Desafios e obstáculos da adoção tardia no Brasil.

Uma análise dos entraves legais e sociais

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7. ADOÇÃO TARDIA E SEUS DESAFIOS

A Adoção Tardia se refere ao processo de adoção de crianças, que já não são bebês, ou seja, crianças que têm mais idade, geralmente acima de três anos. Geralmente, essas crianças já adquiriram uma certa autonomia e independência em relação às suas necessidades básicas.

Segundo o entendimento de Vargas:

Tardia é um adjetivo usado para designar a adoção de crianças maiores. Considera- se maior a criança que já consegue se perceber diferenciada do outro e do mundo, ou seja, a criança que não é mais um bebê, que tem certa independência do adulto para satisfação de suas necessidades básicas. Vários autores consideram a faixa etária entre dois e três anos como um limite entre a adoção precoce e a adoção tardia.

Outros fatores também concorrem para essa avaliação como o tempo de permanência da criança em instituição e o seu nível de desenvolvimento. Pode acontecer que crianças com dois, três anos ainda não apresentem comportamentos compatíveis com a sua faixa etária, ou seja, não andam sozinhas, não falam ou usam fraldas e a adaptação delas não apresentará características típicas de uma adoção tardia. (VARGAS, 1998, p. 35).

Diferentemente da adoção de bebês, a adoção tardia apresenta desafios únicos, tanto para os pais adotivos quanto para as próprias crianças. As crianças adotadas tardiamente muitas vezes têm uma história de experiências prévias, que podem incluir abuso, negligência ou múltiplas mudanças de cuidadores. Essas experiências podem deixar marcas emocionais e comportamentais nas crianças, exigindo dos pais adotivos uma abordagem sensível e preparada para lidar com essas questões.

À medida que o tempo passa, é inegável que as oportunidades de adoção para crianças diminuem. Isso traz à tona uma série de dúvidas e preocupações, especialmente quando se trata da adoção tardia. Essas incertezas afetam tanto as crianças mais velhas que aguardam ansiosamente por uma família quanto os futuros pais, que enfrentam uma variedade de questões, desde a adaptação na nova dinâmica familiar até o histórico de vida da criança, suas condições de saúde, experiências passadas e seu estado emocional.

Para as crianças mais crescidas, essas preocupações se estendem para o futuro desconhecido, questionando como será a nova vida e se serão aceitas ou rejeitadas novamente. Elas têm expectativas de fazer parte de um lar repleto de amor, mas ao mesmo tempo enfrentam a insegurança, pois muitas só conheceram o ambiente institucional como seu único porto seguro, carente de vínculos afetivos familiares.

Um dos maiores desafios da adoção no Brasil atualmente é a aproximação entre os pretendentes à adoção e as crianças e adolescentes em condições de serem adotados. Embora haja milhares de crianças e adolescentes disponíveis para adoção em todo o país, muitos pretendentes têm preferência por crianças mais novas ou com características específicas, o que dificulta as chances de adoção para outros.

É importante reconhecer e ter empatia com o fato de que crianças adotadas tardiamente podem carregar traumas de abandono, resultando em complexidades emocionais mais profundas. Em muitos casos, essas crianças já experimentaram sensações de rejeição e falta de amor devido à sua condição de adoção em uma idade mais avançada.

Em qualquer forma de adoção, é crucial que as famílias, especialmente os pais adotivos, aceitem seus filhos como são, compreendendo e apoiando-os em seus medos, ansiedades e dúvidas. A separação das famílias biológicas muitas vezes é uma situação prematura, influenciada por desigualdades sociais que levam à pobreza, fome e violência, em detrimento do amor e do cuidado.

Os pais adotivos de crianças mais velhas devem estar preparados para atender às necessidades específicas de seus filhos e enfrentar possíveis preconceitos sociais, que muitas vezes são baseados em estigmas injustificados. A decisão de adotar uma criança mais velha requer uma compreensão cuidadosa e uma disposição para enfrentar os desafios que possam surgir ao longo do caminho.


