A eficácia das medidas alternativas à prisão preventiva na redução carcerária: um olhar diante da realidade brasileira

24/05/2024 às 16:24
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Resumo

A superlotação carcerária no Brasil é responsável por comprometer a dignidade humana e colocar em dúvidas a eficácia da justiça criminal nacional. De modo a combater isso, medidas alternativas à prisão preventiva, como monitoração eletrônica, fiança e prisão domiciliar, dispostas no artigo 319 do Código de Processo Penal ( CPP), são necessárias para a redução de pessoas em situação de encarceramento. Nesse sentido, este artigo busca compreender a efetividade dessas medidas, a partir de uma análise da sua aplicação em termos práticos e buscando entender os desafios para sua implementação. Com isso, ressalta-se o paradigma histórico da prisão preventiva no Brasil, desde a era colonial até a Lei nº 12.403/2011. Para ajudar a construir o conhecimento acerca da conjuntura, estudos e dados estatísticos traduzem o modo pelo qual as medidas alternativas contribuem na redução da superlotação carcerária. Por fim, apontar as experiências internacionais, em países como Noruega e Canadá, é essencial para demonstrar como os programas alternativos podem oferecer valiosas lições para o Brasil em termos de redução de reincidência criminal.

Palavras-chave: Superlotação carcerária, medidas alternativas, eficácia, desafios, adaptação.

Introdução

 A superlotação carcerária configura-se como um dos principais problemas do sistema penitenciário nacional, colocando em risco garantias constitucionais básicas daqueles nessa situação. Desenhadas, em tese, para fins de reabilitação e integração social, as prisões, hodiernamente, acabam por ser lugares de explícita violação de direitos humanos, em virtude das suas péssimas condições. Nessa lógica, medidas alternativas, previstas no Art 319 do CPP, surgem como soluções em uma tentativa de sanar a população carcerária e, nesse mesmo contexto, garantir a presença dos acusados nos atos processuais sem a necessidade de aprisionamento.

 Este artigo almeja compreender a eficácia dessas medidas na redução da superlotação dos presídios, por meio de revisão bibliográfica e análise empírica, investigando sua aplicação prática e as consequências no sistema carcerário. É nítida a urgência da temática, uma vez que o sistema de justiça penal clama por soluções que assegurem sua eficiência, desde que se respeite seus princípios e os direitos fundamentais dos envolvidos. Por isso, este estudo tem a pretensão de agregar o debate jurídico, oferecendo subsídios para estratégias eficazes no combate à superlotação carcerária.

Evolução Histórica

 A trajetória da prisão preventiva, em face da realidade brasileira, inicia no período colonial, sendo uma ferramenta exaustivamente utilizada como medida de contenção e manutenção da ordem pública. Todavia, com a crescente demanda por um sistema penal mais justo e humano, os profissionais em legislar passaram a encarar a prisão preventiva de modo mais holístico.

 Antes, aplicada de maneira quase automática, resultando, inevitavelmente, em prisões desnecessárias, o encarceramento precoce, para fins processuais, passou a ter regras que afirmam a necessidade de se analisar as circunstâncias individuais de cada caso. Os operadores do direito devem levar em consideração os danos físicos e emocionais àqueles que estão em risco de serem submetidos a esse tipo de prisão. Apesar dessa lógica já permear o pensamento jurídico atual, percebe-se o modo pelo qual as entranhas do passado insistem em perdurar, todavia, embora tímidamente, medidas alternativas começaram a ganhar espaço nas decisões dos tribunais.

Legislação Atual

 Na atualidade, a prisão preventiva é regrada pelo CPP, em especial pelo seu artigo 311, caracterizada por uma medida cautelar de constrição da liberdade do réu para garantir a ordem no processo penal - artigo 312 do CPP. Todavia, esse instituto processual passou por significativas modificações com a promulgação da Lei nº 12.403 de 4 de maio de 2011. Esta lei é permeada por reformas as quais modificam, substancialmente, o tratamento dado às medidas cautelares no ordenamento jurídico penal brasileiro. Dentre as inovações, aponta-se a reformulação do artigo 319, dispositivo que estabeleceu nove medidas cautelares alternativas à prisão, proporcionando um terceiro entre a liberdade plena e o encarceramento.

 O artigo 319 do CPP, reestruturado pela Lei nº 12.403 de 2011, apresenta um rol de medidas cautelar alternativas à prisão, enquadrando-se, portanto, como ferramentas para a redução do encarceramento provisório. Tais medidas buscam o equilíbrio entre a necessidade de manter a ordem pública e a integridade da investigação com o cuidado em conservar os direitos básicos do acusado na relação processual.

