Direitos coletivos: classificações doutrinárias e evolução histórica da legitimidade

23/05/2024 às 17:37
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1 Considerações Iniciais

O presente artigo terá por objetivo tratar acerca dos direitos coletivos, bem como, de suas peculiaridades processuais no ordenamento brasileiro. De maneira geral, serão abordadas, objetivamente, as teorias e características doutrinárias da legitimidade do processo coletivo, o que possibilitará uma visão geral da temática ministrada nas aulas de Direito Processual Coletivo.

Conforme pontua Guilherme Malinone, o Processo Coletivo possibilita: “(...) o acesso a um processo justo, a garantia a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional, mas que também permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as específicas situações de direito substancial. Acesso à justiça significa, ainda, acesso à informação e à orientação jurídica e a todos os meios alternativos de composição de conflitos”.

Em sentido amplo, há de mencionar também os seus sujeitos e objetos. Quanto aos sujeitos, entende-se como todo aquele considerado titular de direitos coletivos materiais. Por outro lado, por objeto teremos os direitos coletivos também do campo material, sendo estes resguardados por um fecho de normas (leis especiais), de acordo com o tipo de processo adequado para a situação específica.

Ademais, quando trazemos a discursão para o âmbito, inicialmente teremos o direito coletivo como uma ferramenta que teria dado origem à Ação Civil Pública. Todavia, adentrando na realidade brasileira atual, pode-se observar uma grande quantidade de ações voltadas para o processo coletivo, o que na realidade representa o resultado da incompreensão e falta de aprofundamento na temática. Ou seja, as diferentes ferramentas criadas ao longo do tempo na realidade visam solucionar problemas emergiam diante dos casos concretos. Como exemplos dessa dinâmica podemos citar os chamados Processos Estruturantes e o Processo Coletivo Sancionatório.

2 Classificação doutrinária universal e brasileira dos direitos coletivos e suas características

No que tange a classificação doutrinária universal, há de se dividir os direitos coletivos em dois: os Direitos Difusos e Direitos Coletivos em Stricto Sensu. Este, relacionado diretamente a coletividade, enquanto o outro, estaria direcionado à grupos, categorias ou classes. Na realidade brasileira, todavia, a doutrina inclui também os Direitos Individuais Homogêneos, presentes nas relações de consumo, estabelecidas no título III (Artigo 81) do Código de Defesa do Consumidor (CDC), isto é:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Com relação ao Direitos (ou interesses) Difusos, de acordo com a legislação, podemos caracteriza-los como: transindividuais, ou seja, ultrapassam a barreira da individualidade; indivisíveis, haja vista que, embora possam ser aplicada no âmbito individual, possui natureza indivisível, destinada à pessoas indeterminadas, ou seja, à coletividade e ligadas por circunstâncias de fato.

Todavia, à partir da doutrina podemos extrair outras qualidades importantes, sendo elas: a potencialidade do dano, relacionada às consequências negativas advindas do problema para/com a coletividade; a imutabilidade, haja vista a possibilidade de alteração da situação problema de acordo com determinados parâmetros, como por exemplo um determinado ambiente que, de acordo com o momento, pode ou não estar poluído.

Além do mais, também podemos trata-los como não quantificáveis, uma vez que trata-se de situações compostas por problemas estruturais, não passíveis de indenizações (exceto o chamado dano moral coletivo para fins sancionatórios). Outrossim, há de se falar em um alto grau de litigiosidade, caracterizado como lides compostas por um grande número de interesses simultâneos, como os sociais, políticos econômicos e religiosos, o que possibilita uma dificuldade maior de se resolver o impasse.

Também podemos atribuir a esses a indisponibilidade, que reside no fato de se constituir de direitos assegurados e “inegociáveis”, e a característica erga omnes, ou seja, que se estende a todos.

Quanto aos Direitos Coletivos em Stricto Sensu, podemos atribuir-lhes características similares àquelas presentes nos Direitos Difusos, tendo em vista que são transindividuais; indivisíveis; voltados para um número de pessoas indeterminadas dentro de grupos, associações que podem estar em defesa dos interesses de seus associados ou de Interesses Difusos, categorias, sindicatos, os quais defendem determinados indivíduos, independentemente da filiação em associações ou classes, conselhos de ordens como a OAB e o Conselho Federal de Medicina; além disso, esses direitos também são destinado à pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

Além do mais, está presente também o fato de serem instrínsicos, isto é, há uma relação de vínculo entre a entidade e a pessoa, como também as demais características atribuídas aos Direitos Difusos. Assim, em suma, podemos depreender que o fato que diferencia os dois tipos de direitos é a a destinação dos mesmos, seja à coletividade ou à grupos determinados de grupos, categorias ou classes.