8. PRECONCEITOS EM RELAÇÃO A ADOÇÃO TARDIA

Como já vimos a adoção é um ato de amor e generosidade transformador que proporciona às crianças e aos jovens a oportunidade de crescer num ambiente familiar amoroso e estável. No entanto, apesar dos inúmeros benefícios emocionais e sociais associados à adoção, persistem o estigma e os mitos que cercam o processo. Estes preconceitos, muitas vezes baseados em crenças ultrapassadas e na falta de informação, podem ter um impacto negativo nas crianças adotadas e nos adotados, dificultando-lhes a formação de laços emocionais e a integração nas suas famílias.

O preconceito na adoção pode se manifestar de diversas formas e em diferentes estágios do processo. Um dos aspectos mais evidentes é o preconceito racial, em que casais requerentes expressam preferências por crianças de determinadas etnias ou origens étnicas, muitas vezes rejeitando crianças de outras raças. Isso pode resultar em dificuldades para crianças de grupos étnicos minoritários encontrarem famílias adotivas, resultando em desigualdades e excluindo crianças de uma oportunidade de serem adotadas.

Além disso, existe também o preconceito relacionado a características individuais das crianças, como idade, gênero, condições de saúde física ou mental, entre outros. Algumas famílias adotivas podem ter preferências específicas e, ao buscar uma criança para adoção, podem discriminar aquelas que não correspondem às suas expectativas ou ideais preestabelecidos.

Segundo Rufino:

O preconceito racial no processo de adoção emerge através das exigências impostas pelos casais requerentes, que, ao se cadastrarem, expõem como idealizam e como desejam a criança, tratando a questão, muitas vezes, como um ato mercantilizável.

De acordo com uma pesquisa recente realizada pela Ms. Jackeline Silva, do departamento de psicologia da PUCMINAS, observou-se que, no Brasil, a preferência por crianças de 0 a 2 anos é aproximadamente 70% maior do que por crianças de 3 anos ou mais. Essa tendência é atribuída ao desejo dos futuros pais de vivenciarem experiências típicas da parentalidade, como trocar fraldas, dar banho, alimentar com mamadeira, entre outras atividades. Conforme explicado pelo escritor Mário Camargo (2006), essa preferência reflete a percepção de que crianças mais velhas já possuem uma certa independência em relação às necessidades básicas e uma visão de mundo própria.

Essa preferência pode ser interpretada como um reflexo do preconceito que surge a partir do medo e de crenças estereotipadas. Para muitos requerentes, a adoção de recém-nascidos é vista como o caminho mais tradicional para introduzir a criança no mundo. No entanto, como apontam os pesquisadores Levy e Féres Carneiro, essa escolha muitas vezes implica no desejo de apagar o passado da criança e eliminar qualquer influência genética que possa interferir no projeto de parentalidade dos adotantes.

Rufino ainda ressalta:

Historicamente, a criança adotada tem sido objeto de discriminação a partir dos preconceitos e estereótipos inseridos em nossa sociedade. Uma das mais fortes razões destes preconceitos tem sido a ideia da importância da consanguinidade – ou seja, dos laços de sangue. Em função desses laços, com vistas a uma preservação biológica, muitos casais que decidem adotar procuram o serviço específico, fazendo algumas exigências e restrições, estabelecendo critérios quanto à idade, à origem, ao sexo e, principalmente, à cor da criança desejada. (RUFINO. 2003, p. 80).

De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2015, há uma discrepância alarmante entre o número de crianças em abrigos aguardando adoção e o número de possíveis adotantes em busca de um filho. Para cada criança nessas instituições, há aproximadamente seis adotantes em potencial. No entanto, é preocupante observar que 57% desses candidatos têm restrições quanto à cor da criança, 40% têm restrições em relação ao sexo e 80% preferem adotar apenas uma criança. Além disso, menos de 10% estão dispostos a adotar crianças com mais de cinco anos de idade. Esses dados destacam os desafios significativos enfrentados pelas crianças mais velhas e por aquelas que possuem características específicas que não correspondem às preferências dos adotantes em potencial.

Ebrahim (2001) sugere que o preconceito pode ser superado através de um trabalho criterioso com os pais candidatos à adoção, preparando-os, orientando-os e oferecendo apoio ao grupo familiar com o intuito de possibilitar a discussão dos estereótipos e tabus que mistificam o processo de adoção, visando a provocar mudanças nos critérios que envolvem a adoção de crianças, fisicamente não semelhantes aos possíveis pais, contribuindo para alterar o perfil da criança ou adolescente desejado.