 Entre as medidas dispostas ao longo dos incisos, destacam-se o comparecimento periódico em juízo, a proibição de frequentar determinados lugares ou manter contato com certas pessoas, e a proibição de ausentar-se da comarca, todas elaboradas para minimizar os riscos da possível reiteração a prática criminal e a eventual obstrução de justiça. Aliado a essas possibilidades, o texto legal acrescenta o recolhimento domiciliar noturno, suspensão de funções públicas, internação provisória em casos específicos, fiança e monitoração eletrônica, devendo a aplicação ser individualizada para cada caso, mas sempre tendo em mira evitar-se a prisão preventiva. Sendo rigorosamente colocadas em prática e fiscalizadas, essas disposições são capazes de promoverem uma maior chance de sucesso na contenção do crescimento carcerário, promovendo colaborando para uma justiça mais humana e proporcional e, ao mesmo tempo, mantendo a eficiência e a segurança do processo penal.

 Por isso, a Lei nº 12.403/2011 simboliza a tentativa de racionalizar o uso da prisão preventiva. Ela, ao priorizar vias menos gravosas que o encarceramento, visou estabelecer o equilíbrio na aplicação das medidas cautelares, mas sempre tendo como norte a justiça no caso concreto. O artigo 282, § 6º do CPP, também reformulado pela lei, reforça que a prisão preventiva deve ser uma ferramenta utilizada de maneira extraordinária, ou seja, somente em casos em que outras medidas cautelares não se mostrarem suficientes para garantir a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. No ordenamento jurídico-penal brasileiro, essas medidas almejam concretizar os princípios de necessidade e adequação, diminuindo o impacto negativo do encarceramento sobre o indivíduo.

Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade

 Com toda a conjuntura em mente, a aplicação das medidas cautelares deve obedecer os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para que a resposta do Estado seja adequada e razoável. Punições desproporcionais são capazes de, infelizmente, causar danos irreversíveis à vida do indivíduo, as medidas alternativas, no ordenamento jurídico-penal brasileiro, almejam concretizar esses princípios, diminuindo o impacto negativo do encarceramento sobre o indivíduo.

Análise da Eficácia das Medidas Alternativas

 Uma extensividade de estudos e pesquisas analisam a real eficiência das medidas alternativas à prisão preventiva para mitigar a superlotação carcerária. Um projeto para a compressão, conduzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), jogou à luz que a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão contribuiu para uma diminuição significativa da população carcerária, sem colocar em risco a segurança pública. Esse estudo percebeu que não havia um aumento drástico entre a aplicação desses meios alternativos e a eventual reincidência criminal, logo, embora não seja um consenso entre a sociedade, é possível conciliar os direitos do acusado com os princípios da segurança pública. Vias como monitoramento eletrônico e prisão domiciliar também foram discutidas em outra pesquisa e, nela, ficou evidente que não foi um óbice para que o réu respondesse aos atos processuais, logo, é possível preservar o devido processo legal com a utilização desses meios.

 Entretanto, apesar das inovações legislativas, ainda existe um denso percurso para que essas medidas sejam plenamente integradas à prática jurídica no país. A resistência à mudança e a vontade de permanecer na mentalidade remetente à época colonial, aliado com uma doutrina e jurisprudência em fase bem inicial acerca da consolidação da temática, são fatores que desafiam a aplicação adequada dos incisos do artigo 319 do CPP.

Dados Estatísticos

 Dados estatísticos recentes corroboram as conclusões obtidas nas pesquisas. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), desde a implementação da Lei nº 12.403/2011, observou-se um declínio das prisões preventivas decretadas. Em 2020, essa redução foi de, aproximadamente, 15% em comparação com o ano anterior, indicando uma tendência positiva no uso de alternativas ao encarceramento. A pandemia de COVID-19 acelerou esse processo, na medida em que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) advertiu para a aplicação de medidas alternativas para reduzir a propagação do vírus nos presídios, Recomendação Nº 62 de 17/03/2020 do CNJ.

Casos Práticos e Jurisprudência

 Ao olhar para os casos práticos e seus efeitos em decisões judiciais, também se percebe a efetividade das medidas alternativas. Uma situação notável é a decisão da 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, a qual revogou a prisão preventiva de um homem preso por porte de drogas em razão da pandemia de coronavírus. O despacho, com fulcro nas recomendações do CNJ, destacou a necessidade de proteger a saúde pública e os direitos humanos dos presos. Outro caso interessante é o de um acusado de violência doméstica, no estado do Rio de Janeiro, em que o juiz optou pela monitoração eletrônica e restrição de contato com a vítima, medidas que, após uma análise criteriosa do caso específico, mostraram ser adequadas e suficientes para a proteção da vítima e na garantia da presença do acusado no processo.