Já no que cabe aos Direitos Individuais Homogêneos, o legislador se mostrou bastante sucinto ao descrevê-los como “decorrentes de uma origem comum”, por isso vale mencionar também as características advindas da doutrina. Porém, inicialmente é importante mencionar que esses direitos, diferentemente dos que foram apresentados anteriormente, são destinados à uma pluralidade de direitos individualizáveis.

Feita essa distinção, podemos seguir para suas características, as quais, mais uma vez, muitas delas também estão presentes nos demais tipos de Direitos Coletivos. Assim, podemos mencionar a transindividualidade, tendo em vista a quantidade de titulares desses direitos; homogeneidade, ou seja, todos devem ser tratados da mesma forma, decorrentes de uma origem comum, isto é, nascem de um fato ou ato jurídico advindo de uma determinada circunstância, como uma lei, portaria ou decreto.

Outro ponto relevante, do qual decorre a homogeneidade, é o tratamento igual no que diz repeitos aos titulares e aos processos, sejam eles individuais ou coletivos. Em outras palavras, diremos os indivíduos envolvidos terão, em seu processo, a mesma causa de pedir e pedido.

Além do mais, podemos classificá-los como direitos individuais, por se tratar de direito individual, divisíveis, sendo fracionável a cada titular, quantificáveis sendo possível mensurar quantias ou valores, além de possuírem sujeitos identificáveis, uma vez que é possível saber quem são os seus titulares.

Também podemos mencionar a característica da hipossuficiência, que por sua vez leva à inacessibilidade da busca pelo direito, e a obtenção de pequenas vantagens advindas da violação de uma pluralidade de direito, a qual muitas vezes não se apresenta como um resultado suficiente para as eventuais reparações necessárias.

Outrossim, assim como nos Direitos Coletivos, aqui também há os chamados efeitos erga omnes, visto que são aplicáveis para qualquer indivíduo titular do respectivo direito. O qual deve ser tratado, conforme mais uma das características, de forma igualitária, isto é, com isonomia.

Adiante também podemos citar o fato de as ações serem julgadas de forma diferente, caso sejam interpostas individualmente. Como também, faz-se mister considerarmos também os fatores psicológicos.

3 Teoria e evolução legal e constitucional da legitimidade no processo coletivo

Diferente dos direitos individuais, onde o ingresso da ação é realizado a partir dos titulares do direito, ou seja, aqueles que participaram da relação jurídica específica. Nos direitos coletivos há de se falar em diferentes discursões ao longo de sua evolução. De acordo com a doutrina inicial Italiana, aqui representada pelas pelo jurista Mauro Cappelletti, a ideia de legitimados estava ligada diretamente a ideia da sociedade de massa, sendo esta proprietária dos direitos difusos (como o meio ambiente).

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Para Vigoritti, por outro lado, a ideia de legitimidade atrelava-se aos interesses coletivos, os quais, por sua vez, já sucediam os interesses difusos. Assim, a legitimidade estaria disponível para alguns dos representantes do referido direito violado. Ou seja, nesse ponto da evolução histórica já se tinha uma distinção entre direitos coletivos e difusos.

No Brasil, por outro lado, o referido assunto acerca da legitimidade é tratado em especial a partir da década de 30, com o advento da normativa acerca da Ação Popular. Posteriormente, já na década de 80 nasce a Lei que regulamentou a Ação Civil Pública, dando origem, de maneira “oficial”, a introdução do processo coletivo no ordenamento brasileiro.

Quanto a legitimidade das associações, questão introduzida posteriormente no sistema jurídico nacional, deve-se relatar que, para que seja exercida, é necessário que seja autorizada de maneira expressa. Já que no tange aqueles que serão beneficiados pelos efeitos da ação, apesar das divergências, o STF compreende que é necessário ser associado no respectivo dia da prolatação da sentença.

No que tange os sindicatos, os mesmos possuem também a chamada legitimidade extraordinária, isto é, podem defender não somente os direitos judiciais, como também aqueles que se referem ao âmbito administrativo. Diferentemente dos partidos políticos, que possuem apenas legitimidade ativa na ação coletiva, quando se trata de representação por parte de uma Assembleia Nacional.

Por outro lado, quando se trata do Ministério Público, ele se mostra como detentor legítimo das Ações Civis Pública de eventuais interesses coletivo. O mesmo não se mostra tão claro para aquelas ações de interesse individual, uma vez que não há uma previsão clara acerca do tema.

Por fim, quando falamos no Código de Defesa do Consumidor, também haverá a participação do Ministério Público quando se tratar de sua respectiva ação coletiva, isto é, Ação Individual Homogênea, embora não esteja positivado no Artigo 129 da constituição, o qual prevê que:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
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