Análise dos artigos 146-A, 148 e 19-A do Código Penal

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INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA

Intimidação sistemática (bullying)

Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:

Pena - multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)

Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:

Pena - reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

De acordo com Poli (2022), o Bullying é composto por agressões intencionais reiteradas - de acordo com o entendimento acadêmico, deve ser composto por mais de três condutas - de forma física ou verbal, podendo ter mais de um agente contra um indivíduo ou um grupo.

Assim, pode incluir diversos tipos de violência: física, social, sexual, moral psicológica, patrimonial etc. É subsidiário de outros crimes referentes às violências praticadas, isto é, pode aparecer junto de outros crimes que foram praticados durante o Bullying: crime de lesão corporal, ameaça, assédio sexual, etc. Também será equiparado a ato infracional quando o agente for menor.

A pena para a intimidação sistemática é a multa, se não houver outro crime mais grave envolvido. Intimidações virtuais também são inclusas e, se a conduta for executada por redes sociais, jogos online ou outros veículos da internet, a pena aumenta para 2 a 4 anos de reclusão e mais multa, se não houver crime mais grave ao mesmo tempo.

Análise dos elementos

Conduta: Intimidação sistemática por meio de violência reiterada.

Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa.

Sujeito passivo: Pode ser qualquer pessoa.

Objeto jurídico: Liberdade individual da pessoa que é intimidada.

Objeto material: O ser humano que sofre com as agressões.

Elemento subjetivo: É necessário haver o dolo, não admitindo forma culposa.

Meios de execução: Atos de intimidação, de humilhação, de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais.

Núcleo do tipo: Verbo intimidar (amedrontar, apavorar, assustar, aterrorizar) de forma sistemática (constante, contínua ou persistente).

Consumação: Ocorre no momento em que a vítima se sente/se acha intimidada sistematicamente.

Tentativa: Admite-se a tentativa.

Tipo de ação penal: Ação Penal Pública Incondicionada.

Classificação

  • Crime comum;

  • Plurissubsistente;

  • De ação livre;

  • Material;

  • Unissubjetivo;

  • Doloso;

  • Instantâneo de efeitos permanentes;

  • Subsidiário.

SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO

Sequestro e cárcere privado

Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:

Pena - reclusão, de um a três anos.

§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;

II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias.

IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;

V – se o crime é praticado com fins libidinosos.

§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

O sequestro e o cárcere privado possuem certas diferenças, contudo, tal distinção entre sequestro e cárcere privado é meramente doutrinário: no sequestro, a vítima possui uma maior liberdade de locomoção (recinto maior); enquanto no cárcere privado, a privação de liberdade seria em um recinto fechado.

Ainda falando sobre o cárcere privado, seria feito de duas formas: por detenção (impedimento ou obstáculo de sair de um determinado lugar ou levar a vítima a um cativeiro); ou por retenção (impedir a vítima de sair de sua residência, por exemplo). Em termos práticos, tal distinção não interfere na tipicidade do delito, podendo influenciar somente na dosimetria da pena. (Circunstâncias judiciais – art. 59 do CP).

Assim, a pena é a reclusão de 1 a 3 anos, mas pode se aumentar para 2 a 5 anos caso a vítima seja ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do autor, ou maior de 60 anos, se a vítima é forçosamente internada em hospital ou casa de saúde, se o encarceramento demora mais de 15 dias, se o crime é praticado contra menor de idade ou com o intuito da prática de abusos sexuais. Caso haja grave sofrimento físico ou moral da vítima, graças ao encarceramento, a pena é elevada para 2 a 8 anos.

Análise dos elementos

Conduta: Privação da liberdade de outrem sequestrando ou submetendo a cárcere privado.

Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa.

Sujeito passivo: Pode ser qualquer pessoa.

  • Torna-se qualificado se a vítima for ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou com mais de 60 anos;

  • Caso a vítima seja Presidente (Da República, do Senado, da Câmara dos Deputados ou do STF) será considerado Crime contra a Segurança Nacional;

  • Se houver consentimento da vítima (não sendo casos “eternos”, exclui-se o crime.

