O juízo de admissibilidade em Direito Administrativo sobre o uso de gravação ambiental a embasar a deflagração de processo administrativo disciplinar

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24/05/2024 às 11:04
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6. A gravação ambiental

A gravação ambiental clandestina tem sido um tema de intenso debate jurídico, cuja aceitação, até a promulgação da Lei nº 13.964/19, era amplamente reconhecida pelos tribunais superiores como legítima. Este reconhecimento foi marcantemente consolidado quando o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar o Tema nº 237 de Repercussão Geral (RE nº 583.937/RJ), estabeleceu que não é necessário qualquer tipo de autorização judicial prévia para que uma pessoa registre uma conversa da qual participe, mesmo sem o conhecimento do outro interlocutor, desde que haja uma justificativa plausível para tal ato.

Essa decisão abriu caminho para precedentes para que a justiça fosse feita em situações onde a verdade precisava ser exposta, garantindo um instrumento legal para a proteção dos direitos fundamentais.

A decisão do STF legitimava o uso de gravações ambientais como prova no âmbito judicial, desde que fundamentadas em uma justa causa.

Portanto, a gravação ambiental, validada pela mais alta corte do país, era um recurso valioso para assegurar que a verdade prevaleça.

Além disso, a gravação ambiental clandestina emerge como uma ferramenta de equilíbrio entre o direito à privacidade e a necessidade de segurança e justiça. A jurisprudência estabelecida pelo STF não promove um ambiente de vigilância desenfreada, mas sim um contexto em que a gravação é permitida apenas quando há justa causa. Isso garante que o uso desse recurso seja ponderado, proporcional e alinhado aos princípios de um Estado Democrático de Direito.

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Execução por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. Legalidade afirmada. Jurisprudência consolidada. Repercussão geral assegurada. Recurso extraordinário acolhido. Fundamentação no art. 543-B, § 3º, do CPC. Confirma-se a licitude da prova constituída por gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, conforme decidido pelo STF no RE nº 583.937-QO-RG/RJ, Relator Min. Cezar Peluso, Plenário, julgado em 19/11/2009, publicado no DJe em 18/12/2009.

Posteriormente, a plenitude do STF reiterou que "é válida a prova obtida por meio de gravação ambiental efetuada por um dos participantes da conversa, quando esta não está sob proteção de sigilo legal. Tal situação não está abrangida pela garantia de sigilo das comunicações telefônicas (inciso XII do art. 5º da Constituição Federal)", conforme registrado no INQ nº 2.116-QO/RR, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Ayres Britto, Plenário, julgamento em 15/09/2011, publicação no DJe em 29/02/2012.

Esses precedentes judiciais reafirmam a posição do Supremo Tribunal Federal sobre a admissibilidade das gravações ambientais como meio de prova no direito penal brasileiro, fortalecendo a aplicação justa e eficaz da lei em prol da verdade e da justiça.

Entretanto, importantes alterações legais foram realizadas com as atualizações trazidas pela Lei nº 13.964/19 não somente refinam a legislação existente, mas também alinham os processos judiciais com as exigências contemporâneas de um sistema penal que se quer mais ágil e transparente. Ao permitir a utilização da gravação ambiental clandestina sob critérios rigorosos e bem definidos, a lei confere aos defensores ferramentas legais para garantir a defesa de seus representados de forma mais efetiva.

Com isso, resta esclarecer que com o advento da nova legislação passou a não mais se admitir tais gravações com intuito de acusação e tão somente permitidos para defesa, quando se tem como único instrumento para se demonstrar a inocência.

A integridade da gravação como requisito para sua admissibilidade em defesa é um critério fundamental que assegura que as evidências apresentadas sejam confiáveis e livres de manipulações, contribuindo para um julgamento justo e fundamentado em provas sólidas. Isso reafirma o compromisso com a verdade processual e com o devido processo legal, pilares essenciais de nossa democracia.

