Retrato do Machismo na Justiça: Análise da diminuída representatividade feminina no Poder Judiciário

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RESUMO 

O presente artigo realizará uma análise crítica embasado em pesquisas bibliográficas e históricas a fim de discutir o cisheteropatriarcalismo estrutural vigente na sociedade como força motriz de empecilho ao equilíbrio entre os gêneros no Judiciário Brasileiro, tendo em vista que o machismo é uma relação de poder impeditiva à plena igualdade de direitos. Argumentaremos sobre a relevância em democratizar o acesso das mulheres ao Judiciário por meio de políticas afirmativas com o intuito de mitigar a escassez de políticas públicas voltadas a essas, em virtude da justiça heteronormativa vigente no Brasil, e garantir a plena democracia e os direitos humanos das mulheres.

Palavras-chave: mulheres; machismo; Poder Judiciário; representatividade; democracia.

1. INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira possui raízes coloniais de construção social marcada pelo modelo de família patriarcal, influência dos colonizadores portugueses na construção social e política, o qual se perpetuou na formação dos engenhos escravocratas, quando o chefe da família, figura masculina e autoridade moral, detinha o domínio sobre a casa grande e senzala. Essa dominação ainda se faz presente devido ao machismo estrutural, pois as esferas de poder da sociedade ainda são majoritariamente dominadas por homens, principalmente o Poder Judiciário, entretanto, paulatinamente as mulheres estão obtendo emancipação social e econômica e conquistando lugares de destaque na sociedade. Diante disso, percebe-se a importância de se discutir e elaborar pesquisas a respeito da desigualdade de gêneros na sociedade em virtude do machismo e por decorrência, a falta de representatividade feminina na magistratura e como isso influi negativamente na perpetuação do apagamento social no que tange aos direitos femininos e dignidade humana, por ser um problema de ordem social, política e econômica.

O objetivo desse artigo científico é desnudar o modo como, infelizmente, a violência de gênero, decorrente de uma mentalidade arcaica, perpassou por toda a evolução da sociedade e ainda se mantém presente com ínfimos sinais positivos de reversão dessa emblemática situação. Para tanto, optamos por enfocar sua manifestação no Poder Judiciário, por ser um instrumento de grande relevância social e influência, pois tem como função a promoção da justiça e defesa dos direitos individuais, mas isso não ocorre, pois esse é ocupado majoritariamente por homens, os quais não vivenciam a exclusão social e perpetuam seus privilégios devido a sua classe social e gênero. Logo, devido a sub-representação feminina, é inegável que as decisões, em sua grande maioria, serão desfavoráveis face aos direitos das mulheres, torna-se, portanto, um meio que obstaculiza a igualdade e não traz a efetivação dos anseios voltados a esse grupo, fator impeditivo às mudanças de paradigmas que lesam os direitos sociais femininos.

Para tanto, foi inicialmente realizado uma revisão bibliográfica a fim de estudar a origem do mundial e nacional do machismo e para tanto será abordado suas causas, consequências e possível solução da problemática, logo, no primeiro tópico será abordado a respeito do machismo estrutural e a quantidade deficitária de mulheres ocupando o Judiciário, essa ocorreu por meio de dados a respeito da porcentagem de cargos ocupados por mulheres levantados pelo Censo do Poder Judiciário, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e disponibilizados nas páginas eletrônicas dos tribunais estaduais e federais, além de trechos de entrevistas com a Ana Maria Brito, desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e da ex-procuradora geral da República Raquel Dodge, pois essas vivenciaram os desafios de ocupar altos cargos na magistratura na condição de mulher. Posteriormente, no segundo tópico será abordado a questão da escassez de políticas públicas voltadas para as mulheres devido à justiça heteronormativa e como isso influi negativamente no combate ao atraso do Brasil em garantir constitucionalmente a equiparação de gêneros na magistratura, enquanto países com histórias de colonização semelhante, como a Bolívia, estão a frente nesse quesito. Por fim, no terceiro tópico será apresentado os mecanismos de solução desse problema por meio de políticas afirmativas visando a democratização de gêneros na magistratura.

A inclusão feminina no Judiciário, portanto, desde que garantida de forma constitucional em conjunto com medidas afirmativas no próprio Poder Judiciário, impactarão positivamente a elaboração de políticas públicas a fim de superar a desigualdade de gênero, garantir a democracia e a plena igualdade no exercício dos direitos previstos na Constituição. Portanto, o enfoque desse trabalho é asseverar a importância do Estado Democrático, do Direito, das ações afirmativas e do processo de empoderamento feminino no que tange a resolução desse problema.

