nas relações familiares, implementando leis para regulamentar tais relações e reduzir a autoridade absoluta do líder familiar.

A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 e a posterior alteração da terminologia no Código Civil de 2002, substituindo "pátrio poder" por "poder familiar", representaram marcos importantes nessa evolução. Essas mudanças refletiram não apenas transformações legais, mas também uma reorientação da família para um caráter mais protetivo, baseado na compreensão mútua e no afeto, em detrimento dos modelos patriarcais do passado.

CAPÍTULO III: O PODER FAMILIAR E A TERCEIRIZAÇÃO DE DEVERES E OBRIGAÇÕES

O poder familiar, outrora chamado de “pátrio poder”, delegado ao homem, chefe da sociedade conjugal o exercia com um viés autoritário, que ao longo dos anos sofreu modificações. Esse antigo pátrio poder tinha como principal escopo a gerência e administração do patrimônio do filho, além de representação ou assistência dos menores era a prática de atos jurídicos. Sua essência era patrimonial, onde a educação o afeto e o amor não eram relevantes, onde essa ascendência autoritária era natural e inquestionada, fundamentada na desigualdade paterno- filial.

Com o decorrer do tempo, foi alcançada a igualdade de gêneros em direitos e deveres, estendendo-se também as mães, mulheres, os direitos e deveres sobre seus filhos, consoante artigo 1.631 do Código Civil, artigo 21 do ECA e artigo 229 da Constituição Federal2.

Dessa forma os poderes básicos descritos no art. 1.634 do código civil competem a ambos os genitores, quais sejam: direção da criação e educação, ter filhos em sua companhia e guarda, dar ou negar consentimento para o casamento, nomeação de tutor, além de representá-los ou assisti-los.

“No mesmo sentido é a interpretação dada por Silvio Rodrigues, conforme definição a seguir: “o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes”. Ou seja, tal instituto prevê direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, conforme o disposto no artigo 1634 do Código Civil em seus incisos: a) dirigir-lhes a criação e a educação; b) exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; c) conceder- lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; d) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; e) conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; e) tomar-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; f) representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; g) reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; e h) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição; e a Constituição Federal, em seu artigo 227: “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Carlos Roberto Gonçalves explica a família como núcleo fundamental da organização social lecionando que a família é uma realidade sociológica e constitui a base do estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. De tal importância que ganhou proteção em nossa carta magna em seu art. 226, a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. E aos pais é atribuído o poder familiar.

Segundo o artigo 1.634 do CC, compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: Dirigir-lhes a criação e a educação; exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; Conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para se casarem; Conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; Conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; Numera-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; Representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; Reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; Exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Ressalta-se que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos (artigo 1.632 do CC). Ainda que os pais constituam uma nova família, ambos precisam continuar exercendo o poder familiar sobre seus filhos advindos da primeira união em conjunto.

A adoção da guarda compartilhada como forma de garantir a participação igualitária dos pais na criação dos filhos representa um avanço significativo na consolidação do poder familiar. Essa modalidade de guarda reconhece a importância da participação ativa de ambos os genitores na vida dos filhos e promove uma maior igualdade de gênero na estrutura familiar.

No contexto jurídico contemporâneo, o poder familiar, embora tenha evoluído teoricamente para um modelo equitativo entre os genitores, na prática, ainda se observa uma tendência à sua delegação preponderante à mulher. Esta realidade contrasta com as disposições legais estabelecidas em benefício dos filhos, as quais delineiam direitos e deveres recíprocos, rompendo com o autoritarismo outrora arraigado.

O respaldo legal para o exercício do poder familiar encontra-se no artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece a igualdade de condições tanto para o pai quanto para a mãe. Em situações de discordância entre os genitores, é garantida a possibilidade de recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência, incumbindo-lhes o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, conforme disposto no artigo 22 do mesmo diploma legal. Ademais, o artigo 226, § 5º da Constituição Federal, assegura que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

É imperativo ressaltar que a plenitude do poder familiar não demanda a criação de novas leis, mas sim uma compreensão aprofundada do seu significado e alcance. Esta compreensão é essencial para evitar conflitos entre a conjugalidade e a parentalidade, os quais muitas vezes obstaculizam o exercício efetivo desse poder, instituído primariamente por preceitos religiosos e posteriormente pelo ordenamento jurídico, respaldado pela Constituição Federal.

“A Constituição da República consagra como garantia fundamental, o princípio da igualdade entre homens e mulheres (CR, artigo 5ª, I). Ao tratar da família, assegura igualdade de direitos e deveres ao homem e à mulher (CR, artigo 226, § 5º), atribuindo a ambos os encargos decorrentes da criação e educação dos filhos (CR, art. 229). Durante o casamento e a união estável, o Código Civil atribui aos dois pais os deveres decorrentes do poder familiar, e somente é exercido por um deles, na falta ou impedimento do outro (CC, artigo 1.631). Independentemente da situação conjugal, compete ao par o pleno exercício do poder familiar, entre ele, o de dirigir a criação e a educação dos filhos (CC, artigo 1.634, I). Havendo divergência, não prevalece a vontade de nenhum deles. É atribuído ao juiz o encargo de dirimir eventuais controvérsias (CC, artigo 1.631). Com o rompimento do casamento ou união estável dos pais, acaba o vínculo da conjugalidade, mas se mantêm inalteradas as relações paternofiliais. Basta estabelecer o regime de convivência dos filhos com ambos os genitores (CC, Artigo 1.632).”3

Alicerçado nos direitos fundamentais da criança e do adolescente, conforme preconizado no artigo 227 da CF/88, e nos deveres dos pais de assistir, criar e educar os filhos menores, conforme estabelecido no artigo 229 da mesma Carta Magna, o poder familiar requer uma abordagem educativa que promova uma nova mentalidade sobre seu significado e forma de exercício. Portanto, é crucial abordar a educação parental sob uma perspectiva jurídica, a fim de estabelecer uma cultura que valorize e fortaleça os laços familiares, em conformidade com os preceitos legais e constitucionais.

CAPÍTULO IV: A MONOPARENTALIDADE COMO CONDIÇÃO PSICOSSOCIAL

Embora a Monoparentalidade feminina, tenha ganhado relevância nos últimos anos, essa realidade não é um fato novo dentro do contexto de estudos de família no mundo.

“O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2017) divulgou uma pesquisa em março de 2017 na qual o número de lares brasileiros chefiados por mulheres passou de 23% para 40% entre 1995 e 2015. Nesse contexto de transformações sociais, culturais, políticas e econômicas as mulheres estão ocupando uma posição social que durante muito tempo foi de exclusividade masculina: a de chefes de famílias. Essas mulheres ainda enfrentam o desafio de conciliar o trabalho e sua vida familiar, dessa forma a vulnerabilidade, a fragilidade financeira e educacional fazem parte da vida dessas mulheres que enfrentam uma somatória de problemas. É importante destacar que segundo o IBGE (2016), 56,9% das mulheres que sustentam a casa com filhos de até 14 anos estão abaixo da linha da pobreza. Atualmente, essas mulheres são chamadas de “Mães Solo”, isto é, são as únicas responsáveis pela criação dos filhos e a maternidade independe do seu estado civil. Nos rincões de extrema pobreza do Brasil, o número de mães que criam seus filhos sozinhas sem a ajuda de um companheiro é bem maior que nas regiões onde a renda é mais alta, não que isso seja um padrão como veremos mais adiante, pois as famílias monoparentais femininas se encontram em todas as classes sociais. O abandono, o aumento do número de divórcios, a entrada no mercado de trabalho, as mudanças de comportamentos sociais e o machismo sem dúvida contribuem para isso. O fato é que existe na sociedade atual uma ampla gama de famílias constituídas de filhos e mães e essas mulheres cumprem um papel duplo, na medida em que se ausentam diariamente de casa para trabalhar e retornam à noite onde realizam as tarefas domésticas e tentam nesses breves momentos estar presentes na vida dos filhos (MEIRELLES, 2016)4

As mudanças do sistema familiar e evolução social e a prevalência do divórcio, coabitação e filhos fora do casamento nas últimas décadas fizeram com que novos modelos familiares5 fossem constituídos. E a monoparentalidade tem chamado a atenção de estudiosos sociais devido as consequências que estão por trás do que até então chama-se de modelo familiar.

