O imóvel pertence à nossa família há mais de 40 anos mas não temos o registro (RGI) pois não temos Escritura. E agora?

24/04/2024 às 16:40
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O PROBLEMA dos imóveis irregulares no Brasil é de fato uma questão inegável que não pode ser relegada à invisibilidade. São aproximadamente 30 milhões de imóveis que podem estar à margem da legalidade ( https://oglobo.globo.com/patrocinado/dino/noticia/2023/10/23/metade-dos-imoveis-no-brasil-possui-alguma-irregularidade.ghtml), seja por estarem sem Escritura e sem Registro ou mesmo por estarem completamente desatualizados no RGI (como os muitos imóveis que constam ainda em nome de pessoas falecidas, sem que a família tenha feito o necessário INVENTÁRIO). Algumas soluções hoje podem ser obtidas diretamente nos Cartórios Extrajudiciais sem a necessidade de um longo e custoso processo judicial, todavia, em se tratando de questões imobiliárias o exame detido do relato do caso e principalmente da documentação atualizada é o ponto de partida que poderá indicar o (s) melhor (es) caminho (s) a ser (em) adotado (s).

Como dito acima algumas ferramentas são hoje acessíveis diretamente nos Cartórios Extrajudiciais, sem a necessidade de processo Judicial mas sempre com a presença obrigatória de Advogado. São elas:

INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL: tem base legal na Lei 11.441/2007 e foi recepcionado pelo CPC/2015, tendo regulamentação pelo CNJ através da Resolução 35/2007 e suas posteriores atualizações. Resolve-se com a lavratura de uma Escritura Pública de Inventário e Partilha embasada pelas complexas regras de sucessão trazidas pelo CC/2002 (se aplicável, já que há casos onde as regras de regência sucessória podem ser aquelas ainda do CC/1916). Todo o processo de Inventário nesse caso tende a ser resolvido com muito mais brevidade em Cartório, inclusive abrangendo questões relacionadas ao imposto envolvido (ITD ou ITCMD, como queira) e na sequência a Escritura Pública de Inventário e Partilha, lavrada sob a assistência obrigatória de ADVOGADO servirá de título para promover a distribuição dos bens e atualização no RGI por exemplo, mas não somente (já que serve também para transferir veículos, dinheiro e quaisquer outros bens deixados pelo morto que tenha sido objeto de partilha na Escritura de Inventário).

USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL: tem base legal no artigo 216-A da Lei de Registros Publicos, sendo introduzido por ocasião do CPC/2015 (art. 1.071), contando hoje com regulamentação pelo CNJ através do Provimento 149/2023 (até então era regulamentado pelo Provimento CNJ 65/2017, hoje inteiramente revogado). Em duas etapas importantes o procedimento se desenvolverá: na primeira delas junto ao Tabelionato de Notas onde a ATA NOTARIAL será lavrada e na segunda delas junto ao Cartório do Registro de Imóveis onde a tramitação do procedimento se dará se desdobrando em diversas outras etapas como a realização das Notificações e Intimações, comprovação da posse etc - tudo com assistência obrigatória também de ADVOGADO, mas dispensando a realização de um Processo Judicial. Ao final, com a procedência dos pedidos a aquisição do imóvel via Usucapião deverá ser reconhecida e com isso passa a constar como novo proprietário do imóvel o Usucapiente que tenha conseguido demonstrar o preenchimento dos requisitos legais exigidos conforme a espécie de usucapião proposta.

ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL: a mais recente das ferramentas extrajudicializadas tem base na Lei 14.382/2022 que instroduziu na Lei 6.015/73 ( Lei de Registros Publicos) o art. 216-B. O procedimento tem também regulamentação pelo CNJ através do Provimento 149/2023 e pode ser requerido em qualquer Cartório de Registro de Imóveis do Brasil atualmente, observada a circunscrição imobiliária como acontece com a Usucapião Extrajudicial. O requerimento obrigatoriamente deve ser feito através de ADVOGADO e deve encartar o pedido a competente ATA NOTARIAL previamente lavrada por Tabelião de Notas. Em resumo, destina-se a regularizar a aquisição imobiliária baseada em Promessa de Compra e Venda onde não tenha sido outorgada a ESCRITURA DEFINITIVA mesmo depois de quitado o preço, ocasião em que por conta disso o comprador não tem o RGI em seu nome.