2. CAUSAS DA FALTA DE REPRESENTATIVIDADE FEMININA NO JUDICIÁRIO 

2.1 MACHISMO ESTRUTURAL COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL  

A escultura Vênus de Willendorf esculpida há aproximadamente 28.000 A.E.C foi encontrada em um sítio arqueológico na Áustria e retrata a figura de uma mulher com seios e quadris protuberantes, infere-se que era utilizada pelos hominídeos do Paleolítico como amuleto para obter fartura nas caças e colheitas e representava uma deusa feminina. O culto a uma figura feminina fértil mostra que essa sociedade era matriarcal, ou seja, estavam sob o comando de mulheres, as quais eram vistas como o centro de sua comunidade, entretanto, isso não era fato gerador de desigualdades em virtude do gênero, os homens não eram excluídos e oprimidos, pois o matriarcado é uma organização social igualitária, pacífica e cultuava a deusa-mãe. Acredita-se, por sua vez, que esse modelo de estrutura social acabou com a invasão do povo Kurgan que introduziu uma cultura nômade, guerreira e a percepção da mulher como inferior foi precursora do modelo de sociedade patriarcal que alcança sua totalidade com a instauração da propriedade privada.

Quando os homens se fixaram na terra, em virtude da agricultura, surge a noção de propriedade privada que segundo o filósofo Friedrich Engels, no seu livro "Origem da família, da propriedade privada e do estado", foi o responsável pela instauração do patriarcalismo de forma definitiva. Nessa estrutura social a família é unida pela posse e cultivo do solo e o poder é exercido pelo comando da figura masculina que decide o destino dos seus filhos e esposa, submissos e servientes às vontades daquele. Assim, a mulher torna-se propriedade do pater famílias, sendo seu corpo (e de seus filhos) controlados, prática definida pelo filósofo Michel Foucault como "biopolítica", tem o intuito de manter a organização social estática sob domínio dos que exercem o poder. O machismo, dessa forma, influi na tendência masculina em diminuir a mulher somente em decorrência da sua condição feminina.

Entretanto, vale ressaltar que não há consenso entre os antropólogos a respeito da existência de sociedades matriarcais apenas em virtude das estátuas encontradas, pois a figura feminina poderia ser cultuada e ainda assim não ter posição de destaque na sua comunidade e muitos consideram tratar de um mito para explicar a origem do sexismo. Por sua vez, não há como negar a ocorrência da matrilinearidade, conceito da paleoantropologia na qual a descendência é ordenada pela linhagem materna e, em contrapartida na patrilinearidade o parentesco ocorre pela linhagem paterna e essas, normalmente, são patriarcas enquanto aquelas não são necessariamente matriarcais e devido às inúmeras configurações uma sociedade matrilinear pode ser igualitária ou machista.

Além disso, outro conceito da Antropologia é a matrilocalidade, no qual após o matrimônio os recém-casados vão morar com os pais da esposa ou perto desses, e na patrilocalidade vão morar com os pais do esposo. Nas sociedades patrilineares e patrilocais só são considerados da família os que possuem descendência paterna, e em casos extremos a mãe pode não ser considerada parente consanguíneo do próprio filho; por sua vez, nas sociedades matrilineares e matrilocais só pertencem à família a linhagem materna e do mesmo modo, os filhos só “pertencem” às mulheres. No Brasil, entretanto, os povos indígenas xavantes são uma sociedade patrilinear e matrilocal e por morarem na tribo da mãe as mulheres possuem mais poder, logo, há preferência por filhas mulheres; em contrapartida, na China a sociedade é patrilocal; por isso, há primazia aos filhos homens, logo, os índices de infanticídio feminino são altos, principalmente em virtude da política do filho único que vigorou de 1979 até 2015, a qual apesar de ter sido abolida foi sustentáculo de uma cultura misógina, e mudar essa mentalidade demanda tempo.

Assim sendo, percebe-se que as estruturas sociais ao redor do mundo são heterogêneas e múltiplas. Entretanto, nas sociedades patriarcais machistas o papel feminino advém de uma construção social que as colocam como o “segundo sexo”. Assim, a sociedade define como uma mulher deve agir, falar, vestir-se, uma forma velada de dominação e subjugação das mulheres para silenciá-las e adestrá-las, para não enxergarem a sua condição social e não buscar a emancipação dos quadros sufocantes de comportamento que estão a serviço do status quo no qual o homem é colocado no centro das estruturas de poder, enquanto as mulheres devem ser subservientes aos seus anseios. A mulher é castrada primeiramente na sua condição de indivíduo, pois é criada para obedecer primeiramente ao seu pai e depois ao marido, depois é castrada na sua condição sexual, pois seu corpo é enxergado como fonte do pecado e àqueles que exercem a liberdade sexual são tachadas negativamente em decorrência da mentalidade majoritariamente católica no país, posteriormente no que tange a sua emancipação econômica e profissional, pois precisam cuidar dos serviços de casa, dos filhos e do trabalho, sendo este marcado por um espaço de opressão e machismo. A única redenção feminina em que ela é valorizada é no seu papel de mãe, a parteira do mundo, por isso as mulheres que abortam são hostilizadas e rechaçadas pelos que as cercam, pois ela não cumpriu com a sua “função”. Então, a mulher triplamente castrada é um corpo dócil.

