Guia de orientações sobre inelegibilidade por rejeição de contas

24/04/2024 às 16:46
Leia nesta página:

O que inelegibilidade?

É o termo que define quando um candidato ou candidata está impedido legalmente de disputar eleições. A inelegibilidade é o estado jurídico negativo de quem não possui elegibilidade, seja porque nunca a teve seja porque a perdeu.

O que são contas de governo e o que são contas de gestão?

As contas de governo, também chamadas de contas anuais, referem-se aos resultados gerais do exercício financeiro-orçamentário. Quando o Tribunal de Contas aprecia o balanço anual da Prefeitura. Quem presta contas anuais de governo é o Presidente da República, o Governador do Estado, o Prefeito Municipal, e não, a União, o estado membro ou o município; ou ainda, quem presta contas é o administrador (CF, art. 71, II), não a administração.

As contas de gestão evidenciam os atos de administração e gerência de recursos públicos praticados pelos chefes e demais responsáveis de órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive das fundações públicas, de todos os Poderes da União, Estados, Distrito Federal e municípios, tais como: arrecadação de receitas e ordenamento de despesas, admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, realização de licitações, contratações, empenho, liquidação, pagamento de despesas, despesas impróprias e subsídios pagos a maior.

Contas prestadas por Chefes do Poder Executivo

Quando em análise contas prestadas por chefes do Poder Executivo (prefeitos, governadores e Presidente da República), as decisões dos Tribunais de Contas são consideradas um parecer prévio e opinativo, o qual pode ou não ser acatado pela Casa Legislativa respectiva. Por exemplo, na análise de contas de um prefeito, a decisão do Tribunal terá caráter parecerista, mas o julgamento final capaz de declarar a inelegibilidade do Prefeito será da Câmara de Vereadores. Tal interpretação advém da redação dos artigos 31 e 71 da Constituição Federal de 1988.

A competência exclusiva para julgar as contas de governo e as contas de gestão dos prefeitos são das Câmaras Municipais de Vereadores. O julgamento definitivo é sempre da Câmara Municipais de Vereadores e, não, dos tribunais de contas, pois que estes, para qualquer ato financeiro do chefe do Poder Executivo, se restringiriam à opinião, à indicação técnica de rumo e, não, à decisão final.

A LC 64/90 que define os casos de inelegibilidade, alterada pela LC 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), prevê que os administradores que ocuparam cargos ou funções públicas e tiveram suas contas rejeitadas pelo "órgão competente" ficam inelegíveis pelo período de 8 anos. Veja:

Lei Complementar 64/90:

“Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos oito anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.

Nos termos dos arts. 49, IX, e 71, I, da CF/1988, a competência para deliberar a respeito das contas prestadas pelo chefe do Poder Executivo Federal é do Poder Legislativo, cabendo ao Tribunal de Contas à emissão de parecer prévio. Vejamos:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

[...]
IX – julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;

[...]
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
[...]

O Supremo Tribunal Federal – por ocasião do julgamento do RE nº 132.747/DF – essa regra de competência se estende aos demais entes federativos:

[…] INELEGIBILIDADE - PREFEITO - REJEIÇÃO DE CONTAS - COMPETÊNCIA. Ao Poder Legislativo compete o julgamento das contas do Chefe do Executivo, considerados os três níveis – federal, estadual e municipal. O Tribunal de Contas exsurge como simples órgão auxiliar, atuando na esfera opinativa – inteligência dos artigos 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 25, 31, 49, inciso IX, 71 e 75, todos do corpo permanente da Carta de 1988. […]

E mais recentemente o STF reiterou:

Repercussão Geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Competência da Câmara Municipal para julgamento das contas anuais de prefeito. 2. Parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas. Natureza jurídica opinativa. 3. Cabe exclusivamente ao Poder Legislativo o julgamento das contas anuais do chefe do Poder Executivo municipal. 4. Julgamento ficto das contas por decurso de prazo. Impossibilidade. 5. Aprovação das contas pela Câmara Municipal. Afastamento apenas da inelegibilidade do prefeito. Possibilidade de responsabilização na via civil, criminal ou administrativa. 6. Recurso extraordinário não provido.

(RE 729744, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-186 DIVULG 22-08-2017 PUBLIC 23-08-2017)

Outrossim, quanto aos chefes do Poder Executivo Municipal – objeto desse estudo –, a competência para julgamento das contas é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio. Aliás, é assim que estabelece o § 1° do art. 31 da CF/1988:

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

[…]

O Tribunal Superior Eleitoral reforçou que compete à Câmara Municipal o julgamento das contas prestadas anualmente pelo prefeito e esclareceu que essa competência não se modifica na situação em que o prefeito atua como ordenador de despesas.