Atualmente conceituamos a Família monoparental como aquela onde apenas um dos genitores convive de forma permanente com o filho, assumido toda a responsabilidade de sustento, educação e criação. Alguns fatores definem a monoparentalidade como um arranjo familiar composto pelo pai ou pela mãe que podem estar em condição de solteiro, divorciados ou viúvos e seus filhos, Nixon, Greene & Hogan, 2012; Pinto et al. 2011).

Vejamos:

O termo “família monoparental” foi empregado pela primeira vez na França em 1981, em um estudo feito pelo INSEE que o utilizou para distinguir as uniões constituídas por casal, dos lares compostos por um progenitor solteiro, separado, divorciado ou viúvo. A família é definida como monoparental quando a pessoa considerada, seja homem ou mulher, encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com mais de uma criança. A variação da definição de criança oriunda da monoparentalidade decorre do limite da idade – 15 anos para alguns países e até 25 para outros –, enquanto alguns consideram a atividade da criança (estudando ou não) ou sua capacidade civil (maior ou menor). A Constituição Federal de 1988 dispôs a família monoparental como “entidade familiar”, não sem deixar explícito que esta entidade familiar “formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (art. 226, § 4º) é, certamente, diversa da família prevista no caput do art. 226, como que a lembrar aos incautos em matéria de família que: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

A monoparentalidade, em sua essência, envolve uma responsabilidade desproporcional sobre um dos genitores, geralmente a mãe, que se vê obrigada a suprir todas as necessidades dos filhos sozinha. Esse fenômeno vai além da provisão material; é uma questão de sobrecarga emocional, educacional e de cuidados que frequentemente recai sobre a mãe, seja por imposição de circunstâncias ou, em alguns casos, por falta de cooperação do outro genitor.

A abordagem sistêmica que considera não apenas as necessidades materiais, mas também os aspectos emocionais, educacionais e de cuidado, é crucial. Focar apenas nos aspectos financeiros pode reduzir o entendimento da dinâmica familiar à mera questão de sustento econômico, ignorando os outros elementos essenciais para o bem-estar e desenvolvimento das crianças.

Essa perspectiva reconhece que a monoparentalidade não é um modelo familiar, mas uma realidade vivenciada por muitas mulheres em diversos arranjos familiares6. A transferência desigual de responsabilidades e a sobrecarga sobre a mulher, tanto nas questões práticas do dia a dia quanto na esfera emocional e educacional, são desafios significativos que muitas enfrentam.

Em uma abordagem mais ampla da monoparentalidade como uma condição psicossocial feminina nas relações de casal compreende-se as complexidades desse fenômeno e para informar a formulação de políticas e práticas mais inclusivas e equitativas, que reconheçam e abordem de maneira mais abrangente as necessidades das mulheres que vivenciam a monoparentalidade, aqui classificadas como direta e indireta.

A diferenciação entre monoparentalidade direta e indireta traz uma distinção importante na compreensão dessa realidade. A monoparentalidade direta refere-se às situações em que as mulheres enfrentam a responsabilidade exclusiva da criação dos filhos sem o apoio ou presença do genitor. Essas mães lidam com os desafios de criar os filhos sem a participação ativa do outro genitor por diversas circunstâncias, seja viuvez, separação, abandono ou divórcio.

Por outro lado, a monoparentalidade indireta se aplica a mulheres que estão casadas ou têm algum tipo de relacionamento, mas encontram-se desproporcionalmente sobrecarregadas com a responsabilidade de cuidar dos filhos, mesmo que o genitor ou pai socioafetivo7 esteja presente no lar. Nesses casos, embora haja a presença física, a responsabilidade pelas atividades parentais recai predominantemente sobre a mulher, resultando em uma situação semelhante à monoparentalidade direta em termos de carga e responsabilidade.

A diferenciação entre esses dois tipos de monoparentalidade destaca nuances importantes para estudos acerca das dificuldades e consequências pessoais e sociais de mulheres e seus filhos, reconhecendo que a sobrecarga das responsabilidades parentais sobre a mulher é muito mais complexa do que se imagina. Essa abordagem mais detalhada e diferenciada pode ajudar a compreender melhor as complexidades e variabilidades das situações de monoparentalidade, informando políticas e intervenções mais precisas para apoiá-las de maneira mais adequada às suas necessidades específicas.

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“o núcleo familiar é marcado pelo enfraquecimento da autoridade parental e filhos cada vez mais indômitos, apesar da dependência afetiva e financeira do lar; algumas vezes, os pais são negligentes e outras dispensam todo o tempo para trabalho e custeio de despesas familiares. Assim, permite-se que cresça o número de cidadãos que refletem a falta de limites no lar, revelando-se insubordinados às leis estatais e baderneiros em busca da autoafirmação viril. Além dos problemas resultantes da criação de programas e leis que atendem interesses de grupos detentores do poder econômicos, em detrimento dos objetivos comuns, a sociedade civil precisa combater a inércia e o comodismo familiar, impelindo os integrantes do grupo familiar a alterar os referenciais do ensino no lar. Luís Olímpio Ferraz Melo (2010, p. 72), em sua obra “Psicanálise para todos”, adverte: “É preciso apitar e colocar ordem na família, sob pena da extinção da espécie humana. Horácio dizia: se a casa do vizinho está pegando fogo, a minha está em perigo.”8

É crucial reconhecer que a monoparentalidade nem sempre é uma escolha voluntária. Em muitos casos, é uma situação imposta por circunstâncias difíceis, como abandono afetivo, divórcio, separação, viuvez, relacionamentos conturbados em que o cônjuge é dependente do alcoolismo ou apresenta sintomas de autoritarismo, da qual muitas mulheres se submetem justificadas por uma dependência emocional ou financeira do parceiro e até mesmo crenças religiosas, entre outros fatores. Isso contradiz a ideia de que a monoparentalidade é um modelo familiar, pois ter uma família é uma escolha voluntária, já a monoparentalidade, em alguns contextos, pode ser uma condição não desejada, mas imposta pela realidade vivida pela mulher nas relações de casal.

Ao analisar a monoparentalidade de uma maneira mais ampla e sistêmica, é importante considerar a dinâmica dos relacionamentos e as estruturas sociais que podem contribuir para essa situação. Isso inclui reconhecer a imposição de papéis e responsabilidades dentro dos relacionamentos, bem como as barreiras que impedem a saída de situações de violência ou dependência.

Enquanto muitas políticas e definições legais consideram a monoparentalidade como uma entidade familiar, é necessário repensar essa definição à luz das circunstâncias reais vivenciadas por essas mulheres. Isso pode ajudar a promover uma abordagem mais sensível e abrangente para apoiar mulheres que enfrentam a monoparentalidade em situações complexas e desafiadoras, oferecendo recursos e assistência adequados às suas necessidades específicas.

Além disso, é fundamental promover uma mudança cultural que encoraje uma participação mais equitativa dos pais na criação dos filhos. Isso pode ser alcançado por meio de programas de conscientização, políticas que incentivem licença parental compartilhada e iniciativas que promovam a igualdade de gênero em todos os aspectos da vida familiar e social.

A monoparentalidade, de fato, não deve ser limitada ou definida com um modelo familiar, pois ela transcende esse aspecto. Reconhecer essa realidade é fundamental para criar políticas públicas que atendam às necessidades específicas dessas mulheres e de seus filhos.

A ausência de políticas públicas adequadas que amparem essas mulheres em sua jornada de criar e sustentar seus filhos pode agravar os desafios que enfrentam. Isso inclui a falta de acesso a oportunidades de trabalho digno, discriminação no mercado de trabalho baseada na maternidade, além da falta de suporte emocional, social e jurídico.

Garantir que essas mulheres tenham acesso a trabalhos dignos e que não sejam desclassificadas ou discriminadas por serem mães é crucial. Isso pode ser alcançado por meio de políticas que promovam a equidade de gênero no ambiente de trabalho, como licença parental remunerada, flexibilidade de horários, creches acessíveis e políticas que combatam a discriminação no emprego.

Além disso, é fundamental fornecer grupos de apoio social, emocional para as crianças e jovens que vivenciam essa realidade, oferecendo recursos e assistência como aconselhamento psicológico ou terapia, pode ser benéfico para ajudar a criança a lidar com os desafios associados à ausência do pai.

Na situação em que o pai está fisicamente presente, mas emocionalmente ausente, negligente, abusivo ou não oferece o suporte emocional necessário, os impactos podem ser prejudiciais. Isso pode levar a questões emocionais, baixa autoestima, dificuldades nos relacionamentos e outros desafios semelhantes aos enfrentados por crianças em situações de ausência direta do pai.