Para o filósofo Karl Marx a infraestrutura determina a superestrutura, ou seja, as relações de produção influenciam a construção ideológica da sociedade. Logo, o controle cisheteropatriarcal, detentor do capital, perpetuam o machismo sustentado pelas instituições de socialização como as famílias, escolas, igreja e na política. Esse discurso torna-se legítimo e amplamente reproduzido até se tornar uma verdade difundida desde a socialização primária, por isso, torna-se natural e imperceptível. O capital está a serviço da manutenção da desigualdade de gênero, sendo custoso as mulheres subirem nesta estratificação social tão desigual. Essa estrutura social cisheteropatriarcal ainda vigente na sociedade resultou no machismo, estrutura de poder e opressão social ainda vigente que considera que a mulher é inferior ao homem.

Devido à hierarquia social entre os sexos, os direitos das mulheres foram renegados. Assim, poucas mulheres têm acesso às estruturas de poder e muitas não o anseiam, pois estão impregnadas pelo discurso majoritário que as inferioriza e colocam como incapazes, ceifando sua autoestima e vontade de ascensão. Entretanto, algumas mulheres internalizam os preconceitos contra sua classe e a imagem de docilidade atribuída a essas, por isso não adotam posturas assertivas com receio de serem consideradas agressivas, comportamento permitido e naturalizado na conduta masculina, fator que dificulta as mudanças estruturais; e aquelas que o anseiam enfrentam muitos desafios.

O combate a essa prática demanda tempo, pois moldar o corpo social e a ideologia e costumes demora, os avanços no reconhecimento formal da igualdade entre gêneros pelo Estado são insuficientes. Segundo relatório do Fórum Econômico Mundial, organização internacional na Genebra que realiza encontros anuais e conta com a presença das mais importantes empresas do mundo a fim de “melhorar a situação do mundo”, demoraria quase um século para alcançar-se a plena igualdade de gênero no Brasil em virtude da escassez de “políticas concretas que as liberte para o trabalho”.

Exemplo da demora das mulheres em conquistar seus direitos é o fato do voto feminino brasileiro ser reconhecido apenas em 1932 e somente em 1962 as mulheres casadas pararam de ser tratadas como relativamente incapazes. Essa ideia torna-se um padrão cultural reproduzido pelas gerações futuras por ser um preconceito institucionalizado e estrutural que dificulta a igualdade de direitos entre os gêneros, a promoção do bem comum sem preconceitos de gênero, principalmente no que tange ao mercado de trabalho, previstos na Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. (Brasil, 1988, Art. 5º, inciso I)

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei. (Brasil, 1988, Art. 7º, inciso XX)

Assim, a falta de equidade de gênero no Judiciário obstaculiza à justiça, um dos valores constitucionais supremos da sociedade pluralista, sem preconceitos e harmônica.

2.2. QUANTIDADE DEFICITÁRIA DE MULHERES OCUPANDO O JUDICIÁRIO

Muitas conquistas femininas foram adquiridas pela luta constante e perpétua de mulheres frente às problemáticas sociais. Todavia, apesar de consolidar-se diversas vitórias, ainda existem áreas sociais distantes de serem alcançadas, principalmente em setores profissionais, como o Poder Judiciário. Tendo em vista isso, no Brasil, o número de mulheres em carreiras políticas é extremamente inferior em relação aos homens, de modo que essa exclusão atinge as três esferas de poder, Legislativo, Executivo e Judiciário.

Com base nisso, ao analisar o Censo do Poder Judiciário realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sobre a distribuição por sexo da magistratura brasileira, é nítido uma queda contínua da participação das mulheres à medida que se avança na carreira da magistratura, visto que em 2014, apenas 35,9% dos magistrados são mulheres, percentual que diminui ainda mais nos cargos mais altos. Além disso, os dados demonstram que no estágio inicial da carreira de magistrado (juiz substituto), há uma proporção de 42,8% de mulheres que diminui para 36,6% entre juízes titulares, 21,5% entre desembargadores e 18,4% entre ministros de tribunais superiores. Diante disso, nota-se que o Brasil possui um sistema Judiciário repleto da figura masculina, fato que gera extrema desigualdade em relação à solução de controvérsias de gênero, como, por exemplo, as questões referentes ao aborto, à violência contra a mulher, aos direitos trabalhistas, dado que são casos de grande relevância para a justiça e devem ser apurados por profissionais de ambos os gêneros, para que assim haja uma decisão justa e igualitária.

Os estudos feministas sempre estiveram voltados para a compreensão das relações de poder, por meio das concepções expostas pelos filósofos. Desse modo, voltavam-se para a exposição de situações de silenciamento, submissão e opressão vivenciado por mulheres durante toda a evolução da sociedade, marcadas pela teoria do dominante contra o dominado. De fato, as diferenças e desigualdades estão permeadas dentro das redes de relações de poder, visto que agem como marcadores sociais, remetendo-se a um estreito domínio biológico. Entretanto, as mídias buscam tratar dessa diferença como algo bom, devido enaltecer a diversificação dos indivíduos, mas o fato é que determinadas atitudes acarretam uma confirmação do status quo das relações de gênero, logo, emitindo-se uma aceitação dessa desigualdade entre homens e mulheres.

