A cadeia de custódia no processo penal

Leia nesta página:

Tenho recebido inúmeros questionamentos sobre a cadeia de custódia da prova no processo penal.

Pois bem.

A cadeia de custódia foi introduzida pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, a qual aperfeiçoou a legislação penal e processual penal.

Mencionada lei incluiu artigos no código de processo penal, estipulando a definição da cadeia de custódia, preceituando em seu artigo 158-A que a cadeia de custódia é “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”

Desta forma, a cadeia de custódia nada mais é que o dever de se seguir todo um procedimento técnico com a finalidade da preservação da confiabilidade da prova, ou seja, a certeza de que ela não sofreu alterações.

A cadeia de custódia tem início com a preservação do local do crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio, sendo ele objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal.    

Havendo vestígio, a legislação determina que este será rastreado em etapas, nos termos seguintes:

“I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;     

II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime

III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;     

IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza;     

V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;     

VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse

VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu

VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;      

IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;     

X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.”

Com relação a coleta do vestígio, ela deverá ser efetivada preferencialmente por perito oficial, que dará o devido encaminhamento para a central de custódia, para posterior confecção da prova pericial.

 

 

QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA

 

Não havendo o respeito aos procedimentos supramencionados, haverá a quebra da cadeia de custódia, ou seja, a prova estará comprometida.

Estando a prova comprometida, não havendo portanto a sua confiabilidade, será esta ilícita para utilização, gerando sua imprestabilidade e inadmissibilidade no processo.

Neste sentido é o entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça), conforme segue:

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS: AgRg no RHC 143169 RJ 2021/0057395-6 - Data de publicação: 02/03/2023

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO OPEN DOORS. FURTO, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E LAVAGEM DE DINHEIRO. ACESSO A DOCUMENTOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA. FALHA NA INSTRUÇÃO DO HABEAS CORPUS. CADEIA DE CUSTÓDIA. INOBSERVÂNCIA DOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS NECESSÁRIOS A GARANTIR A INTEGRIDADE DAS FONTES DE PROVA ARRECADADAS PELA POLÍCIA. FALTA DE DOCUMENTAÇÃO DOS ATOS REALIZADOS NO TRATAMENTO DA PROVA. CONFIABILIDADE COMPROMETIDA. PROVAS INADMISSÍVEIS, EM CONSEQUÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO PARA PROVER TAMBÉM EM PARTE O RECURSO ORDINÁRIO. 1. O habeas corpus não foi adequadamente instruído para comprovar as alegações defensivas referentes ao acesso a documentos da colaboração premiada, o que impede o provimento do recurso no ponto. 2. A principal finalidade da cadeia de custódia é garantir que os vestígios deixados no mundo material por uma infração penal correspondem exatamente àqueles arrecadados pela polícia, examinados e apresentados em juízo. 3. Embora o específico regramento dos arts. 158-A a 158-F do CPP (introduzidos pela Lei 13.964 /2019) não retroaja, a necessidade de preservar a cadeia de custódia não surgiu com eles. Afinal, a ideia de cadeia de custódia é logicamente indissociável do próprio conceito de corpo de delito, constante no CPP desde a redação original de seu art. 158 . Por isso, mesmo para fatos anteriores a 2019, é necessário avaliar a preservação da cadeia de custódia. 4. A autoridade policial responsável pela apreensão de um computador (ou outro dispositivo de armazenamento de informações digitais) deve copiar integralmente (bit a bit) o conteúdo do dispositivo, gerando uma imagem dos dados: um arquivo que espelha e representa fielmente o conteúdo original. 5. Aplicando-se uma técnica de algoritmo hash, é possível obter uma assinatura única para cada arquivo, que teria um valor diferente caso um único bit de informação fosse alterado em alguma etapa da investigação, quando a fonte de prova já estivesse sob a custódia da polícia. Comparando as hashes calculadas nos momentos da coleta e da perícia (ou de sua repetição em juízo), é possível detectar se o conteúdo extraído do dispositivo foi modificado. 6. É ônus do Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas. É incabível, aqui, simplesmente presumir a veracidade das alegações estatais, quando descumpridos os procedimentos referentes à cadeia de custódia. No processo penal, a atividade do Estado é o objeto do controle de legalidade, e não o parâmetro do controle; isto é, cabe ao Judiciário controlar a atuação do Estado-acusação a partir do direito, e não a partir de uma autoproclamada confiança que o Estado-acusação deposita em si mesmo. 7. No caso dos autos, a polícia não documentou nenhum dos atos por ela praticados na arrecadação, armazenamento e análise dos computadores apreendidos durante o inquérito, nem se preocupou em apresentar garantias de que seu conteúdo permaneceu íntegro enquanto esteve sob a custódia policial. Como consequência, não há como assegurar que os dados informáticos periciados são íntegros e idênticos aos que existiam nos computadores do réu. 8. Pela quebra da cadeia de custódia, são inadmissíveis as provas extraídas dos computadores do acusado, bem como as provas delas derivadas, em aplicação analógica do art. 157 , § 1º , do CPP . 9. Agravo regimental parcialmente provido, para prover também em parte o recurso ordinário em habeas corpus e declarar a inadmissibilidade das provas em questão.