Além disso, a aplicação subsidiária das regras de interceptação telefônica e telemática às gravações ambientais estabelece um padrão de procedimento que contribui para a uniformidade e a previsibilidade das práticas judiciais. Esse paralelismo entre as diferentes formas de captação de comunicação evidencia uma busca por equilíbrio entre a eficácia da investigação criminal e a salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos.

A compreensão completa desses dispositivos legais e sua correta aplicação são essenciais para que o direito de defesa seja exercido de maneira robusta e para que o sistema de justiça possa operar de maneira eficiente e justa.

Neste contexto, Gustavo Henrique Badaró esclarece de maneira perspicaz que tanto a interceptação ambiental, mencionada no artigo 8º-A, caput, da Lei nº 9.296/96, quanto a gravação ambiental clandestina, prevista no § 4º do mesmo artigo, são categorizadas pela legislação processual penal como "captação ambiental". Para eliminar qualquer ambiguidade, o Veto nº 56/2019 faz uma referência clara ao INQ nº 2.116-QO/RR, enfatizando que o tema em questão diz respeito efetivamente à gravação ambiental.

Portanto, está demonstrado que o artigo 8º-A, § 4º, da Lei nº 9.296/96 rege especificamente a gravação ambiental. Essa gravação, quando obtida de forma clandestina, pode ser utilizada exclusivamente para fins defensivos e somente quando comprovada a integridade do diálogo.

Esse ponto ressalta o entendimento jurídico de que as provas ilícitas são admissíveis apenas em benefício do réu.

Ademais, embora o artigo 10-A, § 1º, da mesma lei considere atípica a conduta do interlocutor que realiza a gravação ambiental clandestina, este dispositivo não entra em conflito com o artigo 8º-A, § 4º. O primeiro não criminaliza a obtenção ilícita de prova por um dos interlocutores, enquanto o segundo estipula que tal prova deve passar por análise judicial para ser utilizada.

Este arranjo legislativo, provavelmente intencionado pelo legislador, visa um objetivo nobre: mesmo que a prova seja tecnicamente ilícita, evita-se criminalizar a vítima que, ao gravar clandestinamente um possível criminoso, busca proteger seus direitos ou procurar justiça.

Apesar da vigência do Tema nº 237 de Repercussão Geral (RE nº 583.937/RJ), que segue relevante, as alterações legislativas introduzidas pela Lei nº 13.964/19 trouxeram novos elementos ao debate sobre a legalidade da gravação ambiental clandestina.

A 6ª Turma do STJ, recentemente, considerou ilícita uma gravação ambiental clandestina auxiliada pelos órgãos de persecução penal. Neste contexto, o ministro Sebastião Reis Jr., em voto divergente, chamou atenção para o artigo 8º-A, § 4º, da Lei nº 9.296/96, inserido pela referida lei, sinalizando que a matéria ainda requer análise detalhada:

"Esse reposicionamento que proponho ainda antevê debate sobre o teor do § 4º do art. 8º-A da Lei n. 9.296/1996, inserido pela Lei n. 13.964/2019, que reabre discussão sobre a amplitude da validade da captação ambiental feita por um dos interlocutores"

(STJ, AgRg no RHC nº 150.343/GO, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Red. Min. Sebastião Reis Jr., Sexta Turma, j. 15/08/2023, DJe 30/08/2023).

Em linha similar, o ministro Alexandre de Moraes, ao discutir a ilicitude da gravação ambiental clandestina no contexto eleitoral no Tema nº 979 de Repercussão Geral, sinalizou uma possível interpretação sobre a questão no âmbito do processo penal, à luz das mesmas alterações legislativas:

"Como procurei demonstrar, se mesmo a Lei 13.964/2019, 'pacote anticrime', que alterou o procedimento para interceptação de comunicações (art. 8-A da Lei 9.296/1996), estabelecendo que a captação ambiental deve ser feita mediante autorização judicial, e somente pode ser usada em matéria de defesa no âmbito do processo criminal (§ 4º do referido art. 8º-A), com mais forte razão a gravação ambiental realizada em ambiente privado na seara eleitoral deve ser tida por ilícita se feita por um dos participantes, sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais interlocutores, ou sem a permissão judicial"

(STF, RE nº 1.040.515, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 03/11/2023).