Logo, extrai-se que o disposto no inciso II do art. 71 da CF/1988, a que faz referência o art. 1°, I, g, da LC 64/1990 e que define que as contas do ordenador de despesas serão julgadas pelo Tribunal de Contas, não se estende a prestação de contas de prefeitos. Aliás, esse é o entendimento firmado pelo TSE por ocasião do julgamento do AgR-REspe 174-43/PI:

[...]
1. Este Tribunal firmou entendimento no sentido de que a Câmara Municipal é o órgão competente para julgar as contas do prefeito, inclusive como ordenador de despesas, e que, nesse caso, ao Tribunal de Contas cabe apenas a emissão de parecer prévio, não incidindo, portanto, a ressalva do art. 1º, I, g, da Lei Complementar 64/1990. Ressalva de entendimento do relator.

[...]

Apresenta-se, entretanto, como exceção à regra de competência do art. 31 da CF/1988, o julgamento dos convênios firmados entre município e outro ente da Federação, já que, nessas situações, o órgão competente para deliberar sobre as contas prestadas pelo prefeito será o Tribunal de Contas, e não a Câmara Municipal, consoante compreensão sedimentada na Corte Superior Eleitoral (AgR-REspe 101-93/RN).

Em relação à deliberação das contas pelo Poder Legislativo Municipal, cabe destacar que o parecer prévio do Tribunal de Contas só deixará de prevalecer diante de decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal (art. 31, § 2º, da CF).

É imprescindível o julgamento expresso da Câmara Municipal a respeito das contas apresentadas, ainda que lei orgânica determine que a ausência de decisão do Poder Legislativo Municipal sobre as contas de prefeito permitirá que prevaleça o parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas (AgR-REspe 127-75/SP).

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Por conseguinte que as contas anuais de prefeito, como gestor e ordenador de despesas, devem ser apreciadas pelo Tribunal de Contas e julgadas pela Câmara Municipal – salvo convênios firmados com outros entes da Federação – sendo que, para a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC 64/1990, além dos demais requisitos indicados no mencionado dispositivo, o prefeito deve ter suas contas expressamente rejeitadas pela Câmara Municipal, não sendo suficiente a emissão de parecer técnico do Tribunal de Contas.

Contas prestadas pelos demais Ordenadores de Despesas

As contas prestadas pelos demais ordenadores de despesas, como os Presidentes dos Poderes Legislativos, Ministros, Secretários de Estado e Secretários Municipais, são apreciadas e definitivamente julgadas pelas Cortes de Contas (art. 71, II, CF/88). Ou seja, para tais cargos, os órgãos especializados têm a competência necessária para aprovar ou rejeitar as contas prestadas, e sua decisão pode gerar a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “g” da LC 64/90, mesmo sem o crivo do Poder Legislativo. Nessa linha de raciocínio:

ELEIÇÕES 2012. REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. REJEIÇÃO DE CONTAS. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. INCIDÊNCIA.

(...)

3. O Tribunal de Contas é o órgão competente para o julgamento de contas de presidente de Câmara Municipal, nos termos do art. 71, II, c.c. o art. 75 da Constituição Federal, não havendo que se falar em necessidade de julgamento em sede de ação civil pública por ato de improbidade administrativa para a incidência da causa de inelegibilidade da alínea g. Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral no 38567, Acórdão de 25/04/2013, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 99, Data 28/5/2013, Página 40)

Contas referentes a convênios entre os Entes Federados

Quando em análise contas referentes a convênios entre os entes federados, o julgamento fica a cargo dos Tribunais de Contas. O TCE é o órgão julgador das contas provenientes de convênio entre estados e municípios. Por outro lado, em convênios federais, quando os recursos são repassados pela União, a competência é do TCU. Em ambos os casos, as contas serão julgadas por esses órgãos mesmo quando prestadas por Chefes do Poder Executivo. Portanto, nessas hipóteses, uma decisão desfavorável dos Tribunais de Contas gerará a inelegibilidade, sem a necessidade de exame pelas Casas Legislativas.

A quem compete conhecer e decidir sobre inelegibilidade?

Compete à Justiça Eleitoral conhecer e decidir as arguições de inelegibilidade (art. 2º, I, II, III, da Lei Complementar 64/1990).

“Art. 2º Compete à Justiça Eleitoral conhecer e decidir as arguições de inelegibilidade.

Parágrafo único. A arguição de inelegibilidade será feita perante:

I - o Tribunal Superior Eleitoral, quando se tratar de candidato a Presidente ou Vice-Presidente da República;

II - os Tribunais Regionais Eleitorais, quando se tratar de candidato a Senador, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital;

III - os Juízes Eleitorais, quando se tratar de candidato a Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador”.

Notas e Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 23 de abril de 2024.

BRASIL. Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm>. Acesso em: 23 de abril de 2024.  

BRASIL. Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990. Lei de Inelegibilidade. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm>. Acesso em: 23 de abril de 2024.

BRASIL. Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010. Lei da Ficha Limpa. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp135.htm>. Acesso em: 23 de abril de 2024.

Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação a distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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