Entender a responsabilidade civil ambiental é importante para todos, pois ela pode ter impactos diretos no patrimônio até mesmo de quem nunca praticou um ato direto de degradação ambiental. Você sabia que ao comprar um imóvel com danos ambientais causados por algum dos proprietários anteriores, o dever de reparar integralmente esses danos é seu? Isso se aplica mesmo que você não soubesse que existiam danos ambientais ali.
Recentemente, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema Repetitivo 12041 esclareceu e deixou ainda mais em evidência as peculiaridades do regime jurídico da reparação dos danos ambientais.
Esse artigo vai explicar, de maneira simples e didática, as características da responsabilidade civil ambiental no Brasil, para que você não seja pego de surpresa e responsabilizado pela irresponsabilidade ambiental de outras pessoas.
Responsabilidade Civil Ambiental
A responsabilidade civil é o instituto jurídico que traz a obrigação de o causador de um dano indenizar aquele que sofreu esse dano2. A responsabilidade civil ambiental, dessa forma, determina que qualquer pessoa (física ou jurídica) que cause danos ao meio ambiente tem a obrigação de repará-los. Este conceito é fundamental para assegurar que nossos recursos naturais – como florestas, rios, e o ar que respiramos – sejam preservados e mantidos em condições saudáveis para nós e para as futuras gerações.
Em termos práticos, a responsabilidade civil ambiental funciona como um mecanismo de reparação. Quando alguém causa poluição ou degradação ambiental, não basta apenas cessar a atividade danosa; é necessário também restaurar o meio ambiente ao estado anterior, ou, quando isso não for possível, compensar os danos de outra maneira. Isso pode incluir a limpeza de um rio poluído, o replantio de árvores em uma área desmatada ou a adoção de medidas para mitigar o impacto ambiental de uma atividade industrial.
Características da Responsabilidade Civil Ambiental
A responsabilidade civil ambiental possui quatro características fundamentais: a responsabilidade é objetiva, integral, solidária e propter rem. Vamos entender melhor cada uma delas.
Responsabilidade Objetiva e Integral
A responsabilidade objetiva no âmbito ambiental significa que não é necessário provar a culpa ou dolo do causador do dano para que ele seja obrigado a repará-lo. Basta a comprovação de que existe um dano ambiental e que determinada atividade foi a causadora desse dano (nexo causal). Saber se o dano foi intencional é algo que não interessa aqui. Se um dano foi causado, ele deve ser reparado. Este regime é adotado devido à importância do meio ambiente, que deve ter máxima proteção.
A responsabilidade integral, também conhecida como teoria do risco integral, se une à responsabilidade objetiva e confere ainda mais proteção ao meio ambiente. Seu ponto principal é a impossibilidade de o causador do dano invocar excludentes de responsabilidade civil, como caso fortuito, força maior, fato de terceiro ou culpa exclusiva da vítima, para se eximir da obrigação de reparar o dano. O STJ pacificou a aplicação dessa teoria no direito ambiental ao decidir o Tema Repetitivo 6813.
Por exemplo, se um terremoto (caso fortuito) destruir o oleoduto de uma refinaria e causar poluição ambiental, ela ainda será responsável pela reparação dos danos causados, pois a teoria do risco integral não permite a exclusão de responsabilidade com base em tais argumentos.
A empresa deve arcar com os custos de limpeza, restauração dos ecossistemas afetados e compensação das comunidades impactadas, independentemente das circunstâncias que causaram o dano. Deve apenas ser provada a ligação entre a atividade da refinaria (ela era a dona do oleoduto) e o dano ambiental (o óleo que vazou matou animais e plantas).
Em resumo, a responsabilidade objetiva e integral4 assegura a máxima proteção ambiental, eliminando a possibilidade de se analisar culpa ou invocar excludentes de responsabilidade e garantindo que os danos sejam reparados de forma completa e abrangente.
Responsabilidade Solidária
A responsabilidade solidária no Direito Ambiental significa que todos os responsáveis por um dano ambiental – sejam eles diretos ou indiretos – podem ser chamados a responder integralmente pela reparação do dano. Isso implica que qualquer um dos causadores do dano (ou todos eles) pode ser obrigado a arcar com a totalidade das obrigações de reparação, independentemente de sua participação específica no dano5.
Esse regime assegura que a vítima do dano ambiental (incluindo o próprio meio ambiente) tenha uma garantia de reparação, podendo acionar qualquer um dos responsáveis para obter a reparação integral. Posteriormente, o responsável que arcou com a reparação pode buscar o ressarcimento dos demais co-responsáveis (direito de regresso).
Responsabilidade Propter Rem
Se diz propter rem um tipo de obrigação que está diretamente vinculada a um bem específico, geralmente um imóvel, e não à pessoa que possui ou detém esse bem. Essa característica faz com que a obrigação acompanhe o bem em qualquer transferência de propriedade ou posse. Ou seja, a obrigação é transferida automaticamente para o novo proprietário ou possuidor, independentemente de qualquer acordo específico entre as partes.
Dizer que a responsabilidade ambiental é propter rem significa que ela acompanha o bem imóvel ao qual está vinculada. Em outras palavras, a responsabilidade pela reparação de danos ambientais não é apenas do causador direto do dano, mas de todos aqueles que tenham tido a posse ou propriedade do imóvel degradado. Ou seja, quem compra um imóvel com dano ambiental pré-existente passa a ter a obrigação de reparar esse dano, mesmo não tendo sido o seu causador6.