Essas observações apontam para uma necessidade de revisitar e talvez redefinir as normativas sobre gravações ambientais clandestinas, especialmente considerando o novo enquadramento legal e os desdobramentos judiciais recentes que podem influenciar futuras decisões em casos semelhantes.

O § 4º do artigo 8º-A da Lei nº 9.296, datada de 24 de julho de 1996, modificado pelo artigo 7º do projeto de lei, estipula:

"§ 4º A captação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento prévio da autoridade policial ou do Ministério Público, pode ser utilizada para fins de defesa, desde que seja comprovada a integridade da gravação."

De todo o exposto, é sobremaneira dificultoso conceber todos esses acontecimentos sem citar o que pode ser observado o que ocorreu antes e depois do advento da nova legislação, vejamos, então antes do advento da Lei 13.964/2019 que modificou o conteúdo da Lei nº 9.296, datada de 24 de julho de 1996, era permitido a gravação de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro tanto para defesa quanto acusação.

Ocorre, porém, que, esta Assessoria jurídica sinaliza a modificação de entendimento quanto a esta situação e é exatamente o que ocorre nestes autos, senão vejamos.

Com o advento da Lei 13.964/2019 que modificou o conteúdo da Lei nº 9.296, datada de 24 de julho de 1996, não mais se permite a utilização de gravação ambiental por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais, passando a ser considerada como gravação clandestina, a desaguar em prova ilícita no sentido de condenação, com base no § 4º do artigo 8º-A da Lei nº 9.296.

Assim temos que a excepcionalidade da regra geral nos dá conta de que somente é possível para utilização para fins de defesa, pois rege a matéria que “A captação ambiental realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento prévio da autoridade policial ou do Ministério Público, pode ser utilizada para fins de defesa, desde que seja comprovada a integridade da gravação."

Já as provas produzidas com afronta a alguma norma de direito material terão o ingresso no processo comprometido desde o momento de sua admissão, uma vez que serão ilícitas.

Neste contexto, quando o art. 5º, LVI, CF, estabelece que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos, está inviabilizando a prova no segundo momento de sua produção, uma vez que veda a prova ilícita no momento do juízo de sua admissibilidade pela autoridade administrativa ou judicial.


CONCLUSÃO

É imprescindível destacar a interseção entre o direito administrativo disciplinar e o direito penal, visto que ambos compartilham semelhanças significativas. Nesse sentido, o avanço do sistema judiciário em incorporar tecnologias contemporâneas, como a aceitação de prints de conversas do WhatsApp como meio de prova pelo Superior Tribunal de Justiça, é um reflexo positivo dessa adaptação.

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No entanto, é fundamental reconhecer as limitações inerentes a essas evidências digitais e adotar as devidas precauções para garantir sua autenticidade e integridade. O Código de Processo Civil oferece às partes a liberdade de utilizar uma variedade de meios para comprovar a veracidade dos fatos, incluindo aplicativos de mensagens e redes sociais.

Embora os prints de conversas do WhatsApp sejam reconhecidos como meios de prova válidos, é crucial complementá-los com outras evidências para fortalecer sua robustez. A jurisprudência brasileira tem demonstrado uma tendência crescente em aceitar esses prints, desde que apresentados de forma íntegra e acompanhados de elementos que corroboram sua veracidade.

Assim, para conferir valor probatório aos prints de conversas do WhatsApp, é fundamental contextualizá-los adequadamente no processo e garantir sua autenticidade ao longo do tempo, seja por meio da transcrição em ata notarial ou pela apresentação de outros elementos probatórios. Essas medidas contribuem não apenas para a efetividade do processo administrativo, mas também para a garantia do devido processo legal e do direito das partes à ampla defesa.