É alarmante observar a falta de monitoramento e apoio adequado às mulheres que enfrentam a monoparentalidade, especialmente aquelas que estão em situação de dificuldade emocional e financeira. O relato de que 90% delas enfrentam problemas de saúde mental é preocupante e evidencia a necessidade urgente de intervenções para melhorar sua qualidade de vida. Muitas dessas mulheres vivenciam situações de violência doméstica e abusos psicológicos, lutando para garantir que seus filhos não passem por privações.

A relutância das empresas em contratar mães, agrava ainda mais a situação, privando essas mulheres de oportunidades de trabalho e estabilidade financeira. Diante exposto, classificamos a monoparentalidade em direta e indireta para melhor compreensão e enfoque da problematização.

4.1 Da Monoparentalidade Direta

O Brasil tem mais de 110.716 certidões de nascimento sem o nome do pai. Os registros foram feitos apenas neste ano, de acordo com os dados apurados pela GloboNews por meio do Portal da Transparência do Registro Civil. Ainda de acordo com o levantamento, por dia, são quase 500 registros feitos sem a identificação de paternidade da criança, as chamadas certidões com pai ausente. Entre janeiro e 11 de agosto do ano passado, o nome dos pais não constaram em 105 mil certidões de nascimento. Em 2023, no mesmo período, o número subiu para mais de 110 mil documentos — aumento de quase 5%. Do total de crianças que nasceram em todo o país este ano — 1.614.232 nascimentos —, 6,8% entram na estatística das certidões com pai ausente, ainda segundo os dados do Portal da Transparência do Registro Civil. O levantamento aponta ainda que a região que mais registra crianças sem o nome do pai é o Norte do país, com 10,4% dos casos. O Nordeste aparece em segundo lugar — com 7,6% —, seguido pelo Centro-Oeste, com 6,5%.9

As mulheres que exercem a Monoparentalidade direta enfrentam uma carga extraordinária, assumindo não apenas o papel de educar e cuidar dos filhos, mas também lidando com desafios emocionais, sociais e financeiros significativos. A falta de acesso a uma rede de apoio, condições dignas de moradia e dificuldades no acesso à educação para seus filhos amplifica ainda mais essas dificuldades.

“Sinto culpa quando tenho que sair para trabalhar e deixá-los sob os cuidados dos outros, quando não posso ir a uma reunião da escola ou evento por estar trabalhando ou mesmo quando estou em momentos de lazer, só comigo mesma. Tudo gera culpa. Tenho sentido esse sentimento, hoje, talvez até mais do que quando meus filhos eram pequenos, pois é como se agora eu pudesse ver um pouco do resultado da minha criação. Faço terapia para lidar com isso, mas tento pensar que estou dando o meu melhor. Analiso se realmente errei em algum ponto para consertar e sempre penso que vai passar. Vou vivendo assim: um dia após o outro." Ketib Kelian Crivaro, enfermeira e idealizadora do coletivo Mães S... 10

É particularmente preocupante o fato de mais de 64% dessas mães viverem abaixo da linha da pobreza, evidenciando as disparidades socioeconômicas que muitas vezes acompanham a monoparentalidade feminina. Isso reforça a necessidade urgente de políticas sociais que ofereçam suporte a essas famílias, incluindo assistência governamental, acesso a programas educacionais e moradia digna, além de apoio psicológico para lidar com os desafios emocionais associados a essa situação.

“Quando me divorciei, não conseguia arranjar emprego. Nas entrevistas, me perguntavam sobre como estava me sentindo em relação ao divórcio e quem ficaria com minha filha para eu trabalhar. No começo, eu falava a verdade, até que percebi que só a mentira me faria arranjar emprego. Comecei a dar respostas diferentes: que já estava recuperada do divórcio e havia muita gente para ficar com a Julia. Quando percebia, estava avançando nos processos seletivos. Em poucos meses, estava empregada. Na época, não contava com rede de apoio. Minha filha ficou um pouco com uma tia e, depois, consegui uma creche. Quando ela ficou maior, tentei deixá-la sozinha, em casa, mas não consegui por medo. 11

No mundo, existem mais de 100 milhões de mães que criam seus filhos sozinhas, de acordo com a ONU. São Paulo é o estado com o maior número de registro de casos de maus-tratos a criança e ao adolescente do país, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, sendo esses o número de denúncias e não o número total de maus tratos. A violência em nossa sociedade é uma questão de saúde pública, que atinge crianças e mulheres em sua maioria negras e pobres.

Os dados acima revelam uma realidade significativa sobre as mães que enfrentam a jornada de criar seus filhos sozinhas no Brasil. Aumentar em 1,7 milhões o número de mães responsáveis pela criação dos filhos sem a presença do pai em apenas uma década é um dado impactante. Além disso, a estatística de 90% das novas mães solo sendo negras chama a atenção para desigualdades que podem estar em jogo, incluindo questões socioeconômicas e raciais.

É preocupante que uma parcela tão grande, 72,4%, esteja criando seus filhos sem uma rede de apoio próxima. Isso pode sobrecarregar essas mães, tornando desafiador equilibrar as demandas familiares, profissionais e pessoais. A concentração maior de lares chefiados por mães solo nas regiões Norte e Nordeste também destaca a necessidade de políticas e programas que ofereçam suporte a essas famílias, levando em conta as particularidades de cada região.

Essas mulheres não conseguem conciliar maternidade com o trabalho, maternidade com o estudo e até mesmo a maternidade com o acesso a saúde, muita não tem uma moradia digna, tem dificuldades financeiras, sociais e emocionais. E as poucas que conseguem conciliar sobraçarem sua jornada e acabam comprometendo a convivência com seus filhos gerando ainda mais problemas.

“A exaustão da solidão "Ser mãe solo é você chegar exausta em casa e não poder tomar um banho direito. É ter que tomar um banho de gato porque o nenê chora e a outra criança está querendo conversar, precisando de atenção. É sentar-se à mesa e pensar 'agora eu vou comer' e começar o choro ou acontecer um imprevisto. Não lembro quantas vezes já esquentei um prato três vezes no micro-ondas tentando comer. Você esquece de tomar banho, esquece de escovar os dentes, você esquece de você. O que mais sinto é falta de um apoio e o que mais precisava era de alguém que me ajudasse por, pelo menos, 15 minutos para eu poder tomar um banho ou conseguir me alimentar”.12

O Cadastro Único13 é uma ferramenta essencial para identificar e direcionar assistência a pessoas em situação de vulnerabilidade social. No caso específico de São Paulo, abranger 1,1 milhão de mulheres responsáveis por suas famílias mostra a magnitude da população que necessita de apoio e programas de assistência social.

No entanto, é importante garantir não apenas a inclusão no cadastro, mas também que os programas de assistência oferecidos sejam suficientes e efetivos para atender às necessidades reais dessas mulheres e suas famílias. Além disso, a oferta de oportunidades de capacitação e suporte para que essas mulheres possam se tornar mais autossuficientes também é fundamental para romper o ciclo de vulnerabilidade e promover uma melhoria sustentável em suas condições de vida.

É admirável, de fato, ver mulheres buscando oportunidades de qualificação, especialmente quando enfrentam desafios significativos ao tentar entrar ou voltar ao mercado de trabalho. A hesitação dos empregadores em contratar mulheres com filhos é uma realidade lamentável que reflete preconceitos arraigados e desafios estruturais.

Essas mulheres estão enfrentando não apenas a demanda de equilibrar uma carreira profissional com responsabilidades familiares, mas também o estigma social que, infelizmente, ainda está presente em muitos ambientes de trabalho. Esses preconceitos podem limitar as oportunidades profissionais e perpetuar desigualdades de gênero no mercado de trabalho.

Instituições como as ONGs que oferecem oportunidades de qualificação desempenham um papel vital ao ajudar essas mulheres a adquirirem habilidades e conhecimentos que podem aumentar suas chances de conseguir empregos ou até mesmo iniciar seu próprio empreendimento. No entanto, é fundamental que haja uma mudança mais ampla na mentalidade dos empregadores e na cultura organizacional para promover a igualdade de oportunidades para todas as mulheres, independentemente de sua situação familiar.

