A subordinação e a plataforma digital UBER

10/05/2024 às 16:16

Resumo:


  • A relação de emprego é estabelecida por um contrato entre empregado e empregador, com subordinação, remuneração e controle do trabalho.

  • O Tribunal Superior do Trabalho não reconheceu vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos e plataformas como a Uber, devido à ausência de subordinação jurídica.

  • A legislação trabalhista nacional considera a subordinação como um dos elementos fundamentais para caracterizar o vínculo empregatício, podendo incluir meios telemáticos para controle do trabalho.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A relação de emprego provém de um contrato entre empregado e empregador, onde o primeiro presta os serviços de maneira habitual, remunerada e subordinada, e o empregador tem a faculdade legal de dirigir e disciplinar o trabalho, exercendo o controle e a fiscalização sobre o empregado.1 Muito se discute na atualidade sobre a possibilidade de vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativos e as plataformas que oferecem este tipo de serviço, não tendo se formado ainda uma jurisprudência pacífica.

O Tribunal Superior do Trabalho confirmou a ausência de relação empregatícia entre motorista de aplicativo e a plataforma Uber, por ausência de subordinação jurídica, pois “não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que não atuam enquadrados no conceito legal de subordinação”.2

Traz o argumento que a Resolução 148/2019 do Comitê Gestor do Simples Nacional incluiu no rol de atividades permitidas para a inscrição como microempreendedor individual o motorista de aplicativo independente, além de excluir a possibilidade de comparação com o trabalhador externo, conforme o art. 61, I, da CLT, citando que o motorista de aplicativo tem autonomia de horário e tampouco há a necessidade de cumprir metas ou ordens definidas pela empresa, sendo contratual todo o escopo da relação entre ambos,3 apesar de se operar em contrato de adesão.

A priori, a operação do app visa estabelecer a ponte entre o usuário que necessita de transporte e o motorista que está disposto a operar pela demanda e preço oferecidos pela empresa através de algoritmos que calculam inúmeros fatores como rota, tempo de percurso, demanda, entre outros.

Conforme a legislação trabalhista nacional, o vínculo empregatício ocorre quando estão presentes requisitos como a subordinação, a não eventualidade, a pessoalidade, a alteridade e a onerosidade. Caso reste caracterizado os pressupostos da relação de emprego, não se pode realizar a distinção entre o trabalho que é realizado fora do ambiente da empresa, seja na casa do empregado ou a distância, dispondo assim o art. 6º da CLT.

No que tange a subordinação, um dos elementos mais importantes para a caracterização do vínculo empregatício, também se deve considerar as hipóteses do parágrafo único do já citado art. 6º da CLT, que incluiu os meios telemáticos e informatizados para o controle e supervisão do trabalho realizado, ou seja, existe a possibilidade de subordinação jurídica caso haja monitoramento do trabalho pelo aplicativo.

Para Maurício Godinho Delgado,4 as dimensões da subordinação podem ser divididas entre a clássica, a objetiva e a estrutural. O que muda entre elas é em relação a dinâmica que o subordinado terá dentro do trabalho. Na subordinação clássica, advinda do contrato de trabalho, o empregado é subalterno às ordens do empregador. Na dimensão objetiva, o empregado tem certo poder de direção, uma vez que há a integralização do empregado nos fins e objetivos do empregador, ou seja, apesar de mais liberdade, o trabalhador ainda é submisso.

No caso da subordinação estrutural, o trabalhador acolhe a estrutura da organização do tomador dos serviços, mesmo que não receba ordens diretas.5 O trabalhador não mais desempenha uma subordinação clássica, por estar inserido às atividades que sejam essenciais da empresa ou em sua dinâmica organizacional.6

Em outra forma de mitigar este tipo de poder temos a subordinação indireta, tal qual é a transferência de poder de direção que cuida das questões sobre a regulamentação e fiscalização de atividade, em que o seu detentor pode exercer poder de comando e exigir as tarefas para serem executadas. Este tipo de subordinação é o “contrapeso” da subordinação direta, que é aquela em que a pessoa detém uma parte do poder disciplinar7.