Portanto, ao adotar uma abordagem cuidadosa e criteriosa no uso de prints de conversas do WhatsApp como meio de prova, fortalecemos a justiça e a confiabilidade do sistema jurídico, assegurando que todos os envolvidos sejam tratados de forma justa e equitativa.

Na esfera jurídica, a utilização do WhatsApp como meio de prova pode ser uma questão delicada, sujeita a regras específicas e exceções. Uma hipótese em que o uso do WhatsApp não configura uma prova ilícita, é quando se trata de uma captação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento prévio da autoridade policial ou do Ministério Público, mas que é utilizada para fins de defesa.

Essa exceção à regra geral ressalta que a gravação pode ser admitida como prova desde que sua integridade seja comprovada. Ou seja, se um dos interlocutores registrar uma conversa no WhatsApp sem o consentimento das autoridades competentes, porém essa gravação for utilizada em seu benefício para se defender de acusações, ela poderá ser aceita como prova válida, desde que sua autenticidade e integridade sejam demonstradas.

É importante destacar que a ampla defesa e o contraditório são direitos fundamentais que devem ser respeitados em qualquer processo administrativo.


BIBLIOGRAFIA

Código de Processo Civil Brasileiro.

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal relacionada à admissibilidade de provas digitais, como prints de conversas do WhatsApp.


Abstract: In the administrative context, it is crucial to debate the appropriate solution regarding a specific situation to be faced by the Public Administration. Careful analysis of the circumstances surrounding the accused's conduct is fundamental before determining which legal hypothesis they fit into. In this sense, it is imperative to consider whether this conduct effectively constitutes a disciplinary infraction. Disciplinary administrative law, when examining the elements of the infraction, often seeks references in criminal law, given their similarity. The judiciary's advancement in adapting to new technologies is notable, as evidenced by the acceptance of WhatsApp conversation prints as evidence by the Superior Court of Justice. However, it is crucial to understand the limitations of this evidence and take proper precautions to ensure its integrity. The Civil Procedure Code grants parties the right to use various means to prove the veracity of facts, including applications such as WhatsApp, Facebook, email, among others. Although there are no specific restrictions on the use of prints as evidence, precautions must be taken to preserve their authenticity and reliability. It is essential to recognize that any means of evidence can be used to support the parties' allegations, provided that the principles of contradiction, full defense, and control of evidence validity are observed. To confer probative value to prints, it is essential to place them within the context of the process or transcribe them in a notarial record, ensuring their integrity over time. Despite their usefulness, screen prints must be complemented by other evidence to ensure their robustness, taking into account the possibility of manipulation and alteration of messages. Brazilian case law has increasingly recognized the admissibility of these prints as evidence, provided they are presented credibly and accompanied by other elements that corroborate their veracity. Therefore, it is essential to adopt a cautious approach when using WhatsApp conversation prints as evidence, ensuring their authenticity and integrity, and contextualizing them properly in the process. These measures contribute to a more solid and reliable justice system, ensuring due process and the parties' right to full defense.

Key words: Analysis of circumstances, similarities between disciplinary administrative and criminal law, adaptation to new technologies, precautions in the use of prints as evidence, guarantee of due process and full defense.

Sobre o autor
Luiz Carlos da Cruz Iorio

Advogado-OAB/RJ nº 79.622. Consultor Jurídico. Especialista em Direito Administrativo/Direito Público. Ex-titular do escritório jurídico C. Martins & Advogados Associados no Rio de Janeiro, ex- Assessor Jurídico da Prefeitura Municipal de Conceição de Macabu, Pós Graduando em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense, Pós Graduado em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal Fluminense no RJ, especialista em Segurança Pública pelo SENASP Brasília, Pós Graduando em Políticas e Gestão em Segurança Pública pela Universidade Estácio de Sá no RJ, Graduado em Administração de Empresa pela faculdade Cenecista em Rio das Ostras, Graduado em Direito pela faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas no RJ, Consultor Jurídico, especialista em Direito Civil pela Universidade Cândido Mendes/RJ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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