Iniciativas que visam a conscientização, políticas empresariais inclusivas e a criação de redes de apoio são essenciais para superar esses desafios estruturais e criar ambientes de trabalho mais equitativos, nos quais todas as mulheres tenham a chance justa de avançar em suas carreiras, independentemente de serem mães ou não.

Esses cursos de qualificação podem representar um caminho para que essas mães adquiram novas habilidades e competências, aumentando suas chances de encontrar trabalho ou até mesmo empreender por conta própria. Isso destaca a necessidade de mais apoio e oportunidades para mulheres que enfrentam obstáculos ao tentar ingressar ou progredir no mercado de trabalho, garantindo que tenham acesso a oportunidades justas, independentemente de sua situação familiar.

A análise de Janaina Feijó destaca um aspecto crítico: a interrupção dos estudos entre as mães que assumem a responsabilidade de criar os filhos sozinhas. A falta de educação formal, especialmente ensino médio e superior, pode limitar significativamente as oportunidades de carreira e crescimento profissional dessas mulheres.

O fato de que muitas delas tiveram seus primeiros filhos em idades precoces, interrompendo assim seu percurso educacional, ressalta um ciclo desafiador. A ausência de qualificações educacionais pode impactar não apenas a capacidade delas de encontrar empregos bem remunerados, mas também de se desenvolverem profissionalmente ao longo do tempo.

Essa interrupção na educação durante uma fase crucial da vida pode gerar consequências de longo prazo, afetando a capacidade dessas mães de competir no mercado de trabalho de maneira igualitária. Portanto, investir em programas que facilitem a continuidade da educação para essas mulheres pode ser crucial para quebrar esse ciclo e proporcionar oportunidades mais equitativas no futuro.

81 mil crianças foram registradas apenas com o nome das mães na certidão de nascimento. Isso coloca uma pressão adicional sobre essas mulheres, que muitas vezes carecem do apoio financeiro e emocional necessário para criar seus filhos de maneira satisfatória. Além disso, analisando os desafios e consequências que muitas vivenciam com seus filhos, estima-se que grande parte dessas crianças, se tornarão adolescentes e jovens com problemas e conflitos emocionais que afetarão toda a sociedade até 2035.

Os dados destacam a necessidade de políticas e intervenções para abordar as causas subjacentes da ausência de paternidade e fornecer suporte adequado às mães e às famílias monoparentais. Isso pode incluir medidas para promover a responsabilidade paterna, aumentar o acesso a recursos e serviços de apoio familiar e fortalecer os direitos das crianças em situações de paternidade desconhecida

4. 2 Da Monoparentalidade Indireta.

A questão da responsabilidade unilateral na criação e cuidado dos filhos por parte das mulheres, mesmo estando casadas, é uma realidade que merece atenção. Essa situação pode ser causada por diversos fatores, como a falta de envolvimento emocional do parceiro, negligência na participação ativa na criação dos filhos ou uma contribuição limitada como uso de substâncias entorpecentes e alcoolismo.

A monoparentalidade indireta é muito relevante e traz à tona uma realidade muitas vezes negligenciada. Infelizmente, há uma falta de dados específicos ou estatísticas sobre essas mulheres, mas suas experiências são reais e significativas. Mulheres que vivem em situações de violência emocional, psicológica e física dentro de relacionamentos, enfrentam desafios enormes na educação e criação de seus filhos. Essa dinâmica é muitas vezes chamada de "pais ausentes emocionalmente", onde a presença física não é suficiente para garantir um ambiente emocionalmente seguro e saudável para a criança. A ausência emocional pode ser tão prejudicial quanto a ausência física.

Essa condição muitas vezes reflete padrões tradicionais de gênero, nos quais as mulheres historicamente foram socialmente designadas para o papel principal de cuidadoras e responsáveis pela educação dos filhos. Esses padrões podem persistir mesmo em contextos modernos, impactando a vida de mulheres que desejam uma participação mais equitativa na criação dos filhos e até mesmo desenvolver-se profissionalmente.

Há uma necessidade crescente de reconhecer e abordar a realidade de mulheres que, mesmo estando casadas, enfrentam a responsabilidade parental unilateral. Isso pode ocorrer devido à problemas emocionais dessas mulheres, imposição religiosa e social, e até mesmo dependência financeira.

Meu nome é L.D.F. tenho 69 anos, engravidei aos 17 anos, e por crescer em uma família tradicional, minha mãe me obrigou a casar com o pai do meu filho. Ele me levou embora para outra cidade, no estado de São Paulo. Quando nosso filho nasceu, precisei trabalhar de doméstica para sustentar a mim e nosso filho, meu marido também trabalhava, nos deu uma casa, mas nunca me ajudou na educação e criação do nosso filho nem com as nossas despesas básicas. Se eu quisesse algo precisaria trabalhar para comprar. Me desdobrava todos os dias para conciliar a maternidade com a profissão e ainda ter tempo para cuidar da casa e ser a esposa perfeita, enquanto ele trabalhava fora e em suas folgas frequentava bares, perdi as contas das vezes que precisei buscá-lo embriagado nesses locais, ele nunca teve tempo para o filho. Pensei em ir embora mas como iria conseguir pagar um aluguel, naquela época a justiça era muito difícil. Vivenciei essa situação por anos, até que um dia ele passou mal em um dos bares que frequentava e morreu no local. Quando recebi a notícia eu estava trabalhando. Nosso filho já tinha 26 anos, começou a trabalhar aos 15 anos para me ajudar nas despesas da casa, tão cedo ele precisou aprender a ser o homem da casa. Foi depois da morte do meu marido que comecei a receber a pensão por conta da empresa que ele trabalhava, nessa época pude começar a pagar a faculdade do nosso filho e parar com as faxinas e começar a viver. Hoje tenho problemas sérios de depressão, não pude terminar meus estudos e carrego nos ombros o peso de uma vida marcada por traumas.

Em verdade, muitas mulheres enfrentam situações de relacionamentos abusivos devido à dependência financeira de seus parceiros. Esse tipo de cenário pode ter um impacto profundo no bem-estar emocional das mulheres e, consequentemente, afetar o desenvolvimento emocional de seus filhos. A pressão social, especialmente em sociedades machistas, pode reforçar a ideia de que a responsabilidade pelos filhos recai principalmente sobre a mãe.

A cultura machista muitas vezes coloca sobre as mulheres a culpa e responsabilidade exclusiva pela educação e comportamento dos filhos. Isso cria um fardo adicional para as mães, que podem se sentir pressionadas a criar seus filhos de maneira exemplar, mesmo quando enfrentam dificuldades emocionais, financeiras ou relacionais.

Casei com o pai dos meus filhos e, ficamos juntos por 4 anos, mas ele nunca exerceu o poder familiar, acho que até hoje ele nem sabe o que isso significa. Eu sempre fui mãe e pai, ele apenas cuidada financeiramente da casa, era extremamente machista, ciumento e autoritário. Ele quase não dava atenção para os filhos, e quando bebia me ofendia muito, sofria violência psicologia, ele dizia que se eu o largasse ninguém iria querer uma mulher com dois filhos e que eu não ia conseguir me manter sozinha sem a ajuda dele. Até que eu resolvi colocar um ponto final. Dois anos depois me casei pela segunda vez quando meus filhos ainda eram pequenos fiquei três anos com um homem que maltratava a mim e meus filhos, sofri violência emocional e psicológica, mas eu não conseguia conciliar a maternidade com a carreira, era muito difícil trabalhar, o pai dos meus filhos, quase não aparecia, apenas cumpria a lei, o depósito mensal da pensão, fora isso, ele não fazia mais nada, toda a responsabilidade era minha. Esse homem, me ajuda financeiramente e nunca deixou nada faltar para mim e meus filhos, porém era uma pessoa extremamente descompensada, foram muitos momentos de brigas dos quais meus filhos presenciaram. Mas permanecia ali, pois era melhor que deixar os meus filhos passarem necessidades. Quando um belo dia ele chegou em casa descontrolado, meus filhos e eu ficamos no quarto, lembro-me de como chorei com as crianças amedrontada, com medo fiquei em silencio, até que ele mesmo decidiu ir embora de casa. Sumiu por 3 meses, até que apareceu com o pedido de divórcio. Durante esse período, ele não se preocupou em pagar as contas da casa, e eu passei muita necessidade com meus filhos, cortaram nossa água, não tinha o que comer, e para piorar não conseguia emprego. Para que eu pudesse sair daquela situação de miséria, precisei deixar meus filhos com meus pais por um ano. Foi quando consegui me reerguer. Hoje tenho meus filhos comigo, mas durante 10 anos me submeti a situações humilhantes pelo simples fato de não conseguir me manter sozinha e conseguir um emprego que conciliasse com a maternidade, mas meus filhos desenvolveram problemas emocionais por tudo o que vivenciaram e presenciaram. E.P. 37 anos.

