Preferimos não abrir Inventário porque o falecido tinha muitas dívidas. Mesmo assim estamos correndo risco de perder os bens?

29/04/2024 às 16:45
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ALGUMAS PESSOAS ainda pensam, equivocadamente, que o fato da não abertura do Inventário pode preservar bens deixados por herança por quem tinha dívidas. Ledo engano. Nesse contexto a perpetuação da IRREGULARIDADE dos bens da herança é uma consequencia comum e recorrente, ainda que saibamos que a USUCAPIÃO possa ser, ainda que excepcionalmente, uma solução nesses contextos, em muitos casos e com muitas ressalvas.

Como já esclarecemos diversas vezes, o procedimento de INVENTÁRIO se destina a apurar todo o acervo deixado pelo autor da herança, buscando precipuamente o PAGAMENTO de todas as suas dívidas - SIM - somente sobrando bens depois de abatidas as dívidas que o morto deixar é que deverá ser partilhado o que sobrar, observadas as regras legais, principalmente aquela do art. 1.829 do Código Civil que trata da ordem de vocação hereditária. O artigo 1.997 do Código Civil é claro:

"Art. 1.997. A herança RESPONDE pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube".

A doutrina especializada confirma, como ilustra muito bem a lição do Professor, Promotor Aposentado e Advogado, Dr. DIMAS MESSIAS DE CARVALHO (Direito das Sucessões - Inventário e Partilha. 2023) para quem,

"A herança se constitui de uma universalidade de bens, direito e obrigações, de créditos e DÉBITOS, e uma das finalidades do inventário é apurar a herança líquida para proceder à partilha dos bens apurados aos herdeiros e entregar o bem singularizado ao legatário. O patrimônio do falecido responde pelas obrigações que deixou, pois A MORTE NÃO QUITA ou extingue suas dívidas, cumprindo ao herdeiro, em razão da teoria da continuação da pessoa, substituir o de cujus em todas as relações jurídicas que era titular, até os limites da força da herança, mantendo a mesma situação que vigorava em vida. O espólio responde por todos os débitos do falecido, tantos os que existiam antes de sua morte quanto os que ocorreram posteriormente, denominados dividas póstumas, como as despesas de funeral".

O ilustre especialista esclarece ainda:

"O credor do espólio, portanto, pode adotar uma das seguintes providências: a) acionar diretamente o espólio, independentemente do processo de inventário, baseado nos seus títulos, recorrendo às vias regulares em ação ordinária de cobrança ou execução contra devedor solvente, pois não se acha obrigado a habilitar-se no inventário; b) requerer ao juízo do inventário, antes da partilha, o pagamento das dívidas e habilitação, inclusive das não vencidas com a concordância dos herdeiros, reservando-se bens se forem impugnadas; junto patrimonial deixado. c) acionar os herdeiros, após a partilha, e receber pro rata, tendo como garantia o conjunto patrimonial deixado. Não se exige, assim, que o credor do espólio se habilite no inventário para receber a dívida, podendo cobrá-la pelos meios ordinários, mediante cobrança ou execução, diretamente contra o espólio, inclusive penhorando bens. Apesar de o Código de Processo Civil estabelecer um rito de habilitação das dívidas no processo de inventário, o credor possui a faculdade de adotar esse procedimento não contencioso".

Como se vê, Inventário não é para distribuir bens deixados pelo morto sem que antes o pagamento das dívidas deixadas por esse seja realizado, sendo suportado pelas"forças da herança". Sim, pode ocorrer das dívidas serem maiores que os bens da herança e nesse caso NADA deverá ser entregue aos herdeiros, que também com base na Lei não deverão responder com seu patrimônio particular pelas dívidas deixadas pelo "de cujus". Interessa destacar, todavia, que essa "estratégia" de não abrir o Inventário para não perder os bens da herança deixados pelo morto não tem essa eficácia que se imagina (salvo na hipótese da ocorrência da prescrição aquisitiva e também da prescrição extintiva, como já comentamos em outras passagens) na medida em que os CREDORES do falecido podem se habilitar no Inventário para requerer o pagamento das dívidas ou mesmo, independentemente de Inventário aberto, socorrer-se das vias ordinárias de cobrança - ou se preferirem - também requerer sua abertura (cf. inciso VI do art. 616 do CPC), sendo legítima a cobrança em face do ESPÓLIO - mesmo que não haja inventário aberto - quando então deverão representar o "Espólio" aquelas pessoas indicadas no art. 1.797 do CCB (cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão; herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho; testamenteiro; a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas anteriormente, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz) como aponta a jurisprudência do TJRJ, anulando a sentença do juízo primevo:

"TJRJ. 00599668520208190001. J. em: 10/11/2022. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. DEMANDA PROPOSTA EM FACE DO ESPÓLIO. AUSÊNCIA DE INVENTÁRIO. EXTINÇÃO DO FEITO. Espólio que tem legitimidade para responder a ação monitoria, ainda que o inventário não tenha sido aberto. Art. 796 do CPC e art. 1.997 do CC. Princípio da saisine. Até a abertura do inventário e, consequentemente, a nomeação formal do inventariante, a administração dos bens do espólio compete ao cônjuge, na forma do art. 1.797 do CC Precedentes do ST. PROVIMENTO DO RECURSO".

Neste mesmo sentido, igualmente decisão recente do TJDFT, também cassando a sentença do juízo de piso:

"TJDFT. 0740222-33.2019.8.07.0001. J. em: 15/04/2021. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DÍVIDA. FALECIDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. HERDEIROS. INVENTÁRIO. INEXISTÊNCIA. ESPÓLIO. LEGITIMIDADE. SENTENÇA CASSADA. 1. Enquanto não aberto e finalizado o Inventário, os herdeiros individualmente considerados não possuem legitimidade para integrar o polo passivo da Ação de Cobrança de dívida referente a contrato de prestação de serviços celebrado pelo falecido. 2. A herança deve responder por eventual obrigação deixada pelo falecido, sendo o Espólio, como parte formal, com personalidade processual, o legitimado passivo para integrar a lide. 2.1. A representação do Espólio ocorre na pessoa do inventariante, nos termos do artigo 75, inciso VII do Código de Processo Civil, ou, caso ainda não proposta Ação de Inventário, na pessoa do administrador provisório, consoante artigos 613 e 614 do Código de Processo Civil de 2015 c/c artigo 1.797 do Código Civil. 3. Recurso conhecido e provido. Sentença cassada".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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