Objeto jurídico: Liberdade individual de locomoção.

Objeto material: Pessoa humana privada de sua liberdade.

Elemento subjetivo: Dolo sem finalidade específica, não admitindo forma culposa, mas se for:

  • Com fins de vantagem econômica, trata-se de extorsão mediante sequestro;

  • Com fins libidinosos, torna-se qualificado;

  • Para impedir que que o paciente saia antes de pagar o respectivo hospital, será considerado exercício arbitrário das próprias razões;

  • Com finalidade corretiva, será considerado o crime de maus tratos;

  • Se a finalidade for a fuga após a retenção de um veículo, por exemplo, e a vítima acabar presa no carro com o agente, ainda assim não seria considerado sequestro, já que foi mero efeito colateral, sem a intenção do encarceramento.

Meios de execução: Por ação ou omissão, desde que presente o dever de agir (Ex.: na hipótese em que o pai nota que o filho de pouca idade está preso em seu quarto e nada faz para libertá-lo, dolosamente).

Núcleo do tipo: Verbo privar, ou seja, tolher, total ou parcialmente, a liberdade de locomoção de alguém.

Consumação: Ocorre no momento em que há a privação da liberdade de locomoção de alguém por tempo juridicamente relevante, analisando no caso concreto.

Tentativa: Admite-se a tentativa.

Tipo de ação penal: Ação Penal Pública Incondicionada.

Classificação

  • Crime comum;

  • De ação livre;

  • Material;

  • Unissubjetivo;

  • Doloso;

  • Comissivo ou omissivo;

  • Permanente;

  • Unissubsistente ou plurissubsistente;

  • Subsidiário.

TRÁFICO DE PESSOAS

Tráfico de Pessoas

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV - adoção ilegal; ou

V - exploração sexual.

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de um terço até a metade se:

I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;

II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;

III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou

IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.

§ 2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.

No artigo 149-A, a conduta tipificada é o ato de comprar, transportar, recrutar, transferir, acolher uma pessoa humana, privando sua liberdade, com os intuitos de submetê-la a trabalhos análogos à escravidão ou qualquer tipo de servidão, adoção ilegal, exploração sexual ou para lhe remover os órgãos, tecidos ou outras partes do corpo, mediante grave ameaça, violência, fraude ou abuso. Ou seja, é o crime de tráfico humano.

A pena para este crime é de reclusão de 4 a 8 anos mais multa, mas pode ser aumentada de um terço até a metade se o crime ocorrer quando o autor é funcionário público em exercício de suas funções, contra menor de idade ou pessoa idosa, se o autor possuir parentesco ou residir no mesmo domicílio, possuir relação de hospitalidade, superioridade hierárquica, autoridade e dependência econômica, ou se a vítima do tráfico for retirada do território nacional. A pena pode ser reduzida de um a dois terços se o autor não fizer parte de uma organização criminosa.

O consentimento da vítima, neste caso, não irá excluir o crime, justamente pela finalidade do tráfico, servindo não apenas à exploração de mão de obra escrava, mas também a redes internacionais de exploração sexual comercial, muitas vezes ligadas a roteiro de turismo sexual e associações criminosas transnacionais especializadas em remoção de órgãos. Pode ser considerado, portanto, como uma das atividades criminosas mais lucrativas do mundo.

Inicialmente, o Código Penal, com o art. 231, contemplava sobre o tráfico de mulheres. A primeira alteração se deu com a lei 11.106/2005, com a substituição do delito pelo tráfico internacional de pessoas (art. 231) e pelo tráfico de pessoas (art. 231-A). Com a lei 12.015/2009, tais delitos deram lugar a duas novas figuras típicas: tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual (art. 231) e tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231-A). Com a criação do art. 149-A, tipificando o tráfico de pessoas, o art. 16 da lei 13.344/2016 revogou expressamente os arts. 231 e 231-A do CP (OBS.: Não houve “abolitio criminis” no tocante ao tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual e tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual, pelo princípio da continuidade normativa).