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Seguindo essa linha de pensamento, vale ressaltar que as justificativas para as desigualdades deveriam ser buscadas nas questões dos arranjos sociais, na história e nas condições de acesso aos recursos fornecidos, e não nas diferenças biológicas, como comumente acontece. Em virtude disso, as mulheres ao longo das décadas sofreram com o ingresso em carreiras jurídicas, visto que houve um atraso no acesso ao estudo, dado que não possuíam a liberdade de cursar Direito ou mesmo seguir alguma carreira política, por não terem amparo legal diante da situação, o que demonstra o quanto as leis foram machistas nesse quesito. A partir disso, ao realizar uma busca na história, tem-se que foi com o Decreto n.º 7.247, publicado em 19 de abril de 1879 o qual reformava “o ensino superior e secundário no município da Corte e o superior em todo o Império” (BRASIL,1879), assinado pelo Imperador D. Pedro II e por Carlos Leôncio da Silva Carvalho e expressava explicitamente a possibilidade das mulheres de ingressarem no curso superior, como previsto: “É facultada inscrição de que tratam os §§ 16, 17, 18 e 19 aos indivíduos do sexo feminino, para os quais haverá nas aulas lugares separados”. Apesar do retardo ao acesso educacional feminino, tal conquista foi de grande impacto para a época, visto que nesse período era vigente a Constituição de 1824, e essa não considerava a mulher como cidadã, bem como não lhe garantia nenhum direito ou segurança jurídica, visto que eram compreendidas como propriedade dos pais e/ou maridos.

É importante frisar que todos esses fatores históricos e sociais contribuíram para a desigualdade de gênero enraizada na sociedade brasileira, o que acarreta efetivamente para a restrição do acesso feminino aos altos cargos jurídicos, assim como expressado por Ana Maria Brito, “A mulher tem mais dificuldade devido à jornada. Ela precisa de apoio”, desembargadora do TJDFT, na qual ela assume ter tido dificuldades no início da carreira. Dessa maneira, há uma série de fatores que se aplicam ao mercado de trabalho em geral que também responsáveis pela menor participação das mulheres na magistratura brasileira, um deles é o fato da mulher possuir uma longa carga horária de afazeres, por exemplo, ser mãe, cuidar dos filhos, realizar atividades domésticas e cumprir com sua jornada de trabalho, de modo que essa rotina no lar não é remunerada, mas ocupa praticamente todo o tempo livre que as mulheres têm, impedindo que elas se dediquem para estudar. Segundo a juíza federal, Clara Mota, “Depois da Emenda Constitucional 45, a gente passa a ter mulheres ingressando na magistratura com 29, 30 anos. Você já pega mulher em idade de constituição de família e fase reprodutiva. Isso já é um óbice em relação às mulheres que ingressaram ali com 26, 27 anos”, o que demonstra que o ingresso na base do Poder Judiciário tem hoje uma ilustração institucional que prejudica o desempenho feminino.

Diante disso, é nítido como por milhares de anos os homens monopolizaram a construção e a aquisição do conhecimento, ocupando os cursos de direito. Do mesmo modo, no Judiciário, que é reflexo da sociedade conservadora, visto que foi historicamente criado, desenvolvido e aplicado majoritariamente pela figura masculina. Logo, o poder fica predominantemente nas mãos de homens brancos de classes privilegiadas. Em outros países há diversos estudos acerca de problemáticas relacionadas ao preconceito contra as mulheres em avaliações profissionais, bem como no setor acadêmico, na relação de advogadas com o Judiciário e em seu processo de seleção por escritórios de advocacia. Exemplo disso, dentro do sistema jurídico norte-americano, é retratado por inúmeras mulheres, principalmente as que alcançaram altos cargos, vencendo as barreiras impostas pela sociedade, a primeira-ministra da Suprema Corte norte-americana, Sandra O’Connor, formada pela Universidade de Stanford, em 1952, foi recusada por mais de 40 escritórios de advocacia, nos quais sequer conseguiu ser entrevistada. Além desse caso, toma-se como exemplo também, o da ministra Sonia Sotomayor, da referida Corte, que, em um jantar de recrutamento de um escritório de advocacia, a disseram que somente havia sido aceita pela Faculdade de Direito de Yale porque se beneficiou da ação afirmativa, entretanto ela é graduada pela Universidade de Princeton summa cum laude.

Em relação à sociedade brasileira há diversas pesquisas acerca do ingresso de mulheres nos cargos jurídicos, de modo que o CNJ realizou um balanceamento do percentual de aprovados nos concursos por sexo e ano do concurso, no qual se destaca que em 2014 na Justiça Estadual, em que o número de inscritos foi mais baixo do que o habitual e o quantitativo de vagas também foi maior que o habitual, gerando percentual de aprovação de mulheres bastante alto, de 33%, sendo superior, inclusive ao de homens, que atingiu 25%. Entretanto, o levantamento de dados demonstra que a Justiça Federal possui percentuais constantemente baixos de aprovação entre mulheres, além de não apresentar avanços nos índices de aprovação, mesmo com uma elevada participação feminina nas comissões ou nas bancas.

