A distribuição de bens, valores ou benefícios pela administração em caso de calamidade pública no ano eleitoral.

08/05/2024 às 07:55

Resumo:


  • A recente catástrofe natural no Rio Grande do Sul exige uma resposta rápida e eficaz das autoridades para ajudar as comunidades afetadas.

  • Em meio à reconstrução pós-desastre, é essencial que os agentes políticos respeitem as normas eleitorais para garantir a lisura do processo eleitoral em outubro.

  • A situação de calamidade pública permite exceções à proibição de distribuição de bens, valores ou serviços pela administração pública em ano eleitoral, mas exige observância aos princípios constitucionais e critérios objetivos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

                A recente catástrofe natural que assola o estado do Rio Grande do Sul deixa uma profunda marca nas comunidades afetadas, exigindo uma resposta rápida e eficaz das autoridades. Enquanto a região lida com os desafios da reconstrução e recuperação, outro aspecto importante entra em foco: em outubro os 497 Municípios do Estado irão às urnas escolher Prefeitos e Vereadores. Em meio à urgência das operações de socorro e assistência às vítimas, é essencial que os agentes políticos e candidatos respeitem as normas estabelecidas para garantir a lisura do processo eleitoral. A atenção para com as vítimas e a priorização das necessidades da população devem permanecer como foco principal, sem espaço para a instrumentalização política indevida durante esse período delicado.

                A Lei das Eleições (Lei nº. 9.504/97) em seu artigo 73 descreve uma série de condutas tendentes a afetar a igualdade no processo eleitoral proibidas aos agentes públicos e se praticadas, podem ser sancionadas com multa e até cassação do registro ou diploma como, por exemplo, a distribuição gratuita de valores, bens ou serviços pela administração. No entanto, o Legislador criou hipóteses de exceção conforme disposto na segunda parte do § 10 do art. 73, que são os casos de calamidade pública, estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

No nosso breve estudo, analisaremos as situações de calamidade pública, considerando o contexto atual do Estado do Rio Grande do Sul.

                Calamidade Pública pode ser conceituada como a situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido. Evidentemente em uma situação de calamidade, a regra cede espaço para a exceção, pois não pode a Administração se omitir na prestação de auxílio às populações atingidas em razão da existência de um processo eleitoral em curso, conforme destaca Rodrigo López Zilio “A ressalva da situação excepcional guarda pertinência com a necessidade de prestar pronta assistência ao corpo social atingido pela calamidade pública e estado de emergência, sob pena de frustração do fim básico do Estado – que é o bem-comum”.

                Contudo, que este dever do Estado de prestar assistência em situações de calamidade pública não pode servir de motivo para o uso eleitoreiro daquelas ações em prol de candidatos, partidos políticos, federações ou coligações, sob pena de caracterização da conduta vedada prevista no artigo 73, inciso IV da Lei das Eleições “fazer ou permitir, uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição de gratuita de bens, e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público”. Além disso, a distribuição de benefícios à população com a utilização da situação calamitosa objetivando angariar apoio político poderá configurar captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder político e econômico, implicando na cassação do registro ou diploma e até na inelegibilidade dos agentes envolvidos.

                Em 2020, durante a Pandemia do Covid-19, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul foi consultado sobre a possibilidade de distribuição de benefícios à população pela administração, considerando que naquele ano teríamos eleições municipais. Em resposta à Consulta n. 0600098-44.2020.6.21.0000, de relatoria do desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores, a Corte Gaúcha respondeu:

[...] é necessário observar que o administrador público, mesmo em face de situação de calamidade, está adstrito aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do comando do art. 37 da Constituição Federal, sem que possa fazer uso da distribuição gratuita de bens e valores com caráter eleitoreiro ou como forma de promoção pessoal, sob pena de incorrer na conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei nº. 9.504/97.

[...]

Em resumo: a calamidade pública é exceção à regra que proíbe, em ano eleitoral, a distribuição de bens, valores ou serviços pela administração pública, mas não isenta o gestor da observância dos princípios constitucionais no trato da coisa pública e não dispensa a adoção de critérios objetivos para estabelecer beneficiários, prazo de duração e motivação estrita relacionada à causa da situação excepcional.

                A tragédia natural no Rio Grande do Sul e as restrições éticas impostas durante o ano eleitoral destacam a importância de um equilíbrio sensível entre a responsabilidade política e a solidariedade humana. Enquanto o estado se recupera, é crucial que os líderes e candidatos ajam com integridade e empatia, colocando o bem-estar das comunidades acima de interesses políticos e partidários, evitando a utilização da situação calamitosa como meio para angariar votos.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas paras as eleições. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em: 08 de maio. 2024

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Eleitoral. Cta n. 0600098-44.2020.6.21.0000, Relator (a) Desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores. Disponível em: < https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/decisoes/pesquisa-na-je-antiga >. Acesso em 08 maio. 2024.

ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 6ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018.

Sobre o autor
Juliano Vieira da Costa

Advogado atuante na área de Direito Administrativo Sancionador e Direito Eleitoral, Especialista em Direito Eleitoral pela PUC-Minas. Instrutor do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RS. Autor do livro "Reflexões Sobre a Lei de Improbidade Administrativa - À Luz das Alterações pela Lei 14.230/2021" (Juruá, 2024).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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