Não sendo o caso de solução pela via extrajudicial (ou mesmo por pura opção, já que a via extrajudicial não pode jamais ser imposta aos interessados, sendo em todos os casos uma mera FACULDADE e nunca uma OBRIGATORIEDADE) caberá ao interessado assistido e devidamente orientado pelo seu Advogado buscar então a via judicial na tentativa de obter a solução para seu embaraço imobiliário. Em muitos casos pode caber mais de uma solução inclusive não se olvidando que efetivamente o exame acurado de cada detalhe e peculiaridade pode apontar qual solução pode ser mais vantajosa em detrimento de outras, ainda que excepcionalmente, como destaca recente decisão do TJSC que prestigia a aplicação excepcional da USUCAPIÃO para regularizar imóvel diante da excessiva dificuldade para regularização pelas vias ordinárias em caso de aquisição derivada:

"TJSC. 5001268-92.2020.8.24.0055. J. em: 22/02/2024. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO. RECURSO DA PARTE AUTORA. SUSTENTADA A PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DA USUCAPIÃO BEM COMO A IMPOSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EM RAZÃO DO EXTRAVIO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA ENTABULADO ENTRE AS PARTES. ALTERAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS REGISTRAIS ENTRE A REALIZAÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA E O AJUIZAMENTO DA USUCAPIÃO. TESE ACOLHIDA.UTILIZAÇÃO DA AÇÃO DE USUCAPIÃO QUE SE AFIGURA ADEQUADA À REGULARIZAÇÃO DO IMÓVEL DESDE QUE EVIDENCIADA A EXCESSIVA DIFICULDADE OU IMPEDIMENTO DE REALIZÁ-LA PELAS VIAS ADMINISTRATIVAS. DEMONSTRAÇÃO NO CASO CONCRETO DOS EMPECILHOS QUE OBSTAM A UTILIZAÇÃO DAS VIAS REGULARES. EXTRAVIO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA, ALTERAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS REGISTRAIS JUNTO À MATRÍCULA DO IMÓVEL. EXTINÇÃO DO PROCESSO QUE SE AFIGURA PREMATURA E CALCADA EM ARGUMENTAÇÃO QUE NÃO PROSPERA. TEORIA DA CAUSA MADURA. INAPLICABILIDADE. FALTA DE COMPLETA ANGULARIZAÇÃO PROCESSUAL. PROSSEGUIMENTO DO FEITO NA ORIGEM QUE SE IMPÕE. SENTENÇA CASSADA. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO."1. A usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, pela qual a pessoa que exerce a posse prolongada adquire o domínio do bem, diversamente à transmissão por meio de negócio jurídico [aquisição derivada]. 2. Quando a pretensão tem origem em relação jurídica direta com o proprietário registral do bem, a ação de usucapião não é meio idôneo, sob pena de configurar atalho à regularização registral, com a consequente modificação da natureza por meio da qual a propriedade foi adquirida. 3. Entretanto, quando demonstrada a impossibilidade ou a excessiva dificuldade no registro da propriedade com base no instrumento contratual apresentado, autoriza-se, excepcionalmente, o cabimento da propositura de ação de usucapião. 4. Demonstrada a excepcionalidade, mostra-se incorreta a extinção do feito sem resolução do mérito pela impossibilidade jurídica do pedido"( AC n. 0300025-68.2017.8.24.0011, rel. Des. Alexandre Morais da Rosa, Oitava Câmara de Direito Civil, j. em 30/01/2024)".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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