Atualmente, tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça são presididos por mulheres, apesar de tamanha conquista, a representatividade feminina ocupando essa área ainda é minúscula, visto que 82% dos ministros de ambas as Cortes são do sexo masculino, além disso, nota-se que não houve avanços no acesso a tais cargos desde 1999, com a posse da primeira mulher no STJ e em 2000 no STF. Assim como, dos 33 ministros do STJ, apenas seis são mulheres e, desde 2013, nenhuma ingressou no Tribunal, já quanto aos homens é diferente, de modo que sete novos ministros tomaram posse nos últimos cinco anos. Enquanto no STF a proporção de mulheres é estável desde 2006, o que demonstra uma grande desigualdade, o que ocorre também nos tribunais de segunda instância com base no Censo realizado pelo Poder Judiciário em relação ao total de magistrados, 64,1% são do sexo masculino.

Em síntese, no mercado de trabalho as mulheres ficam designadas aos cargos e profissões voltadas para o cuidado, ao passo que os homens se responsabilizam por carreiras focadas na racionalidade e frieza, sendo recorrente a exclusão feminina aos cargos correspondentes a tais características. Por analogia, a atividade judicante é profundamente masculinizada e elitizada. Portanto, tendo em vista tudo que exposto, cabe uma reflexão acerca da afirmativa da ex-procuradora geral da República Raquel Dodge, “Todos nós que vivemos sob a Constituição de 1988 temos um compromisso ético e moral com a igualdade de gênero, mas esse compromisso só é autêntico se começa em casa, na Justiça”.

3. CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE REPRESENTATIVIDADE FEMININA NO JUDICIÁRIO 

3.1. ESCASSEZ DE POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA AS MULHERES DEVIDO À JUSTIÇA HETERONORMATIVA  

Primeiramente, é primordial compreender que existe uma linha tênue entre o direito e a ordem social, visto que essa relação é arraigada de vestígios do sistema patriarcal. Diante disso e de toda a contextualização teórica, social e histórica abordada anteriormente, fica perceptível como existe uma diversidade de obstáculos que as mulheres ainda enfrentam para terem acesso à justiça efetiva e garantirem lugar de fala e representação. A sociedade é composta de redes de relações complexas, dado que, é baseada em funções estereotipadas de inferioridade ou superioridade entre os sexos e/ou gêneros. Da mesma forma, o Direito, enquanto prática social, tem colaborado, historicamente, com a naturalização desses marcadores sociais ao aceitá-los ou tomá-los como referências no embasamento das decisões judiciais. Portanto, heteronormatividade trata-se de um termo usado para designar casos nas quais orientações sexuais diferentes da heterossexual são discriminadas, marginalizadas ou perseguidas por práticas sociais, crenças ou políticas, logo, a justiça heteronormativa é eivada de um viés preconceituoso e discriminatório.

O Estado brasileiro tem o compromisso de garantir a igualdade de condições no acesso, gozo e exercício de direitos entre homens e mulheres sem qualquer tipo de discriminação, como estabelecido na ratificação da Convenção pela Eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (CEDAW). Essa convenção trata-se de uma carta magna dos direitos das mulheres, aprovada em 1979 pela Assembleia das Nações Unidas, e ratificada pelo Brasil em 1 de fevereiro de 1984. Entretanto, apesar desse grande marco normativo internacional representar uma evolução histórica, na realidade, a prática é outra, pois a justiça não é efetiva para todos, visto que vivemos em uma sociedade extremamente machista e elitizada que coloca os fatores masculinos em detrimento dos femininos. Além disso, é necessário reconhecer os inúmeros avanços alcançados com muita luta pelos movimentos feministas, como, por exemplo, o direito ao voto feminino, porém quando se fala na igualdade de oportunidades e benefícios sempre há um retrocesso social, de modo que o Poder Judiciário não oferece um amparo legal efetivo para determinadas questões. A ausência de políticas públicas voltadas para o atendimento e supressão das problemáticas femininas é o principal fator que demonstra a carência de respostas do Estado diante dessa situação.

Além disso, a falta de representação feminina dentro das três esferas de Poder do Estado, contribui para haver a compreensão necessária das emblemáticas envolvendo a mulher, de modo que questões direcionadas ao corpo feminino, como, por exemplo, os casos sobre aborto e sobre estupro, que é um crime banal e que fere diretamente a integridade física e moral da mulher, são pautas de discussão que não deveriam dar espaço de fala para homens. Segundo Facio (2000), existe uma ligação direta entre o direito à igualdade e a necessidade de se gerar uma manutenção do direito à vida de todos, visto que é a ausência de igualdade entre os gêneros, feminino e masculino, que acarreta um grande índice de mulheres assassinadas anualmente no mundo. Além disso, devido não haver uma equidade de poderes ou valores nas relações domésticas e familiares, as mulheres sofrem agressões e feminicídios pelos companheiros, de modo que não possuem iguais poderes nas estruturas políticas, médicas e religiosas e morrem de desnutrição, em abortos clandestinos ou em práticas culturais como a mutilação genital, as cirurgias estéticas e obstétricas desnecessárias. A partir disso, entende-se que o maior problema da Justiça brasileira é o fato de utilizar da imagem do homem (branco, heterossexual) e suas características como base de referência para sua construção, sendo essa a maior crítica do feminismo ao Sistema Jurídico, visto que tal fator acarreta à uma exclusão das mulheres, transformando-as em invisíveis, apesar de corresponderem a metade da população mundial.