A transição para novos relacionamentos após uma separação pode ser motivada pela dificuldade em lidar sozinha com a responsabilidade de criar os filhos. A pressão social e a falta de suporte podem fazer com que algumas mulheres busquem parceiros novos como uma forma de alívio da carga emocional e prática que enfrentam na criação dos filhos.

A violência doméstica, abusos, maus-tratos e a falta de suporte emocional podem desencadear essas situações prejudiciais. Por isso, é fundamental oferecer às mulheres em situação de monoparentalidade apoio emocional, psicológico e social para lidar com as questões que enfrentam. Isso inclui acesso a serviços de aconselhamento, programas de apoio familiar e medidas que visem não apenas ajudar as mulheres, mas também proteger o bem-estar e os direitos das crianças envolvidas. De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.14

Fui casada por longos anos, tive 3 filhos, durante todo nosso casamento, cuidei sozinha dos nossos filhos, enquanto ele saia para beber, ele era alcoólatra, e por vezes ele tentou me matar, perdi a conta das vezes que nosso filho mais novo presenciou aquela cena. Aguentei calada toda a humilhação e dor, além do vicio da bebida ele me traia. Por vezes os filhos presenciaram coisas, gritos dele para comigo, para ele a vida era resolvida a base da gritaria. Ele quase não ficava em casa e quando ficava estava embriagado. Eu assumi a responsabilidade de cuidar sozinha dos nossos filhos, prover, amar e educar. Anos se passaram e ele sofreu um acidente de carro do qual sua vida foi ceifada, nossos filhos sofreram demais e tudo o que aquele homem nos deixou foram dívidas, a casa que morávamos foi vendida e ele gastou tudo com bebida e mulheres. Mudamos de cidade e eu trabalhava em dois empregos para manter a casa e meus filhos até que todos tivessem terminado os estudos. Eu continuei exercendo o papel de pai e mãe, confesso que com a morte dele nada mudou, mas hoje com 65 anos, tenho as marcas emocionais de tudo o que me submeti para não deixar meus filhos carregarem o peso do abandono afetivo do pai, apesar de todo meu esforço, não foi suficiente para evitar os traumas na vida deles e na minha. Todos os meus filhos desenvolveram dependência emocional, um deles foi usuários e drogas e álcool, ele mesmo diz que o pai é culpado por tudo. A.A.A

Tais mulheres, chamadas de Maria, Luiza, Teresa, casadas, solteiras, assumem todo o peso de educação de seus filhos, e é por isso que não podemos mais tratar a monoparentalidade como uma entidade familiar, devido as dificuldade e consequências por trás dessa realidade que interferem diretamente na formação de crianças e jovens. A sobrecarga é ignorada e muitas estão nesse exato momento gritando por socorro. Absolutamente. Lidar com a criação de filhos sozinha pode ser incrivelmente desafiador, e a ausência do apoio do pai pode sobrecarregar emocionalmente as mães. A necessidade de descanso, lazer e cuidado com a saúde mental é crucial para qualquer pessoa, especialmente para as mães que enfrentam a monoparentalidade.

CAPÍTULO V: AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E IMPACTO NO DIREITO DE FILIAÇÃO DAS CRIANÇAS

“Quando descobrirmos como curar uma família, descobriremos como curar uma sociedade.” Virginia Satir

A crise de identidade emerge como um dos principais problemas enfrentados pela geração contemporânea, especialmente no contexto da negligência do direito de filiação. Crianças e jovens privados desse direito experimentam um sentimento de rejeição e exclusão, levando-os a buscar meios alternativos para suprir suas necessidades de pertencimento. Até o momento, abordamos o papel do poder familiar e as obrigações parentais para com os filhos. Agora, exploraremos como o não cumprimento dessas responsabilidades afeta diretamente o direito de filiação.

As consequências sociais e o impacto no direito de filiação das crianças são aspectos cruciais a serem considerados na análise do sistema familiar. Este sistema, intrinsecamente complexo, dá origem a dois sistemas distintos: o conjugal e o parental. A filiação, um componente central do sistema parental, é fundamentada no exercício do poder familiar. No entanto, observa-se uma falha nesse mecanismo, indicando uma disfuncionalidade crescente.

Ao examinarmos os pais negligentes, torna-se imperativo compreender que estes, por sua vez, um dia foram filhos cujo direito de filiação foi comprometido. Tal ciclo, marcado pela negligência e pela falta de proteção do direito de filiação, perpetua-se de forma insidiosa e destrutiva, afetando não apenas as gerações presentes, mas também as futuras.

A atual situação da criança e do adolescente no Brasil revela uma vulnerabilidade generalizada, amplamente relacionada à desestruturação familiar, à omissão do Estado e ao desinteresse da sociedade em abordar adequadamente esse problema. Mais uma vez, ressalta-se a dificuldade em compreender os conceitos fundamentais do sistema conjugal e parental, o que contribui para a perpetuação dessas questões.

Após a pandemia de COVID-19, observou-se um aumento significativo nos casos de ansiedade e depressão entre os jovens, especialmente no ambiente escolar, refletindo uma crise de identidade que está intrinsecamente ligada às experiências familiares durante o processo de formação. No Brasil, dos 69 milhões de pessoas com idades entre 0 e 19 anos, há registro de 10,3 milhões de casos de transtornos mentais. O suicídio entre os jovens tem crescido de forma alarmante, destacando a negligência em relação à saúde mental desses indivíduos.

Em escala global, a depressão figura como uma das principais causas de incapacidade entre os adolescentes, enquanto o suicídio representa a segunda ou terceira principal causa de morte nessa faixa etária, dependendo do país. No entanto, esse problema não recebe a devida atenção e enfrenta uma lacuna significativa em termos de serviços especializados para atender essa população.

“Em todo o mundo a depressão é uma das principais causas de incapacidade entre adolescentes", apontou. "O suicídio é em alguns países a segunda, e em outros, a terceira principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos", completou. De acordo com o médico, o número só aumenta, adquiriu contornos dramáticos e não recebe a atenção devida. Para lidar com o problema, o médico defende a articulação entre escola, pais e serviços de saúde. Ele disse que devem existir serviços voltados para atender indivíduos dessa faixa etária – hoje escassos – e que deve ser implementado esse tipo de programa também nas escolas. Além disso, uma relação familiar saudável ajuda a proteger contra o desenvolvimento desses transtornos. Ele observou que, entre adultos com transtornos mentais, 48,4% deles tiveram o início do transtorno até 18 anos. "Estamos falando do futuro da nossa nação", salientou.15

Uma pesquisa conduzida com profissionais que lidam com adolescentes infratores no país revelou que muitos destes jovens estão sujeitos a ameaças de morte e outras formas de violência. Os relatos indicam que os principais autores dessas ameaças são membros de gangues e facções criminosas, além de milicianos e policiais. Entre 2019 e março de 2020, mais de 3 mil profissionais, incluindo juízes, promotores, defensores públicos e servidores que lidam com medidas socioeducativas, foram entrevistados. Eles foram questionados sobre diversos aspectos relacionados à sua atuação profissional, estrutura de trabalho, financiamento e o contexto social dos jovens envolvidos com a violência.

O estudo, realizado pela ONG Visão Mundial e pelo Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Sociais (Gajop), em colaboração com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), revela que a maioria dos defensores públicos entrevistados (71%) afirma que os relatos de ameaças de morte ou outras formas de violência por parte dos adolescentes são frequentes. Esses relatos também são constantes, segundo 61% dos promotores e 50% dos juízes entrevistados.

Esses dados evidenciam a grave situação enfrentada por muitos jovens no Brasil e ressaltam a necessidade urgente de medidas eficazes para proteger seus direitos fundamentais e garantir um ambiente seguro e saudável para o seu desenvolvimento integral.