Análise dos elementos

Conduta: Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher para fins de exploração.

Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa.

Sujeito passivo: Pode ser qualquer pessoa.

Majorantes: Contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; ou alguém tipo de relacionamento, seja de parentesco, afetivo ou hierárquico.

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Objeto jurídico: Liberdade individual da gestão do próprio corpo (inciso I), de locomoção e de trabalho (incisos I e II), ao estado de filiação (inciso IV) e sexual (inciso V).

Objeto material: O ser humano que sofre com as agressões.

Elemento subjetivo: Dolo direto ou eventual, não admitindo forma culposa.

Meios de execução: Grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso.

  • Violência: Emprego de força física contra a vítima, mediante lesão corporal;

  • Grave ameaça: Promessa de mal injusto, grave e passível de realização, dirigida contra a vítima ou então a pessoa a ela ligada por vínculo de parentesco ou afetivo;

  • Coação: Intimidação da vítima;

  • Fraude: Artifício ou ardil destinado a ludibriar a vítima;

  • Abuso: Uso excessivo do poder em relação a uma pessoa.

Núcleo do tipo: Verbos agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar e alojar.

Consumação: O tráfico de pessoas é um crime de consumação antecipada. Sua antecipação não depende do resultado naturalístico, ou seja, não é necessário que a vítima realmente sofra o tráfico humano até o final, mas sim que o autor mostre a intenção de chegar à essa finalidade. A consumação, então, ocorre quando o agente pratica grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso para agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa com o intuito de fazer o que diz no artigo 149-A.

Tentativa: Admite-se a tentativa.

Tipo de ação penal: Ação Penal Pública Incondicionada.

Classificação

  • Crime comum;

  • De ação livre;

  • Formal;

  • Consumação antecipada;

  • Unissubjetivo;

  • Doloso

  • Simples;

  • Comissivo;

  • Instantâneo ou Permanente;

  • Plurissubsistente;

  • Subsidiário.

RERERÊNCIAS

  • BRASIL. Decreto-Lei No 2.848, de 7 De dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Planalto, 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 24 maio 2024.

  • BRASIL ESCOLA. Bullying. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/bullying.htm. Acesso em: 27 mai. 2024.

  • CONJUR. Lei cria medidas para proteção a vítimas de bullying e cyberbullying. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-fev-07/lei-cria-medidas-para-protecao-a-vitimas-de-bullying-e-cyberbullying/. Acesso em: 27 maio 2024.

  • CONJUR. Lei de Tráfico de Pessoas traz avanços e causa perplexidade. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-out-11/academia-policia-lei-trafico-pessoas-traz-avancos-causa-perplexidade/. Acesso em: 30 maio 2024.

  • JOSÉ NABUCO FILHO. Sequestro e Cárcere Privado (Art. 148). Disponível em: https://josenabucofilho.com.br/home/direito-penal/parte-especial/sequestro-e-carcere-privado-art-148/. Acesso em: 30 maio 2024.

  • JUSBRASIL. A criminalização do bullying e cyberbullying - (CP, art. 146-A). Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-criminalizacao-do-bullying-e-cyberbullying-cp-art-146-a/2144498933#:~:text=O%20n%C3%BAcleo%20do%20tipo%20penal,psicol%C3%B3gica%2C%20uma%20ou%20mais%20pessoas%2C. Acesso em: 30 maio 2024.

  • JUSBRASIL. Novo crime de tráfico de pessoas. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/novo-crime-de-trafico-de-pessoas/392610608. Acesso em: 30 maio 2024.

  • JUSBRASIL. O tráfico humano no artigo. 149-A CP. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-trafico-humano-no-artigo-149-a-cp/2168114613. Acesso em: 31 maio 2024.

  • MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Especial (Arts. 121 a 212). 14. ed. Rio de Janeiro: Método, 2021.

  • POLI, Cris. Bullying: como prevenir, combater e tratar. 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2022.

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