As políticas públicas, assim sendo, têm a função de agirem como solucionadoras de problemas sociais, tratando-se de uma ação do Estado frente às necessidades de determinados grupos vulneráveis. Desse modo, a escassez de pautas políticas específicas e/ou direcionadas às mulheres é extremamente preocupante, visto que essas ocupam um lugar de desigualdade e necessitam de uma assistência do Poder Judiciário para suprir problemáticas crescentes. De modo que, as mídias frequentemente relatam casos de feminicídio e violências, causados pelo simples rompimento de um relacionamento, como se determinado motivo fosse justificativa para restringir o direito à vida de alguém, mulheres não são posse dos homens, e possuem o livre arbítrio de realizar suas escolhas. Isso ocorre, pois ao longo de décadas, as mulheres foram submetidas aos homens, e consideradas como parte de sua propriedade, sem possuir direitos ou voz para se impor frente às decisões, o que empodera o ego masculino e contribui para ações violentas contra as mulheres. Por isso, a Lei Maria da Penha representa um grande marco emancipatório feminino, visto que foi fruto da organização do movimento feminista no Brasil, que desde os anos 1970 denunciava as violências cometidas contra as mulheres. Entretanto, mesmo com esse amparo legal, existem milhares de mulheres vítimas de violência que não realizam as devidas denúncias, pois sofrem de abuso e tortura psicológica por seus agressores, que por vezes, são seus próprios companheiros.

Diante disso, é nítido a necessidade de mais mulheres ocupando o Sistema Jurídico, dando lugar de fala e amparo judicial para as vítimas da desigualdade de gênero que sofrem constantemente com a cultura heteronormativa estereotipada. Dessa forma, a inclusão de mulheres nesse espaço contribui para o direcionamento da atenção à criação de novas estratégias e formas de articulação entre a vida familiar e a vida pública, visando romper com a tradicional divisão sexual do trabalho, visto que as mulheres, especificamente as negras e pobres são os segmentos mais vulneráveis e excluídos da população. O Estado possui a obrigação de reconhecer a legitimidade de ações específicas voltadas para o fortalecimento das mulheres que, enquanto grupo social diferenciado, estão em condições subordinadas na sociedade. 

4. SOLUÇÃO PARA A FALTA DE REPRESENTATIVIDADE FEMININA NO JUDICIÁRIO 

4.1. DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO DAS MULHERES AO JUDICIÁRIO POR MEIO DE POLÍTICAS AFIRMATIVAS

As mulheres são um grupo vulnerável, dominado pelo grupo dominante detentor do poder econômico, político, social e cultural que obstaculiza alguns de seus direitos inerentes, sendo vítimas de preconceitos e desrespeito por meio de um discurso de ódio que inferioriza e discrimina a mulher em virtude do seu gênero, ou seja, sexismo, podendo ser consubstanciada em violência física, psicológica e simbólica. Este último é um conceito do sociólogo francês, Pierre Bourdieu, relaciona-se ao exercício do poder simbólico do dominante sobre o dominado, no caso há uma submissão e aceitação das mulheres dessa condição por consenso ou por força física, sendo inúmeros os casos de violência doméstica e feminicídio. As políticas públicas afirmativas, dessa forma, visam tutelar as mulheres e garantir seus direitos fundamentais, a dignidade humana e igualdade jurídica.

A presença feminina é fulcral para garantir a democracia e contemplar a diversidade da sociedade, a fim de fortalecer e legitimar o espaço jurídico, no qual as mulheres contribuirão efetivamente na determinação da direção dos órgãos jurisdicionais. A diversidade no ambiente de trabalho promove troca de experiências em decorrência das diferentes formas de pensar, o que auxilia na construção de soluções criativas para o combate de problemas, aumento da produtividade, desconstrução do preconceito e promoção da alteridade no ambiente de trabalho, fatores que engrandecem a instituição. Entretanto, as instituições de poder ainda perpetuam a discriminação contra às mulheres, o que dificulta o acesso dessas, principalmente os postos mais altos da magistratura. A sub-representação causa silenciamento, invisibilidade e impossibilita a diversidade de interpretações dos fatos jurídicos, o Estado Democrático de Direito, a igualdade e a justiça.

Entretanto, atingir altos cargos da magistratura exige uma dedicação descomunal, inicialmente acadêmica durante a graduação de Direito e para ser aprovado no concurso público para magistratura e posteriormente, quando empossada, a fim de obter ascensão profissional e buscar interferir nas indicações aos cargos. O desafio aumenta, pois, além de enfrentar o machismo institucional no Judiciário encaram uma dupla jornada, dessa forma, as demandas da vida familiar pode ser uma barreira, pois é difícil conciliar as tarefas domésticas, os cuidados com os filhos e a profissão.

