O Mito do Empreendedorismo e a Sociedade de Baixa Proteção Social

06/06/2024 às 17:22
Leia nesta página:

Introdução

Nos últimos anos, o empreendedorismo tem sido exaltado como uma solução mágica para diversos problemas econômicos e sociais. Políticos, economistas e mídias de todas as espécies, destacam histórias de sucesso de empreendedores que construíram impérios do nada, promovendo a ideia de que qualquer pessoa, com suficiente determinação e criatividade, pode alcançar a prosperidade. Contudo, essa narrativa ignora uma realidade crítica: a sociedade de baixa proteção social na qual muitos desses empreendedores estão inseridos. Este ensaio busca analisar o mito do empreendedorismo à luz das condições socioeconômicas que limitam suas possibilidades reais de sucesso.

A Ascensão do Mito do Empreendedorismo

O empreendedorismo é frequentemente promovido como um caminho para a independência financeira e a realização pessoal. Histórias de figuras como Steve Jobs e Elon Musk são usadas para ilustrar que qualquer indivíduo pode alcançar o sucesso com inovação e trabalho duro. Programas de incentivo ao empreendedorismo, competições de startups e um crescente número de livros e seminários sobre o tema reforçam essa narrativa.

Essa visão, no entanto, tende a simplificar e romantizar o ato de empreender, desconsiderando as complexas condições econômicas, políticas e sociais que influenciam o sucesso de um negócio. Empreender é frequentemente retratado como um ato individual e heroico, desvinculado das estruturas de poder e dos contextos socioeconômicos mais amplos.

A Realidade da Sociedade de Baixa Proteção Social

Enquanto o empreendedorismo é glorificado, muitos países apresentam sistemas de proteção social fracos. Em sociedades de baixa proteção social, a segurança econômica dos indivíduos é mínima, com poucas redes de apoio em caso de fracasso. Isso inclui acesso limitado a cuidados de saúde, desemprego elevado, falta de seguro-desemprego, e ausência de programas de renda mínima.

Nessas condições, muitas pessoas se veem forçadas a empreender não por escolha, mas por necessidade. O empreendedorismo, neste contexto, não é uma oportunidade de crescimento e inovação, mas uma estratégia de sobrevivência. Sem um sistema de suporte robusto, o risco de falência pessoal e financeira é significativamente maior, e o espaço para erro é praticamente inexistente.

O Empreendedorismo como Sinal de Desemprego Subnotificado

Em muitos casos, o aumento do número de empreendedores é, na verdade, um indicativo de desemprego subnotificado. Quando o mercado formal de trabalho não oferece vagas suficientes, muitas pessoas recorrem ao empreendedorismo por falta de alternativas, mascarando os verdadeiros índices de desemprego. Esse fenômeno oculta a precariedade do mercado de trabalho e cria uma falsa impressão de dinamismo econômico.

As Consequências de Estar Fora do Regime Celetista

Estar fora do regime celetista (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT) traz consequências deletérias para o indivíduo. Sem os benefícios garantidos pela CLT, como férias remuneradas, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego e licença maternidade, o trabalhador se encontra em uma posição de maior vulnerabilidade. Além disso, a informalidade impede o acesso a direitos previdenciários, comprometendo a segurança financeira a longo prazo e a qualidade de vida na aposentadoria.

Sugestões de Políticas Públicas para Garantia Mínima de Proteção Social

Para mitigar os impactos negativos da falta de proteção social aos empreendedores, é essencial a implementação de políticas públicas que ofereçam uma rede mínima de segurança. Uma sugestão é a criação de um Fundo de Proteção ao Empreendedor (FPE). Esse fundo poderia ser financiado por contribuições mensais dos próprios empreendedores, com valores proporcionais ao faturamento, e complementado por recursos governamentais.

Esse fundo poderia cobrir:

1) Férias Remuneradas: Um subsídio anual que permita ao empreendedor tirar um período de descanso sem comprometer sua subsistência.

2) Aposentadoria: Contribuições para um regime previdenciário específico para empreendedores, garantindo uma renda mínima após atingirem a idade de aposentadoria.

3) Inatividade Involuntária: Um seguro que proporcione assistência financeira temporária em casos de falência ou outras circunstâncias que impeçam a continuidade das atividades empresariais, similar ao seguro-desemprego.

Não são apenas utopias. Em verdade alguns países já implementaram políticas que podem servir como inspiração para o Fundo de Proteção ao Empreendedor:

Na França, o sistema de proteção social para autônomos e pequenos empresários na França inclui o Régime Social des Indépendants (RSI), que oferece cobertura de saúde, aposentadoria e benefícios de maternidade/paternidade. Além disso, a França introduziu o auto-entrepreneur status, que simplifica a tributação e as contribuições sociais para pequenos empreendedores.

O Canadá é outro que possui programas de seguro-emprego (Employment Insurance - EI) que foram estendidos para incluir trabalhadores autônomos. Esses trabalhadores podem optar por pagar contribuições ao EI, garantindo assim benefícios em caso de inatividade involuntária, doença ou necessidade de cuidar de um recém-nascido.