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(Grifei)

 

Este também é o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), senão vejamos:

 

STF - HABEAS CORPUS: HC 214908 RJ - Data de publicação: 04/11/2022

Penal e processo penal. Habeas corpus. Crime contra as relacoes de consumo . Venda de produtos impróprios para consumo – art. 7º , IX , da Lei 8.137 /90. Apreensão de isqueiros com supostos selos do Inmetro falsificados. Alegação de ausência de justa causa pela falta de indicação dos elementos não verdadeiros. Laudos periciais genéricos. Descumprimento à norma do art. 170 do CPP . Destruição dos produtos apreendidos. Quebra da cadeia de custódia da prova. Arts. 158-A e 158-B do CPP . Doutrina e precedentes, inclusive anteriores à previsão legal e vigentes à época dos fatos. Impossibilidade do controle epistêmico da validade da prova. Inviabilização do exercício do direito de defesa. Apresentação, por parte da defesa, das notas fiscais e do registro do revendedor no Inmetro. Acolhimento da alegação de ausência de justa causa para instauração e desenvolvimento válido do processo. Concessão da ordem, com o trancamento definitivo da ação penal.

(Grifei)

 

CONCLUSÃO

 

Sendo a cadeia de custódia, conforme preceitua o artigo 158-A do código de processo penal,  “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”, e a quebra da cadeia de custódia o desrespeito à idoneidade deste caminho até a sua devida análise, haverá o violação ao devido processo legal e aos recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e o direito à prova lícita, resultando na impossibilidade, portanto, de utilização desta prova.

 

Em sendo utilizada a prova ilícita no processo, a defesa deve se insurgir imediatamente, sob pena de preclusão, utilizando de todas as mediadas e recursos judiciais cabíveis, com o fim de que seja respeitada a previsão legal, e consequentemente cesse o grave e inadmissível prejuízo ocasionado ao acusado.  

 

LUIZ FELIPE MALLMANN DE MAGALHÃES

Advogado Criminalista

Conselheiro Seccional da OAB/RS

Vice-presidente da Comissão de Direito Penal Econômico do Conselho Federal da OAB

Diretor do Luiz Felipe Mallmann de Magalhães Advogados

www.luizfelipemagalhaes.com.br

 

Sobre o autor
Luiz Felipe Mallmann de Magalhães

Advogado criminalista. Conselheiro Seccional da OAB/RS. Vice-presidente da Comissão de Direito Penal Econômico do Conselho Federal da OAB. Diretor do Luiz Felipe Mallmann de Magalhães Advogados www.luizfelipemagalhaes.com.br

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