A equiparação entre homens e mulheres é sinônimo de uma democracia plenamente representativa, para tanto, será realizada em sua plenitude quando houver mudança da mentalidade da sociedade com o intuito de erradicar o machismo estrutural e a discriminação. Por isso, primeiramente devem ser adotados medidas “subjetivas” com o intuito de promover a conscientização e construção da alteridade, devendo o Judiciário proporcionar a capacitação de seus profissionais para que se erradique a discriminação velada às mulheres. Trata-se do Princípio da Igualdade Jurídica Material que despende um tratamento desigual ao grupo dominado, como forma de promover a justiça e isonomia.

Atrelado a isso, é preciso a realização de ações afirmativas e cotas para mulheres, a fim de equiparar os gêneros nos cargos mais elevados do Judiciário, por exemplo, a cláusula para igualdade de gênero na Constituição adotada na Bolívia, país vizinho ao Brasil. Entretanto, o Legislativo brasileiro não discute medidas para reverter essa situação, local no qual ocorre a concretização com vinculação constitucional para erradicar a discriminação e definir as diretrizes das políticas afirmativas. Exemplo disso, é o arquivamento das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que visavam atender essas demandas, o que demonstra a ineficiência e descaso na resolução desse problema. A PEC 42/2014 cujo objetivo é alterar os artigos 37, 101, 104, 111-A, 119 e 123 da Constituição Federal a fim de estabelecer cotas para o ingresso no Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal Militar (STM), reservando no mínimo trinta por cento das vagas para as mulheres. A PEC 43/2016 tinha objetivo tornar obrigatório a diversidade de gêneros nas listas sêxtuplas e tríplices para a indicação de membros do Ministério Público e da advocacia para os Tribunais Regionais Federais, Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios, o qual seria assegurado com a alteração do caput do artigo 94 da Constituição Federal de 1988, enquanto a PEC 8/2017 tinha o mesmo objetivo, mas na escolha dos membros dos Tribunais Judiciários, dos Tribunais de Contas e dos Procuradores-Gerais do Ministério Público, e para tanto prévia a alteração da CF/88.

Diante disso, torna-se evidente que a diversidade precisa ser recepcionada, para tanto, é preciso que o Poder Judiciário realize programas destinados a isso. Um avanço foi a Resolução n.º 255 de 04/09/2018 do CNJ que instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário, apesar de ser um grande avanço, pois institui que o Judiciário crie políticas que garantam a igualdade de gênero, além da promoção de estudos e eventos de capacitação e diálogo com os Tribunais a respeito do cumprimento desta Resolução, ainda é recente para servir como fator de mudança do status quo e disrupção do mainstream. Além disso, o CNJ aderiu à Agenda 2030 da ONU que traça os objetivos de desenvolvimento sustentável e com isso espera-se o fim da opressão, discriminação e preconceito e a igualdade de gênero, prioridades no planejamento e na realização de metas a serem cumpridas pelo Judiciário. E, em 2021 o CNJ lançou o livro “Democratizando o Acesso à Justiça”, organizado pela conselheira do CNJ, Flávia Moreira Guimarães Pessoa, no qual são apresentadas propostas de magistrados, professores e juristas visando democratizar o acesso ao Judiciário. Assim, todas medidas têm como intuito a criação de projetos educativos que abordem a diversidade humana, a promoção de inclusão social no Judiciário por meio de políticas afirmativas, como as cotas.

No que tange a quantidade de mulheres na magistratura, há mais juízas nas instâncias inferiores em relação às superiores, principalmente no cargo de desembargadora. Isso ocorre em virtude da demora das mulheres ocuparem os cargos de juízes, a primeira mulher a ser empossada foi a magistrada cearense Auri Moura Costa em 1939, logo, são poucas as juízas nas instâncias superiores, pois a antiguidade é um critério para a ascensão. Assim, faz-se necessário a realização de uma cota feminina por antiguidade que permite a reserva de assento para a desembargadora mais antiga para assegurar a representatividade e visibilidade feminina e com isso, no decurso do tempo a desigualdade nas instâncias superiores tende a diminuir.

Além disso, faz-se necessário promover um estímulo às mulheres prestarem concursos de magistratura, pois os índices de inscritas e aprovadas são irrisórios. De acordo com dados do CNJ, há maior quantidade de mulheres nas bancas dos concursos da Justiça do Trabalho (70%) e há maior aprovação feminina na Justiça Estadual (5%), apesar de não ser possível asseverar que a presença feminina nas bancas acarreta maior aprovação desse grupo. Por isso, é importante a realização de rodas de conversa e oficinas com a participação de juízas e desembargadoras em conjunto com estudantes e estagiárias de Direito como forma de expor a experiência na magistratura e incentivar o ingresso de mulheres no Judiciário, além disso, deve-se aumentar a presença feminina nas comissões de concursos da magistratura tornando obrigatório o piso mínimo de mulheres conforme a quantidade de juízas presentes nos Tribunais, como forma de promover justiça social.