Também temos a existência da parassubordinação, ainda não regulamentada no sistema legal brasileiro, que seria um meio termo entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo, onde ocorre a mitigação do poder diretivo do empregador e há “a colaboração continuada e coordenada, em que a direção dos serviços está presente de modo difuso e pontual”,8 acarretando na desvalorização do labor humano e maior precarização das condições de trabalho.9

Conforme a Suprema Corte Britânica, no caso Uber BV e outros vs Aslan e outros,10 os motoristas são subordinados e dependentes do Uber, vez que a única maneira de melhorar a posição econômica seria trabalhar mais horas. A subordinação ocorre pela questão de toda a operação é controlada pela Uber, tendo o motorista unicamente o “poder” de negar a corrida, porém quanto mais corridas forem negadas pelo motorista é gerado penalidades, como impedimento de acesso a plataforma por tempo estipulado, uma punição.

Ficou configurado que o referido voto condutor do ministro relator Ives Gandra ampliou conceitos jurídicos a fim de beneficiar a liberdade econômica, como preconiza o §1º do art. 1º da lei Nº 13.874/2019, vez que a profissão de motorista por aplicativo ainda não está regulamentada, logo, a classe dever-se-ia se encaixar nas já existentes, enquanto não é regulamentada.

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O motorista de aplicativo não se enquadra na lei nº 13.103/2015, que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista de transporte coletivo e de cargas, ao passo que também não se adequaria a lei nº 12.468/2011, tal qual regulamenta a profissão de taxista. Na outra hipótese de motoristas particulares que podem exercer a sua profissão, por mais de dois dias na semana seria a de motorista registrado como doméstico, conforme dispõe o art. 1º da Lei Complementar nº 150/2015, desde que no âmbito residencial dos empregadores. Se levarmos em conta, que o aplicativo é um aluguel de motorista com carro e muitos usuários passageiros do aplicativo utilizam-no de inúmeras maneiras, ira para casa, trabalho, shopping, em tese, o motorista de Uber é um trabalhador doméstico.

O raciocínio não é de todo forçoso, principalmente se nos atentarmos ao princípio da primazia da realidade, bem como ao princípio da proteção do trabalhador, sendo que este último deverá ser considerado como fundamental para a aplicabilidade de uma regra jurídica trabalhista.11

Apesar disso, o STF tem defendido maiores anseios à liberdade de iniciativa em prol da liberdade econômica, conforme se extrai do julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 725,12 permitindo a terceirização de toda atividade fim, possivelmente decidindo de forma semelhante no Tema de Repercussão Geral nº 1291 e o julgamento do caso paradigma RE1446336,13 o que é um contrassenso, tendo em vista o caráter dirigente da Constituição Federal e a livre inciativa determinada pela carta gera responsabilidade social.14


  1. JORGE NETO, Francisco Ferreira. Direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2019. pg. 384.

  2. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 10555-54.2019.5.03.0179. Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, 4ª Turma, Dje 05/03/2021. pg. 10.

  3. Ibid., passim.

  4. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019. pg. 352.

  5. Ibid. pg. 352.

  6. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 3.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2011. pg. 64.

  7. MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. pg. 254/255.

  8. Ibid., pg. 253.

  9. DELGADO, op. cit., pg. 75.

  10. Disponível em: https://www.supremecourt.uk/press-summary/uksc-2019-0029.html. Acesso em: 10 mai. 2024.

  11. LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. pg. 164.

  12. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4952236. Acesso em: 10 mai. 2024.

  13. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6679823. Acesso em: 10 mai. 2024.

  14. NUNES, Rizzatto. Art. 170, V – defesa do consumidor. In. CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 3891.

Sobre o autor
André Luiz Manzo

Advogado. Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Especialista em Advocacia Corporativa pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP). Presidente da Comissão da Jovem Advocacia da 54ª Subseção da OAB/SP e autor do Manual da Jovem Advocacia, um guia voltado à orientação de advogados em início de carreira.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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