9. CAMPANHAS DE INCENTIVO A ADOÇÃO TARDIA NO BRASIL

Com o objetivo de estimular a adoção tardia, diversos Tribunais de Justiça em diferentes estados têm lançado campanhas.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) lançou a campanha "Escolher Adotar é Escolher Amar" em celebração ao Dia Nacional da Adoção, com o propósito de incentivar famílias a acolherem crianças e adolescentes com enfermidades ou deficiências. Em comunicado, a ministra Cristiane Britto destacou a importância de a sociedade e o Estado adotarem medidas que garantam o direito fundamental das crianças e adolescentes de viverem em uma família. Para Cristiane, adotar é um gesto de entrega e generosidade, proporcionando proteção, afeto e a oportunidade de vivenciar o calor de um lar amoroso.

Segundo dados do ministério, em 2020, havia 5.040 crianças e adolescentes aptos para adoção no Brasil. Atualmente, aproximadamente 34 mil menores estão acolhidos em instituições públicas e lares de acolhimento em todo o país.

O secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício Cunha, ressaltou que é direito das crianças e adolescentes crescerem e serem educados em suas próprias famílias.

O projeto de lei nº 1555/23 em tramitação na Assembleia Legislativa de Goiás, de autoria do deputado André do Premium (Avante), propõe a criação de uma Campanha de Incentivo à Adoção Tardia. Esta campanha visa conscientizar sobre a quantidade de jovens com mais de 7 anos à espera de adoção, a discrepância entre os habilitados e os que buscam adoção, e o número de crianças e adolescentes que permanecem por mais de 2 anos em situação de acolhimento provisório.

O artigo 19 da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, estipula que é direito da criança e do adolescente serem criados e educados em suas famílias, podendo, excepcionalmente, serem acolhidos em famílias substitutas, garantindo a convivência familiar e comunitária em ambientes propícios para seu pleno desenvolvimento. Entretanto, o número de crianças e adolescentes aptos para adoção é significativamente menor que o número de interessados, com apenas 4.900 menores disponíveis para adoção contra 32 mil postulantes. Nesse cenário, 90% das demandas são por crianças com até 7 anos, enquanto 67% das crianças e adolescentes disponíveis para adoção têm entre 7 e 18 anos.

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Além disso, mais de 47 mil crianças encontram-se em situação de acolhimento no Brasil, muitas delas há anos em abrigos institucionais, casas, lar, residências inclusivas e outras formas de acolhimento. Este cenário ressalta a necessidade de campanhas que incentivem a adoção tardia, proporcionando a essas crianças e adolescentes a oportunidade de encontrar um lar amoroso e estável.

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) também aprovou um Projeto de Lei de número 728/23, proposto pelo deputado Vinicius Cozzolino (União), que estabelece a criação da Campanha de Incentivo à Adoção Tardia. Essa medida busca conscientizar sobre a relevância da adoção de crianças e adolescentes que muitas vezes esperam por períodos prolongados por uma nova família.

Diante do cenário apresentado, fica evidente a importância da conscientização e das campanhas que incentivam a adoção tardia. O número expressivo de crianças e adolescentes que aguardam por anos uma oportunidade de serem acolhidos em um lar amoroso e estável reflete não apenas a necessidade urgente de ações, como também a responsabilidade coletiva em assegurar o direito fundamental desses jovens de viverem em famílias.

As iniciativas promovidas pelos Tribunais de Justiça, pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, bem como pelos legisladores estaduais, destacam a urgência de sensibilizar a sociedade sobre a adoção tardia. Ao proporcionar informações sobre a realidade dessas crianças e adolescentes, essas campanhas visam romper estigmas e preconceitos, além de fomentar um ambiente propício para a ampliação do acolhimento familiar.


10. NATUREZA JURÍDICA DA ADOÇÃO

A adoção será estabelecida mediante sentença judicial, e o filho adotivo passará a ter direitos e deveres como um filho biológico.

Conforme descrito no artigo. 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

“O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão; isso ressalta que a adoção tem interesse geral e diz respeito a todos da coletividade. A doção será constituido mediante senteça judical o filho adotivo passara a ter direitos e devres como o filho biologico

Também é mencionado no Art. 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

É dever da família, do Estado, da Comunidade em geral e do Poder Público Assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).