“Uma pesquisa com servidores que trabalham com adolescentes infratores no Brasil revelou que a maioria desses profissionais frequentemente ouve relatos de jovens que dizem estar sob ameaça de morte ou sofrendo algum tipo de violência. Segundo o estudo, os menores de idade apontam como autores dessas ameaças principalmente membros de gangues e facções criminosas, mas também milicianos e policiais. Entre 2019 e março de 2020, foram entrevistados mais de 3 mil profissionais, entre juízes, promotores, defensores públicos e servidores que trabalham com medidas socioeducativas. Eles responderam sobre capacitação profissional, estrutura de trabalho, financiamento e o contexto social dos menores envolvidos com a violência, entre outros temas. O levantamento, que será lançado no dia 14 de dezembro, foi produzido pela ONG Visão Mundial e pelo Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Sociais (Gajop) em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Segundo a pesquisa, 71% dos defensores públicos entrevistados afirmam serem frequentes os relatos de adolescentes que dizem estar sob ameaças de morte ou sofrendo outros tipos de violência — 61% dos promotores e 50% dos juízes também afirmam que esses relatos são constantes nas oitivas.16

Para lidar com essa crise, é essencial promover uma articulação eficaz entre escolas, pais e serviços de saúde, implementando programas específicos de apoio emocional e psicológico nas instituições de ensino e ampliando o acesso a serviços de saúde mental. Além disso, uma relação familiar saudável desempenha um papel crucial na proteção contra o desenvolvimento desses transtornos, ressaltando a importância de investir na promoção de ambientes familiares estáveis e acolhedores.

Diante desses desafios, é fundamental reconhecer que a saúde mental dos jovens é uma questão de extrema relevância e que sua abordagem adequada é essencial para garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável das futuras gerações, contribuindo para a construção de uma sociedade mais equitativa e resiliente.

Mas precisamos compreender que o problema central que dá origem a essa série de adversidades tem suas raízes no seio familiar e se reflete amplamente na sociedade, fruto do ciclo desafiador dos comportamentos decorrentes das relações familiares na esfera conjugal, que por sua vez impactam o âmbito parental. Os pais, desempenhando um papel essencial e pioneiro na formação de seus filhos, encontram-se diante de um contexto que propicia o desenvolvimento inadequado de crianças e jovens. Esses indivíduos, atualmente, são mera representação e vítimas de uma geração que carece de orientação adequada, entregando apenas aquilo que receberam.

A dinâmica familiar, afetada por padrões de comportamento disfuncionais e ciclos viciosos, contribui para a perpetuação de uma realidade desafiadora, na qual os filhos sofrem as consequências das deficiências e inadequações presentes na estrutura familiar. Essa disfunção é evidenciada pela incapacidade dos pais em fornecer um ambiente seguro, estável e propício ao desenvolvimento saudável e equilibrado das crianças.

Nesse contexto, torna-se essencial uma reflexão profunda sobre os padrões de relacionamento conjugal e parental, bem como sobre os modelos de educação e valores transmitidos aos filhos. A falha na criação de um ambiente familiar saudável e na promoção de relações interpessoais positivas pode gerar efeitos negativos de longo prazo, não apenas para os indivíduos diretamente envolvidos, mas também para a sociedade em geral.

A família é concebida como um sistema composto por subsistemas integrados e interdependentes, em constante processo de adaptação e readaptação, estabelecendo uma relação bidirecional e de mútua influência com os diferentes contextos sociais, históricos e culturais aos quais está inserida. Como referido por diversos estudiosos, a família representa o primeiro e mais fundamental contexto de socialização dos indivíduos, desempenhando um papel crucial no processo de desenvolvimento humano.

Bronfenbrenner caracteriza a família como o primeiro ambiente em que a criança participa ativamente, interagindo através de relações face a face. Portanto, ela constitui um contexto de desenvolvimento primário e exerce influência significativa ao longo de todo o percurso de desenvolvimento do indivíduo.

Uma família saudável é aquela que propicia um ambiente onde a comunicação é livre, os desafios são aceitos e o sorriso é predominante. É aquela que compartilha iniciativas, afetos e motivações, permitindo que cada indivíduo construa o seu próprio mundo, interligado com o mundo dos outros membros familiares.

“A família é um sistema composto por subsistemas integrados e interdependentes, que estão em constante processo de adaptação e readaptação, estabelecendo uma relação bidirecional e de mútua influência com os diferentes contextos (social, histórico e cultural) no qual está inserida (Dessen & Braz, 2005; Kreppner, 2000 cit. por Fleith, 2007). É o primeiro contexto de socialização dos indivíduos, possuindo um papel fundamental para o entendimento do processo de desenvolvimento humano (Dessen,1997; Stanley & Stanley, 2005; Kreppner, 1992, 2000, 2003, cit. por Fleith, 2007). Como refere Bronfenbrenner (1979/1996, cit. por Cecconello, Antoni & Koller, 2003),a família é caracterizada como o primeiro ambiente no qual a criança participa ativamente, interagindo através de relações face-to-face. A família constitui um contexto de desenvolvimento primário e tem um papel preponderante ao longo de todo o percurso de desenvolvimento do indivíduo (Cruz, 2005; Barros, Pereira & Goes, 2008). Para Sá (2010), a qualidade fundamental da família é que esta permita que cada indivíduo construa um mundo seu, interligado com o mundo dos outros indivíduos que fazem parte do mesmo contexto. «Quando se fala de família falamos de um organismo vivo que está em permanente evolução, que vai desde o casamento até à velhice e à morte, passando pelo(s) nascimento(s) do(s) filho(s), o seu crescimento, casamento e abandono do lar» (Relvas, 2000, Oliveira, 2002 cit. Por Lima, Esteves, Graça & Alves, 2007). “Uma família sã é aquela em que se pode falar com liberdade, em que há desgostos e estes são aceites, em que impera o sorriso. A que partilha iniciativas e afectos e transmite motivações.” (Urra, 2009, p.141)

Apenas no Estado do Espírito Santo até 1 de maio de 2023, 581 adolescentes passaram pelo IASES, na faixa etária de 12 aos 20 anos, 50,6% em flagrante de ato infracional, sendo 42,9% crimes contra o patrimônio, 27,2% lei de drogas, 23,6% crimes contra a pessoa, 11,2% estatuto do desarmamento e 9,3% tentativa de crimes contra a pessoa. 81,4% fizeram ou ainda fazem parte do programa de medida socioeducativa de internação, 11,4% internação provisória, 6% semiliberdade e 1,2%internação sanção. Outro dado importante é que 82% desses adolescentes são pardos.

“Tadeu tem 18 anos e cursa o 1º ano do 2º grau. Seus pais se separaram há mais de 10 anos. O pai bebia e era muito agressivo, tanto com a esposa, quanto com seus filhos. Aos 14 anos, o jovem teve de cumprir programa de serviço à comunidade (PSC), em liberdade assistida (LA), por porte ilegal de arma. Aos 15 anos, Tadeu foi encaminhado para um abrigo, através da Justiça, por encontrar-se em situação de conflitos agressivos com seu pai e de risco de morte na comunidade (tinha sido acusado de queimar uma casa). No entanto, enquanto no abrigo, não ia ao trabalho, gazeava aulas, não visitava familiares, fugia, usava drogas.”

As implicações sociais e os impactos no direito de filiação das crianças representam apenas uma parcela visível dos desafios enfrentados em relação à estrutura familiar. A família, como a mais antiga e fundamental de todas as instituições sociais, desempenha um papel vital na formação e no desenvolvimento das crianças, fornecendo as bases para sua integração na sociedade e para sua compreensão do mundo ao seu redor.

Os primeiros ensinamentos, valores e modelos de comportamento são adquiridos dentro do ambiente familiar, moldando a maneira como os indivíduos se relacionam consigo mesmos e com os outros ao longo de suas vidas. Portanto, a saúde e a estabilidade da família são cruciais para o bem-estar e o desenvolvimento saudável das crianças e dos jovens.

Ao citar Virginia Satir, destacamos a importância de compreender e abordar os desafios enfrentados pelas famílias, pois isso não apenas promove o fortalecimento dessas unidades básicas da sociedade, mas também tem o potencial de impactar positivamente toda a comunidade.