A obrigação propter rem ambiental, contudo, permanece com todos aqueles que foram possuidores ou proprietários do bem, ligando-se permanentemente a toda a cadeia de transmissão. Dessa forma, a venda do imóvel não isenta o antigo proprietário da responsabilidade existente até o momento da venda.
Como já afirmou o STJ7: “Reputar como propter rem a obrigação ambiental visa precisamente fortalecer a efetividade da proteção jurídica do meio ambiente, nunca a enfraquecer, embaraçar ou retardar.”
A aplicação da responsabilidade propter rem em matéria ambiental garante a continuidade da proteção, pois evita que proprietários transfiram seus bens para escapar de suas obrigações de reparação. Isso assegura que o meio ambiente será protegido, independentemente das mudanças na titularidade dos imóveis, e que os novos proprietários estarão cientes e serão responsáveis pela manutenção e recuperação das condições ambientais.
Você pode imaginar que é injusto ter que reparar uma área que foi degradada por outra pessoa, mas a lógica aqui é a máxima proteção do meio ambiente. Portanto, a realização de uma análise ambiental adequada antes da aquisição é uma prática essencial para evitar futuras complicações legais e financeiras, além de contribuir para a proteção e preservação do meio ambiente.
Por fim, aquele que foi obrigado a indenizar um dano causado por terceiros pode se valer da ação de regresso para que o efetivo causador do dano seja responsabilizado.
Exemplo Prático: Imagine que uma pessoa compra uma casa pronta construída às margens de um rio. O antigo proprietário desmatou ilegalmente a área para a construção da casa. Mesmo já tendo adquirido o imóvel com a vegetação desmatada, o atual proprietário tem a responsabilidade de reparar o dano ambiental. Isso significa que ele pode ser obrigado a recompor a vegetação nativa, independentemente de não ter sido o responsável pelo desmatamento original.
A responsabilidade de recuperação ambiental acompanha o imóvel e é transmitida automaticamente ao novo titular, mesmo em caso de uma nova venda da casa. Ou seja, qualquer futuro proprietário também assumirá essa responsabilidade.
O dano ambiental pode ser cobrado de todos aqueles que já foram proprietários ou possuidores do imóvel, exceto das pessoas que tiveram a propriedade ou posse do imóvel antes da degradação ambiental ocorrer. No entanto, aquele que efetivamente pagar pela reparação do dano pode, através de uma ação de regresso, cobrar o primeiro proprietário que causou a poluição desmatando a área8.
Esse exemplo ressalta a importância de fazer uma análise ambiental adequada de um imóvel antes de sua aquisição, para evitar surpresas com responsabilidades ambientais preexistentes.
Conclusão
As características da responsabilidade civil ambiental – objetiva, integral, solidária e propter rem – formam um sistema robusto e eficaz de proteção do meio ambiente.
A responsabilidade objetiva elimina a necessidade de comprovar culpa, permitindo uma resposta rápida aos danos. A responsabilidade integral garante que nada afastará a responsabilidade e o dever de reparação completa e abrangente. A responsabilidade solidária assegura que todos os envolvidos na degradação ambiental sejam responsabilizados, podendo a indenização ser cobrada de qualquer um deles ou de todos. Por fim, a responsabilidade propter rem assegura que as obrigações ambientais acompanhem o bem imóvel, garantindo a continuidade da proteção ambiental, independentemente de mudanças na titularidade dele.
Essas características, combinadas, ajudam a promover a sustentabilidade e a preservação dos recursos naturais, essenciais para a qualidade de vida das gerações presentes e futuras.
Bibliografia
BELTRÃO, Antonio F. G. Curso de direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.
CASTRO, Guilherme Couto de. Direito civil: lições. 5. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Súmulas do STF e do STJ anotadas e organizadas por assuntos. 11. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 16. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2024.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume II: teoria geral das obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito civil sistematizado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
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Tese firmada: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente.”︎
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Código Civil: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.︎
Tese firmada: “A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar a sua obrigação de indenizar.”︎
O fundamento invocado para a aplicação desse regime está no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981 e no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, que determinam que o poluidor deve indenizar e reparar os danos causados ao meio ambiente, independentemente de culpa. Isso significa que, uma vez comprovado o nexo de causalidade entre a atividade e o dano ambiental, o responsável não pode se esquivar de suas obrigações de reparação.︎
A responsabilidade solidária está fundamentada no artigo 3º, IV, da Lei 6.938/81, que define poluidor como qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividades causadoras de degradação ambiental.︎
Essa responsabilidade está fundamentada no artigo 2º, § 2º, da Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal), que estabelece que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural".︎
STJ, AgInt no AREsp 1.995.069/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/09/2022.︎
Quando um novo proprietário ou possuidor é obrigado a reparar um dano ambiental que não causou, ele pode buscar ressarcimento do causador original do dano através de uma ação de regresso. Esta ação permite que o novo proprietário, após cumprir as obrigações de reparação ambiental, processe o antigo proprietário ou qualquer outro responsável pelo dano original para recuperar os custos incorridos na reparação. Assim, a ação de regresso assegura que o verdadeiro poluidor seja responsabilizado financeiramente pelos danos causados, promovendo justiça entre os proprietários sucessivos de um imóvel.︎