11. REQUISITOS, PROCEDIMENTOS E MODALIDADES DA ADOÇÃO

O processo de adoção, assim como qualquer outro procedimento jurídico, requer a expressão de vontade de todas as partes envolvidas. Em casos de adoção tardia, onde a criança a ser adotada possui discernimento suficiente, a sua opinião tem um impacto significativo na conclusão do processo, constituindo-se como um dos principais critérios.

Segundo a Lei nº 12.010, de 2009, é necessário que grupos de irmãos sejam adotados, tutelados ou colocados sob a guarda da mesma família substituta. Exceções ocorrem apenas quando há um risco comprovado de abuso ou qualquer outra situação que justifique uma solução excepcional. Em todos os contextos, a meta é evitar a ruptura definitiva dos laços fraternais. É requerida uma diferença mínima de 16 anos entre o adotante e o adotado. No caso de casais, apenas um membro da relação precisa cumprir essa exigência.

PROCEDIMENTOS

O processo de adoção é uma jornada legal e emocional que une crianças e adolescentes em uma família. Começa com uma decisão consciente, seguida por avaliações rigorosas e preparação por parte dos candidatos à adoção. Este processo inclui cursos, entrevistas e visitas domiciliares. Uma vez aprovados, os futuros pais são inseridos em uma lista de espera até serem emparelhados com uma criança. Após o emparelhamento, ocorre um período de convivência, seguido pela formalização legal da adoção. Todo este processo requer paciência, dedicação e amor.

MODALIDADES DA ADOÇÃO

A adoção engloba diversas modalidades, cada qual com suas especificidades. Entre elas, a adoção unilateral, a adoção por casais do mesmo sexo, a adoção tardia e a adoção internacional são as mais prevalentes. Cada uma dessas modalidades possui um conjunto de regulamentos e critérios próprios. Compreender essas diferenças é fundamental para orientar futuros pais adotivos no processo de adoção, assegurando o melhor interesse da criança.

  • Adoção Legal - É um procedimento jurídico que estabelece uma relação de parentesco, conferindo ao adotado os mesmos direitos e deveres de um filho biológico, incluindo o direito ao sobrenome da família adotiva. Essa prática representa um ato de amor e compromisso, proporcionando um lar seguro e estável para uma criança em necessidade. Além disso, a adoção promove a inclusão social e garante os direitos da criança e do adolescente, conforme definido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

  • Adoção Unilateral - Essa circunstância se dá quando um dos parceiros ou cônjuges manifesta o desejo de adotar o filho do outro. Isso é comum quando a criança não possui o nome do pai biológico registrado na certidão de nascimento.

  • Adoção Internacional - Esta situação ocorre quando não se encontra um adotante com o perfil adequado no Brasil. Neste caso, o interessado reside e é domiciliado fora do país, mas demonstra a intenção de realizar a adoção no Brasil biológico registrado na certidão de nascimento.

  • Adocão Bilateral - Neste caso, o casal precisa estar unido para que a adoção seja concretizada nesta modalidade, que é diferente das demais. O requisito é que os possíveis pais sejam casados ou tenham uma união estável.

  • Adoção Homoparental – Realizada por casais homoafetivos este tema envolve o direito de casais do mesmo gênero adotarem crianças, oferecendo um lar repleto de amor e segurança. Tal prática desafia preconceitos, incentivando a diversidade familiar e auxiliando na edificação de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa. No âmbito jurídico, a adoção homoparental é um direito reconhecido em vários países, incluindo o Brasil, assegurando igualdade no processo de adoção, independente da orientação sexual dos interessados.

  • Adoção Maiores de 18 - A adoção de indivíduos com mais de 18 anos, embora não seja tão comum, é uma prática legal e importante. Esta prática oferece a oportunidade de estabelecer laços familiares formais entre adultos, proporcionando segurança tanto emocional quanto legal. Geralmente, envolve pessoas que já têm uma relação próxima, como padrastos e enteados, ou entre indivíduos que se consideram família de maneira informal. Essa modalidade de adoção é uma expressão de amor incondicional, reforçando o ditado popular: família não é somente laços de sangue, mas acima de tudo, é amor.

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