Portanto, ainda faltam meios expressos na Constituição que combatam a discriminação em virtude do gênero. A presença feminina nas instituições de poder torna-se um exemplo para outras mulheres, as quais se sentem representadas e vislumbram a possibilidade de também ocuparem as cadeiras das universidades e espaços de poder, para exercerem o direito de fala que lhe fora usurpado pelo patriarcado e promover a igualdade, dessa forma, contribuem para a progressiva diminuição das assimetrias de gênero. Entretanto, mesmo no poder ainda precisam enfrentar cotidianamente julgamentos quanto a sua capacidade em um espaço majoritariamente masculino que por vieses implícitos desrespeita o direito adquirido pela mulher de ocupar aquele espaço, além da carga acumulada com as tarefas domésticas, os cuidados com os filhos e as obrigações impostas pela sociedade em ser uma mãe exemplar. Portanto, percebe-se que a mudança de paradigmas estigmatizantes é moroso e cabe ao Judiciário criar políticas que visem a superação desses abismos que impedem a ocupação nos espaços de decisão para a construção de políticas plurais rumo à construção de uma sociedade mais justa e igualitária e a emancipação emocional, social e financeira.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo geral, o presente trabalho buscou realizar uma articulação entre o sexo feminino e o Poder Judiciário por meio de uma contextualização histórica e cultural. Entretanto, quando se relacionam esses fatores emergem algumas problemáticas frequentes da sociedade brasileira, pois faltam políticas públicas e outros meios de ações legais para ampararem os grupos de mulheres em condições de desigualdade. Foi abordado de forma explícita como o número de mulheres presente nas três esferas do Poder é desigual em detrimento do número de homens, de modo que toda essa hierarquia biológica, entre dominante e dominado, ainda permeia dentro das relações estereotipadas presentes na estrutura social. Diante disso, foi apresentado diversos fatores e percentuais de desigualdade de gênero, enraizados em todo o processo de construção do Sistema Judiciário brasileiro, visto que a falta de representação feminina dentro desses setores profissionais implica diretamente no descaso judicial diante das emblemáticas constantes envolvendo os direitos femininos.

Dessa forma, buscou-se demonstrar como o acesso das mulheres a cargos jurídicos é norteado de dificuldades, visto que elas lutam diariamente para ocuparem esses lugares, quebrando todos os padrões impostos pela sociedade heteronormativa, em sua maioria branca, heterossexual e elitizada, sendo a divisão sexual do trabalho a barreira principal. Ao longo de décadas, a mulher era designada como a esposa do lar, dócil e sensível que dedicava seu tempo ao cuidado do marido e filhos e apesar da evolução social, ainda existem traços de pensamentos machistas, de modo que o próprio Poder Judiciário brasileiro não quer se democratizar e demonstrar a representação da diversidade que caracteriza a nossa população em geral, e quando as mulheres conseguem entrar nesses espaços, elas ficam encarregadas de "provar" diariamente que merecem estar naquele lugar, como se ele não lhes fosse devido.

São diversos os relatos de magistradas, especialmente aquelas que chegaram ao topo da carreira, que apontam uma carga de trabalho e dedicação significantemente maior em comparação com os homens, além dos sacrifícios pessoais que fizeram, como, por exemplo, renunciar à maternidade, para que pudessem ascender na carreira.

Posteriormente, foi abordado sobre a ausência de amparo legal efetivo diante de situações vivenciadas constantemente por mulheres, de modo que decisões judiciais frente aos casos que envolvem o corpo feminino, como, por exemplo, as discussões acerca da proibição do aborto, tiram o direito da mulher de dispor do seu próprio corpo, circunstâncias que demonstram o machismo social enraizado. Da mesma maneira, os casos de violência contra a mulher e feminicídio que, ao decorrer do julgamento, o réu apresentava a tese de legítima defesa da honra do homem, como se o homem e sua honra fossem superiores ao direito à vida. O STF, somente no ano de 2021, julgou e proferiu que essa justificativa dos homens é inconstitucional, assim como declarou o ministro Toffoli, ao determinar seu voto, que a tese seria odiosa, desumana e cruel por responsabilizar a vítima pela causa da sua própria morte ou lesão.

Portanto, após longa exposição da estrutura social vigente que desampara a mulher no que tange a conquista de direitos e da igualdade, compreende-se necessário a realização de políticas públicas que visem a atender as problemáticas femininas de forma eficaz, com o intuito de aumentar a presença feminina nos cursos de Direitos e na magistratura. Dessa forma, alcançar-se-á o pleno Estado Democrático de Direito pautado na igualdade entre os gêneros.

6. REFERÊNCIAS

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ARAUJO, Marcele Juliane Frossard de. Info Escola. Matriarcado. Disponível em: <https://www.infoescola.com/sociologia/matriarcado/>; Acesso em: 20 nov. 2020 

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LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 2003.

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Sobre as autoras
Valkíria Silva de Souza

Advogada e Pós-graduanda em Direito de Trânsito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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