Partilha em vida: solução para distribuir ainda em vida o patrimônio entre os herdeiros e evitar brigas no futuro?

06/06/2024 às 16:35
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EM SE TRATANDO de planejamento sucessório a tônica que move a intenção de quem planeja quase sempre será evitar o conflito, o litígio, as disputas entre os destinatários/herdeiros quanto ao patrimônio construído que precisa ser distribuído, afinal de contas, a morte é certa para todos: se trata de fato da natureza, da vida. A transmissão vai ocorrer e, se nada for feito, vai seguir o que a lei determina, que inclusive pode não ser a melhor das soluções já que cada família tem suas peculiaridades... nem sempre a distribuição prevista em Lei, "padronizada" e "genérica" será a mais justa para todos os casos mas terá que ser aplicada SALVO SE O INTERESSADO, a tempo, planeje a transmissão/distribuição dos bens.

Para planejar a distribuição do patrimônio diversas ferramentas estão disponíveis conforme a legislação autoriza e tão importante quanto conhecer cada uma delas é saber que a COMBINAÇÃO de várias delas pode ser um caminho mais inteligente na medida em que cada uma delas têm pontos forte e pontos fracos, vantagens e desvantagens; saber moldar esse "COMBO" para cada tipo de situação familiar é o verdadeiro desafio. Somamos a tudo isso as vantagens de subtrair custos evitáveis e tentar evitar (mas nunca garantir!) conflitos entre os herdeiros e inclusive um inventário e suas despesas.

A chamada "partilha em vida" hoje tem base legal no artigo 2.018 do Código Reale (2002), outrora tendo lugar no artigo 1.776 do revogado Código de Beviláqua (1916). A redação atual assim reza:

"Art. 2.018. É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários".

O dispositivo é claro ao apontar a DOAÇÃO e o TESTAMENTO como instrumentos dessa forma de partilhar bens que cabe ao ASCENDENTE titular dos bens e também ressalva que não pode haver prejuízo à legítima que pertence aos necessários. Como sabemos a legítima equivale a 50% da HERANÇA deixada pelo titular (art. 1.846 do CC) e herdeiros necessários são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge/companheiro (art. 1.845). A respeito desse peculiar instituto já discorria em 1994 o ilustre jurista ARNALDO MARMITT (Doação. 1994) asseverando sob a égide do CC/1916 o seguinte:

"Não se identifica 'in totum' este negócio nem com a DOAÇÃO, nem com a PARTILHA, inobstante ter elementos de ambos os institutos. É ato 'sui generis' que, como DOAÇÃO, realiza-se 'inter vivos', e como PARTILHA segue as normas técnicas desta". (...) A partilha em vida abrange TODOS OS HERDEIROS NECESSÁRIOS e pode alcançar também a COTA DISPONÍVEL. É partilha definitiva. Não é adiantamento de legítima, por atingir TODOS OS BENS a partilhar. Por ser exaustiva, não haverá espaço para INVENTÁRIO ou outro tipo de distribuição. Qualquer indagação sobre lesão a direitos ou preterição, em ação própria deve ser discutida, como a de anulação, nulidade, ou outras".

Estamos com aqueles que interpretam o dispositivo destacando que em sede de PARTILHA EM VIDA todo o patrimônio deve ser tratado e distribuído, não havendo se falar em resolver apenas o que for da cota disponível, relegando a legítima. Avançando nessa linha, se mostra óbvio que todos os" sucessíveis "imediatos devem participar da distribuição (principalmente os herdeiros necessários) o que torna imprescindível, por óbvio, a concordância na distribuição, já que a ideia - repita-se - é evitar conflitos, gastos com inventário e ter maior controle sobre a distribuição dos bens que compõe o acervo, antecipando a distribuição. Mesmo havendo distribuição de todo o acervo entre os herdeiros não se pode deixar de recordar, como aponta com muita acuidade o ilustre professor CONRADO PAULINO DA ROSA (Planejamento Sucessório. 2022) a necessidade da reserva de recursos suficientes para sobrevivência do doador:

"Considerada por muitos como uma exceção aos pactos sucessórios, a PARTILHA EM VIDA pressupõe a doação de todo o patrimônio pelo disponente, devendo, no entanto, reservar recursos suficientes para sua subsistência, o que pode ser realizado por meio de RESERVA DE USUFRUTO, por exemplo. Isso porque, se assim não fosse, ficaria caracterizada a doação universal, o que é prática vedada pelo nosso ordenamento jurídico (art. 548, CC)".

POR FIM, resta apontar que como ocorre na maioria das vezes, por envolver imóveis a PARTILHA EM VIDA deve ser feita por ESCRITURA PÚBLICA seguindo o devido REGISTRO em prestígio ao art. 1.245 do CC, sendo certo que embora a assistência de ADVOGADO não seja obrigatória para esse tipo de ato especificamente, se mostra altamente recomendada já que como se percebe, se trata de PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO onde é nítida a intenção preventiva de se evitar futuros litígios, anulações etc - o que sem sombra de dúvida exige a assistência de um Advogado Especialista, atento às peculiaridades de caso concreto:

"TJMG. 10024141029041001. J. em: 30/05/2017. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OPOSIÇÃO À AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA. DOAÇÃO DE ÚNICO IMÓVEL PARA UM DOS QUATRO FILHOS DO CASAL, COM EXPRESSA ANUÊNCIA DOS DEMAIS E RESERVA DE USUFRUTO E SEM CLÁUSULA DE REVERSÃO. Negócio Jurídico válido como PARTILHA EM VIDA, inclusive tendo sido formalmente dispensada a colação. VIOLAÇÃO AO ART. 549 DO CCB, POR AUSÊNCIA DE PROTEÇÃO À LEGÍTIMA. Inocorrência. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. Boa-fé objetiva. VALIDADE DO ATO. Anulação. IMPOSSIBILIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. I- Embora, em regra, seja nula a doação de imóvel de ascendente para descendente, sem proteção da legítima dos demais futuros herdeiros do doador, a teor do art. 549 do CCB, é válido o NEGÓCIO JURÍDICO SUI GENERIS objeto da lide, consubstanciado em real partilha em vida do único bem, com anuência de todos os interessados, reserva de usufruto e dispensa expressa de colação, devendo ser entendido como válido, ainda mais se não provado vício de vontade, sob pena de violação ao princípio da boa-fé objetiva, previsto no art. 113 do CCB. II- Recurso conhecido e provido".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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