Os pais carregam autoridade e poder sobre seus filhos, naturalmente os filhos se espelham em seus pais e acabam repetindo suas ações ao longo da vida, os pequenos, mesmo que naturalmente, repetem gestos, palavras e ações, sempre buscando ser iguais àqueles que os inspiram, muitos que crescem em lares conturbados afirmam que jamais repetirão para com seus filhos o que receberam, porém isso sempre acaba acontecendo, pois algumas ações que recebemos de nossos pais geram em nós traumas tão profundos que nos bloqueiam. Mais do que características genéticas, os pais passam para os filhos valores e, geralmente, hobbies, que contribuem para fortalecer os laços parentais ou até mesmo destruí-los.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, foi estabelecida a proibição de discriminação entre filhos biológicos, adotivos, legítimos ou ilegítimos, conforme preconiza o artigo 227, § 6º, que estipula: "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação", reiterado posteriormente no Código Civil de 2002. Isso significa que, independentemente da origem biológica, todos os filhos são tratados igualmente perante a lei, possuindo os mesmos direitos e qualificações.

O artigo 1.596 do Código Civil de 2002 reforça esse princípio ao afirmar que "Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

Assim, a filiação no direito brasileiro é conceituada como o vínculo de parentesco entre pais e filhos, que pode surgir de vínculos sanguíneos, civis, afins ou de outra origem legal. Essa relação pode decorrer de laços biológicos, de adoção, de convivência familiar ou até mesmo de inseminação artificial.

Autores renomados como Maria Berenice Dias, Sílvio de Salva Venosa, Paulo Lôbo, Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves oferecem definições abrangentes sobre filiação, enfatizando a natureza relacional desse vínculo e os efeitos jurídicos decorrentes dele.

Os princípios constitucionais delinearam significativas transformações no direito de família brasileiro, proporcionando o reconhecimento da filiação.

Esses princípios, dotados de força normativa, não possuem hierarquia entre si e mantêm sua eficácia, adaptando-se à evolução da sociedade. O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento central do ordenamento jurídico brasileiro, é expressamente mencionado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Ele visa preservar e fomentar os laços de afetividade, garantindo o pleno desenvolvimento das relações familiares e protegendo os indivíduos de serem tratados como meros objetos pelos órgãos estatais.

O princípio da solidariedade, consagrado no artigo 3º, inciso I da Constituição Federal, estabelece a base para a cooperação e apoio mútuo entre os membros da família, tanto no sentido de assistência e cuidado aos filhos, como na reciprocidade entre pais e filhos na velhice.

A igualdade entre os filhos, independentemente de sua origem, é garantida pelo princípio da igualdade, presente no artigo 227, § 6º da Constituição Federal, e reforçada pelo Código Civil de 2002. Isso visa eliminar discriminações e promover a inclusão de todas as formas de família, sejam elas biológicas ou adotivas.

O princípio da liberdade, expresso no artigo 5º da Constituição Federal, confere autonomia às pessoas para escolherem a forma de constituir sua família, assegurando o direito ao planejamento familiar e à tomada de decisões relacionadas à filiação.

A convivência familiar, destacada no artigo 227 da Constituição Federal e no Código Civil, ressalta a importância do ambiente familiar para o desenvolvimento emocional e social das crianças, buscando fortalecer os vínculos familiares e garantir o direito à convivência familiar e comunitária.

A afetividade, essencial na construção dos laços familiares, é reconhecida como um princípio fundamental, equiparando os filhos adotivos aos biológicos e garantindo a estabilidade das relações socioafetivas.

Por fim, o princípio do melhor interesse da criança, também presente no artigo 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, destaca a prioridade dos interesses das crianças em questões familiares, visando proteger seu pleno desenvolvimento e garantir seus direitos fundamentais.

Esses princípios orientam as relações familiares no Brasil, promovendo a igualdade, a solidariedade, a liberdade e o respeito aos direitos fundamentais de todos os envolvidos, especialmente das crianças, que são sujeitos de proteção especial pela lei.

5.1 O Direito De Ser Filho

A monoparentalidade representa uma condição psicossocial significativa para as mulheres nas relações conjugais, onde frequentemente os direitos de filiação são negligenciados. Enfatizamos demasiadamente a letra da lei, que estipula a igualdade de direitos entre os filhos, independentemente da origem da filiação, com o intuito de eliminar discriminações e promover a inclusão das famílias constituídas de diferentes maneiras. No entanto, ao aplicarmos essa interpretação atualmente, negligenciamos a realidade em que vivemos, uma realidade que mudou consideravelmente ao longo do tempo, especialmente no que diz respeito ao conceito de família.

No passado, o conceito de família estava profundamente enraizado em aspectos econômicos, com o casamento sendo muitas vezes uma questão de conveniência financeira, onde o afeto ocupava uma posição secundária em relação aos interesses patrimoniais. Durante a vigência do Código Civil de 1916, as regras de filiação eram estritamente reguladas, estabelecendo uma clara distinção entre filiação legítima e ilegítima.

De acordo com o Código de 1916, um filho legítimo era aquele nascido da união entre duas pessoas casadas, mesmo que o casamento fosse posteriormente anulado ou considerado nulo. Por outro lado, um filho ilegítimo era concebido fora dos laços matrimoniais, resultando em diversas categorias, como filhos naturais e espúrios. Os filhos ilegítimos enfrentavam discriminações sociais severas, muitas vezes sendo privados de direitos simplesmente por terem sido concebidos fora do casamento.

No entanto, à medida que a sociedade evoluiu, o conceito de família mudou drasticamente. Hoje, não questionamos mais os mesmos problemas do passado, ainda que possam existir, mas sim os direitos fundamentais, como o direito de ser filho, à luz dos princípios que regem o instituto da filiação, como a convivência familiar, os laços afetivos e o melhor interesse da criança.

É fundamental abordar e interpretar o direito de filiação de maneira sistêmica, levando em consideração a realidade em que vivemos. Atualmente, o foco está na promoção da convivência familiar saudável, na proteção dos laços afetivos e na garantia do bem-estar das crianças, em detrimento das antigas distinções legais baseadas em questões matrimoniais. O direito deve evoluir junto com a sociedade, adaptando-se às novas realidades e necessidades das famílias modernas e em especial a situação da mulher que vivenciam a monoparentalidade seja direta ou indireta.

O direito de filiação quando analisamos sistemicamente está diretamente ligado a lei do pertencimento, um conceito explorado por Bert Hellinger, postula que cada indivíduo tem um lugar inalienável dentro do sistema familiar ao qual pertence. Essencialmente, todos nascemos em uma linhagem familiar e, independentemente das circunstâncias, mantemos esse vínculo.

O sentimento de pertencimento é profundamente arraigado em nossa psique. Mesmo que em algum momento nos sintamos distantes de nossa família ou optemos por nos distanciar, esse sentimento persiste.

Os estudos pioneiros de Hellinger sobre os laços familiares, combinados com suas vastas experiências como psicoterapeuta, o levaram a observar esse fenômeno. Ele identificou uma inteligência inconsciente presente em todos os sistemas familiares, agindo de forma semelhante a um inconsciente coletivo familiar. Segundo Hellinger, essa inteligência opera para garantir que todos os membros da família se sintam parte integrante do sistema.

Quando um membro é excluído desse sistema, Hellinger observou que isso gera tensões entre os demais familiares. Essas tensões se manifestam em dificuldades diversas na vida dos envolvidos ou em obstáculos para o desenvolvimento da história pessoal de cada um.

Essa tensão, percebida pelos membros do sistema familiar, atua como um alerta para restaurar o equilíbrio natural da família. Em última análise, a Lei do Pertencimento enfatiza que nenhum indivíduo pode ser excluído do sistema familiar sem afetar profundamente o todo.

A singularidade inerente a cada caso requer uma abordagem individualizada e meticulosa, na qual o respaldo profissional, como o aconselhamento psicológico ou a terapia familiar, desempenha uma função crucial na mitigação dos desafios decorrentes da ausência do pai, seja ela direta ou indireta. Embora seja uma realidade imutável em alguns casos, pois ainda não podemos obrigar um pai amar seu filho, é possível atenuar seus efeitos prejudiciais nas futuras gerações. Compreendemos que o direito de filiação vai além das disposições legais, abrangendo não apenas o reconhecimento formal como filho, mas também o sentido mais profundo de ser parte de uma unidade familiar. Esta geração busca não apenas o reconhecimento legal da paternidade, mas também o amor, o afeto e a inclusão genuína na família, que vão além de meras formalidades jurídicas.

Ao examinarmos a monoparentalidade como uma condição psicossocial da mulher nas relações conjugais, enxergamos sua conexão direta com o exercício do poder familiar, permitindo uma compreensão mais abrangente e sistêmica do direito de filiação na contemporaneidade. É essencial direcionar nossos esforços para abordar as causas profundas desse fenômeno, em vez de simplesmente lidar com suas manifestações superficiais.