Situação do Brasil. O MEI, suas limitações e possíveis melhorias

No Brasil, o Microempreendedor Individual (MEI) é uma iniciativa que oferece um regime simplificado de tributação e acesso a benefícios previdenciários, como aposentadoria, auxílio-doença e salário-maternidade. O MEI também garante acesso a serviços de saúde e segurança do trabalho. Contudo, o MEI ainda é insuficiente por diversas razões, que são discutidas acadêmica e politicamente.

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Embora o MEI represente um avanço significativo na formalização de pequenos negócios e na ampliação da cobertura previdenciária, ele ainda possui limitações que precisam ser abordadas para garantir uma proteção social mais robusta aos empreendedores:

1. Cobertura Limitada: O MEI cobre apenas uma pequena parcela dos trabalhadores autônomos. Muitos empreendedores ficam de fora por não se enquadrarem nas restrições de faturamento ou por operarem em setores não contemplados pela categoria.

2. Benefícios Insuficientes: Os benefícios oferecidos, como aposentadoria por idade e auxílio-doença, são limitados. Melhorias são necessárias para garantir benefícios mais abrangentes e proporcionais às necessidades dos empreendedores, incluindo um melhor acesso a crédito e subsídios para a qualificação profissional.

3. Informalidade Persistente: Apesar da formalização, muitos empreendedores permanecem em uma situação econômica vulnerável, sem acesso a linhas de crédito adequadas ou suporte técnico para a gestão de seus negócios.

4. Acesso à Educação e Treinamento: Políticas que garantam acesso a programas de educação e treinamento contínuos são essenciais para que os empreendedores possam aprimorar suas habilidades e aumentar suas chances de sucesso.

5. Apoio na Crise: Em situações de crise econômica ou emergências, como pandemias, é crucial que o governo ofereça suporte financeiro direto aos MEIs, semelhante ao que foi visto em programas de auxílio emergencial durante a pandemia de COVID-19, mas de maneira mais estruturada e contínua.

As Barreiras para o Sucesso Empreendedor

Empreender em um ambiente de baixa proteção social apresenta diversas barreiras. Em primeiro lugar, o acesso ao capital é limitado. Bancos e investidores tendem a ser avessos ao risco e exigem garantias que muitos potenciais empreendedores não podem oferecer. Além disso, a educação e a formação necessárias para gerir um negócio de forma eficiente são muitas vezes inacessíveis para grande parte da população.

Outro ponto crítico é a infraestrutura inadequada. Em muitos casos, os serviços básicos, como eletricidade, água potável e internet de qualidade, são precários, dificultando a operação de qualquer negócio. Ademais, a burocracia excessiva e a corrupção podem criar obstáculos adicionais, tornando o ambiente de negócios ainda mais desafiador.

A Desconexão entre Mito e Realidade

A narrativa do empreendedorismo como solução universal ignora essas complexidades e perpetua um mito que pode ser prejudicial. Ao promover a ideia de que todos podem e devem empreender, desconsidera-se a necessidade de políticas públicas que fortaleçam a proteção social e criem condições mais equitativas para o sucesso econômico.

Políticas de proteção social robustas, incluindo acesso universal à saúde, educação de qualidade, e programas de assistência social, são fundamentais para criar um ambiente onde o empreendedorismo possa florescer de maneira sustentável e inclusiva. Apenas em um contexto de segurança econômica é que os indivíduos podem assumir riscos calculados e inovar de maneira efetiva.

Conclusão

O mito do empreendedorismo, quando desconectado das realidades socioeconômicas, pode ser uma narrativa perigosa que desvia a atenção das necessidades de proteção social e igualdade de oportunidades. Empreender deve ser uma escolha baseada em potencial e oportunidade, não uma necessidade imposta por falta de alternativas. Para que o empreendedorismo possa realmente contribuir para o desenvolvimento econômico e social, é essencial que seja promovido dentro de um contexto de proteção social sólida e inclusiva. Políticas como o Fundo de Proteção ao Empreendedor e melhorias no MEI são passos importantes para garantir uma rede de segurança mínima, proporcionando aos empreendedores condições mais justas e sustentáveis para o seu desenvolvimento

 

Para saber mais:

Bibliografia Básica

1. "O Capital no Século XXI" - Thomas Piketty

2. "Pequeno Manual Antirracista" - Djamila Ribeiro

3. "Por que as Nações Fracassam" - Daron Acemoglu e James A. Robinson

4. "Empreendedorismo: Transformando Ideias em Negócios" - José Dornelas

Bibliografia Avançada

1. "Desigualdade Global: Uma Nova Abordagem para a Era da Globalização" - Branko Milanovic

2. "Empreendedorismo no Brasil: A Motivação Empreendedora e o Nascimento de Empresas" - José Carlos Assis Dornelas

3. "Capitalismo e Liberdade" - Milton Friedman

 

Sobre o autor
João Paulo Pedro Alves

OAB-CE 43.629 Possui graduação em Direito pela Faculdade de Fortaleza – Fafor (2019). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do trabalho e Direito Tributário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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