Desafios e Limitações

 Como dito anteriormente, a concretização das medidas alternativas enfrentam desafios significativos. Além da resistência cultural entre os operadores do direito, os quais costumam optar pela prisão preventiva por considerar essa medida mais segura e tradicional, a infraestrutura para a aplicação desses meios, como a monitoração eletrônica, ainda é arcaica em muitas regiões do país. A escassez de capacitação pessoal e a baixa sensibilização dos agentes do sistema de justiça também são obstáculos para adoção ampla dessas alternativas.

Comparações Internacionais

 Experiências internacionais mostram lições valiosas para o Brasil. Países como Canadá e Noruega, os quais adotam medidas cautelares alternativas à prisão preventiva há anos, construíram sistemas penitenciários mais eficientes e humanizados. Nessas nações, a adoção de programas de reabilitação e monitoramento comunitário foram capazes de reduzir a reincidência e auxiliar na reintegração social dos acusados. Em um corte mais específico, o sistema norueguês apresenta uma das melhores conjunturas no sistema penal em comparação com os demais países. Com base nas taxas extremamente baixas de reincidência, as inovações no meio tornaram a Noruega um país mais seguro e humano, levando em conta o respeito entre todos os indivíduos envolvidos em litígios tão delicados. Já no Canadá, a justiça restaurativa toma conta dos palcos processuais do país. O uso pelos juristas canadenses de meios alternativos à prisão preventiva conseguiu reduzir a população carcerária do país, garantindo uma abordagem mais humanizada para a justiça criminal da nação.

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Considerações Finais

 A superlotação dos presídios brasileiros é uma questão humanitária que clama por soluções. Além de prejudicar os detentos, a eficácia do sistema penitenciário também é questionada. Ao invés de cumprir seu papel institucional de reabilitar e reintegrar os indivíduos em situação de encarceramento, as prisões se tornam palcos de violações dos direitos humanos. Por isso, diante desse cenário, é imperativo a adoção de medidas alternativas à prisão preventiva para mitigar esses danos, como fiança, monitoramento eletrônico e prisão domiciliar, mas sempre respeitando a segurança pública e o devido processo legal.

 O arcabouço normativo vigente, fundamentado pela Lei nº 12.403/2011, remete a um esforço dos legisladores para racionalizar o uso da prisão preventiva, introduzindo medidas cautelares alternativas que primam pela razoabilidade e proporcionalidade nos casos concretos. Estudos e dados estatísticos afirmam a eficácia dessas medidas na diminuição da superlotação prisional, no entanto, obstáculos como a resistência cultural e infraestrutura inadequada ainda são impasses significativos para a temática. Os operadores do direito ainda insistem em optar pelo encarceramento por não confiar na segurança da aplicação dos incisos do artigo 319 do CPP. Para mudar esse paradigma, investimentos em tecnologias, reestruturação da mentalidade dos profissionais envolvidos e uma sensibilidade maior da sociedade são atitudes necessárias para que haja a plena eficácia dessas medidas. O Brasil deve se inspirar nas experiências bem sucedidas em outros países, como a Noruega e o Canadá, de modo a construir essas soluções para reduzir a reincidência criminal e promover, finalmente, a reintegração social dos detentos. A longo prazo, os parlamentares devem sempre aprimorar o arcabouço normativo vigente e os atores responsáveis pela segurança pública precisam moldar um sistema prisional humanizado, respeitando o direito de todos os envolvidos na conjuntura.

Referências

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CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Lei 12.403/11 comentada: medidas cautelares, prisões provisórias e liberdade provisória. Rio de Janeiro: Freita Bastos, 2013.

______. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, RJ, 3 out. 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm >. Acesso em: 20 de maio de 2024.

______. Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011. Altera dispositivos do Decreto-Lei n. 3689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2012.403%2C%20DE%204%20DE%20MAIO%20DE%202011.&text=Altera%20dispositivos%20do%20Decreto%2DLei,cautelares%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. >. Acesso em: 20 de maio de 2024.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 7. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2019.

PIRES DE CAMPOS BARROS, Romeu. Processo Penal Cautelar. São Paulo: Forense, 1982.

Sobre o autor
Rafael Reis Barroso

Acadêmico de Direito da UFRJ. Estagiário do NUSPEN.

Informações sobre o texto

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