5.2 Impactos Da Monoparentalidade Direta na filiação

A monoparentalidade direta, caracterizada pela ausência do pai na vida de uma criança ou adolescente, pode acarretar impactos significativos em diversos aspectos de suas vidas. Estes impactos variam conforme uma série de fatores, como a causa da ausência paterna, o nível de envolvimento prévio do pai antes da separação, o suporte emocional disponível e outros elementos relevantes. Tais circunstâncias podem repercutir em várias esferas da sociedade, incluindo:

Impacto na criminalidade e na comunidade: O aumento do número de jovens infratores pode estar relacionado a uma variedade de causas, incluindo desigualdades sociais, falta de oportunidades, acesso limitado à educação de qualidade, influência de grupos criminosos, entre outros.

Risco de delinquência: Em alguns casos, a ausência do pai pode estar relacionada a um maior risco de envolvimento em comportamentos delinquentes, embora seja importante considerar outros fatores do ambiente. De acordo com um relatório publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022), o número de jovens infratores com idades entre 12 e 18 anos aumentou significativamente na última década. Somente em 2019, foram registrados mais de 300 mil casos de crimes juvenis no país.

Saúde mental e bem-estar: A sobrecarga sobre as mães que criam os filhos sozinhas pode afetar a saúde mental delas e o bem-estar das crianças. Isso pode gerar demandas por serviços de saúde mental e apoio psicossocial.

Educação e desenvolvimento infantil: A estrutura familiar pode influenciar o ambiente de aprendizado das crianças. O suporte educacional e o desenvolvimento emocional podem ser afetados, influenciando seu desempenho acadêmico e habilidades sociais.

Desenvolvimento emocional: A ausência do pai pode afetar o desenvolvimento emocional da criança, podendo levar a sentimentos de abandono, tristeza, raiva e confusão emocional.

Problemas de autoestima: A criança pode desenvolver uma autoestima reduzida, especialmente se a ausência do pai estiver associada a sentimentos de rejeição.

Dificuldades nos relacionamentos: A falta de uma figura paterna presente pode influenciar as habilidades sociais e a capacidade de estabelecer e manter relacionamentos saudáveis.

Questões de identidade: A ausência do pai pode afetar a construção da identidade da criança, incluindo questões de pertencimento e compreensão de papéis de gênero.

Problemas acadêmicos: Alguns estudos sugerem que a ausência paterna pode estar associada a um desempenho acadêmico inferior, embora isso possa ser influenciado por vários fatores.

Comportamento problemático: Crianças sem uma figura paterna presente podem apresentar comportamentos desafiadores ou problemáticos como uma forma de lidar com as emoções e o estresse associados à ausência.

Necessidade de modelos masculinos: A ausência do pai pode resultar na falta de um modelo masculino positivo na vida da criança, o que pode impactar sua visão do masculino e influenciar suas escolhas futuras.

5.3 Consequências da monoparentalidade indireta na filiação

As implicações da monoparentalidade indireta na filiação representam uma realidade dolorosa que pode gerar diversos impactos na vida de crianças e jovens. Enquanto os efeitos da ausência paterna direta já foram amplamente estudados e são visíveis, na monoparentalidade indireta, a presença do pai pode igualmente ser prejudicial, especialmente em casos de relacionamentos abusivos ou disfuncionais, resultando em desafios emocionais e sociais:

Baixa autoestima: Crianças que convivem com pais autoritários, agressivo, sejam pela personalidade ou vícios, podem desenvolver baixa autoestima, pois podem sentir que suas opiniões e escolhas não são valorizadas.

Falta de autonomia: A abordagem autoritária pode restringir o desenvolvimento da autonomia e da capacidade de tomar decisões independentes, já que o filho pode se acostumar a seguir ordens sem questionar.

Problemas de comunicação: A comunicação pode ser prejudicada quando há um ambiente onde o filho se sente desconfortável em expressar seus pensamentos e sentimentos. Isso pode impactar negativamente os relacionamentos no presente e no futuro.

Ansiedade e medo do fracasso: A pressão constante por perfeição e a punição por erros podem levar a uma ansiedade excessiva e um medo persistente de falhar nas expectativas impostas pelo pai.

Resistência ou rebeldia: Alguns filhos podem responder à autoridade excessiva com resistência ou rebeldia, buscando formas de desafiar as regras para afirmar sua independência.

Dificuldades de relacionamento: A falta de habilidades sociais e emocionais desenvolvidas em um ambiente autoritário pode levar a dificuldades nos relacionamentos interpessoais, tanto na infância quanto na vida adulta.

Dependência emocional: Em alguns casos, os filhos podem desenvolver uma dependência emocional excessiva do pai autoritário, buscando constantemente sua aprovação e validação.

Ao analisarmos a história, podemos concluir que a monoparentalidade direta muitas vezes tem origem na monoparentalidade indireta. Homens que cresceram sob a influência negativa de seus próprios pais, homens marcados por feridas emocionais, que um dia tiveram seu direito de serem filhos, amados e aceitos violados. Esses filhos, ao se tornarem pais, podem reproduzir padrões prejudiciais de relacionamento, perpetuando assim o ciclo da monoparentalidade direta e indireta.

CONCLUSÃO

Em conclusão, a análise sistemática da monoparentalidade feminina como uma condição psicossocial da mulher nas relações de casal revela as diversas camadas que compõem o complexo "iceberg" do conflito familiar. Ficou evidente que muitos dos problemas sociais enfrentados estão intrinsecamente ligados à dificuldade dos casais em separar a conjugalidade da parentalidade, resultando em uma sobrecarga desproporcional sobre a mulher e, por conseguinte, em consequências negativas para suas vidas pessoais e para as de seus filhos, reverberando na sociedade como um todo.

Diante desse panorama, a inclusão da mediação familiar sistêmica nos centros de resolução de conflitos se mostra como uma estratégia promissora para lidar de maneira preventiva e construtiva com as questões familiares. É crucial educar sobre a distinção entre conjugalidade e parentalidade, esclarecendo os papéis e responsabilidades de cada genitor e destacando a importância do exercício do poder familiar de forma conjunta para mitigar os casos de monoparentalidade feminina e suas implicações sociais.

Ao promover a educação parental e oferecer suporte prático e emocional, o Estado desempenha um papel fundamental na promoção de famílias mais saudáveis, no fortalecimento dos laços familiares e na redução de conflitos que afetam negativamente o desenvolvimento das crianças e adolescentes.

É crucial reconhecer a monoparentalidade feminina como uma questão psicossocial e implementar medidas preventivas de intervenção, considerando tanto a monoparentalidade direta quanto a indireta. Esta última, muitas vezes negligenciada, apresenta desafios e consequências que demandam uma compreensão mais aprofundada.

É fundamental que os pais compreendam seu papel no sistema familiar para exercerem o poder familiar de maneira equilibrada, priorizando o bem-estar e o desenvolvimento integral dos filhos. Somente assim poderemos garantir o efetivo direito de ser filho e preservar os laços familiares como alicerces essenciais para uma sociedade mais justa e equitativa.

REFERÊNCIAS

  1. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Família, volume 6, Editora Saraiva, 2012, p. 360-362

  2. GONÇALVES, Cunha. Direitos de família e direitos das sucessões, p. 307.

  3. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil, p. 208.

  4. RODRIGUES, Silvio. Direito civil, cit., v. 6, p. 359.

  5. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 05 mar. 2023.

  6. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume VI: Direito de Família. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

  7. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, volume VI: Direito de Família. 30ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

  8. TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

  9. IDENTIDADE FEMININA: UM CONCEITO COMPLEXO FEMALE IDENTITY: A COMPLEX CONCEPT Disponível em: https://www.scielo.br/j/paideia/a/k7N97NMTq5LRFRNdh6hxZxq/ Acesso em 15 mar. 2024

Sobre a autora
Ingrid Ellen Pimentel Dalbem

Palestrante e Pesquisadora em Monoparentalidade feminina como condição psicossocial da mulher nas relações de casal. Membro da IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Vitória (CESV). Pós-graduações em Mediação, Pensamento Sistêmico, Direito de Família e Sucessões. Certificação em Practitioner PNL (Programação Neurolinguística). Formação em Comunicação Não Violenta. Terapia Integrativa e Mediação Extrajudicial

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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