É possível vender "legalmente" em Cartório os direitos possessórios que exerço sobre determinado imóvel há anos?

13/05/2024 às 17:39
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EM SEDE DE REGULARIZAÇÃO de imóveis não se pode ignorar que a "POSSE" é um instituto importante e plenamente reconhecido pelo ordenamento jurídico que pode inclusive ser convertida em PROPRIEDADE, desde que observados os requisitos legais. Como sempre falamos aqui, não é qualquer posse que presta para fins de regularização de imóveis via Usucapião: a posse precisa ser contínua (sem interrupção), exercida pelo prazo exigido em lei de acordo com a modalidade exigida, devendo ser mansa e pacífica (sem oposição), evidenciando o usucapiente no seu exercício o ânimo de dono. A lição do ilustre Desembargador Aposentado, Advogado, Tratadista e Especialista em Usucapião, Dr. BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO (Tratado de Usucapião. 2012) esclarece:

"A posse, poder de fato, é a base da propriedade, constituindo um degrau para o poder de direito. (...) O direito que tem uma pessoa de exercer posse sobre a coisa cujo DOMÍNIO já ostente é o denominado JUS POSSIDENDI, traduzido como direito de possuir. É o caso do proprietário que ostenta título aquisitivo registrado, decorrendo sua posse de um 'jus possidendi'. O JUS POSSESSIONIS emerge do próprio FATO DA POSSE, sem relacionamento anterior, isto é, ausente título para possuir - 'possideo quod possideo'. Assim, o possuidor, mesmo sem o 'jus possidendi', encontra na lei defesas para o estado de posse (interditos possessórios) e ainda, sendo a posse qualificada, com os componentes que direcionam à usucapião (ad usucapionem), conduzirá à propriedade (jus possidendi)".

Percebe-se, dessa forma, a importância que pode ter o exercício fático da posse sobre determinado bem (móvel ou imóvel) já que a Lei autoriza e legitima a conversão dessa em PROPRIEDADE, o que é plenamente reconhecido pelo Código Civil e demais leis de mesma estatura, assim como a Constituição Federal de 1988.

Aquele que possui imóvel e preenche os requisitos legais tem Usucapião sobre o imóvel e isso independentemente de reconhecimento judicial ou extrajudicial já que, como enfatizamos sempre aqui, não é o REGISTRO em Cartório nem a SENTENÇA que constituirão a Usucapião, mas tão somente o preenchimento dos requisitos conforme a espécie pretendida. A importância do reconhecimento da aquisição por Usucapião (judicial ou extrajudicial) assim como o seu registro no fólio imobiliário nasce da necessidade da CERTEZA, SEGURANÇA [JURÍDICA], PUBLICIDADE, OPONIBILIDADE e DISPONIBILIDADE já que sem esses o usucapiente não pode fazer muito - todavia pode ceder seus direitos. Sim - a Lei autoriza a cessão da posse (ou a "cessão dos direitos possessórios", como queira), de modo que quem ADQUIRE A POSSE pode inclusive somar os prazos para conseguir mais rapidamente reconhecer seu direito à Usucapião. Rezam os artigos 1.207 e 1.243 do Código Civil:

"Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais".

"Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé" .

Como sabemos, a posse se transmite "causa mortis" em favor dos herdeiros em prestígio ao direito de saisine também reconhecido no direito brasileiro (art. 1.784), sendo certo que o artigo 1.206 ratifica a transmissão em virtude do falecimento do possuidor, todavia tão importante como essa transmissão que se opera ope legis é também essa entre vivos, que pode ser realizada por ESCRITURA PÚBLICA ou INSTRUMENTO PARTICULAR, independentemente do valor da transação e do bem sobre o qual se exerce a posse. No Rio de Janeiro a base legal que autoriza as ESCRITURAS DE POSSE - tanto a Declaratória de Posse como a Cessão de Posse - está no art. 384 do Novo Código de Normas Extrajudiciais (Provimento CGJ/RJ 87/2022) que determina:

"Art. 384. Nas escrituras públicas DECLARATÓRIAS DE POSSE e de CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS, deverá constar, obrigatoriamente, declaração de que o ato não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo, apenas à instrução de ação própria, podendo o tabelião, ao seu prudente arbítrio, exigir a presença de testemunhas ou outros dados objetivos da posse".

Importa salientar que, ainda que carregue em si potencial para conversão em propriedade através do procedimento próprio, certo é que nenhuma transação que veicule"direitos possessórios" será admitida e aceita por instituição financeira para oferecer crédito para o adquirente gravando em troca como garantia (por exemplo de alienação fiduciária) a operação, pelo menos até o momento. Por tal razão, nem sempre a "venda" da posse é vantajosa financeiramente fazendo com que o alienante/cedente tenha que reduzir bastante o preço da "venda" - o que, de outro lado, pode ser uma vantagem muito interessante para o adquirente. Outrossim, não se pode deixar de relembrar que, s.m.j., entendemos que tal operação não deve ser tributada, porém um impasse pode ser estabelecido no momento de eventual lavratura de ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO DE POSSE haja vista o disposto no art. 289 da Lei de Registros Publicos.

Comungamos do mesmo entendimento presente no TJSP que, com acerto prestigia e respeita a tese firmada no âmbito do Tema 1.124 do STF:

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"TJSP. 10027671320228260587. J. em: 27/04/2023. APELAÇÃO CÍVEL – Ação Anulatória de Débito - ITBI - Município de São Sebastião – Lançamento efetivado com base em CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS relativos ao imóvel – Alegação da particular de que a cessão de direitos possessórios não seria fato gerador do imposto – Sentença de procedência – Recurso da Municipalidade – Não acolhimento – Tema nº 1.124 do E. Supremo Tribunal Federal que orienta haver incidência do ITBI apenas no momento do registro, quando a transmissão da propriedade imobiliária se aperfeiçoa – Contrato de cessão de direitos que, por não implicar em transmissão da propriedade ou de qualquer outro direito real (conforme artigo 1.225 do Código Civil), não configura fato gerador do ITBI – Artigo 156, II, da Constituição Federal que, ademais, prevê a incidência do tributo nos casos de cessão de direitos de aquisição de bem imóvel, o que, segundo a doutrina, se refere aos contratos que tenham aptidão para, no futuro, viabilizar a transmissão da propriedade – Caso concreto em que o imóvel objeto da CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS sequer conta com matrícula aberta perante o Registro de Imóveis, inexistindo, por isso, possibilidade jurídica de transmissão formal da propriedade, fato que reforça o descabimento da cobrança do ITBI – Precedentes desta C. Câmara – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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