RESUMO
Tratar-se-á sobre o contexto do sistema carcerário brasileiro e o consequente impacto em uma das principais funções da pena privativa de liberdade em regime fechado, a ressocialização com a prevenção da reincidência. Segundo o art. 33, caput, do Código Penal Brasileiro, a pena de reclusão é uma das penas privativas de liberdade e, consiste na privação do direito de ir e vir, recolhendo o infrator a um estabelecimento prisional visando ressocilizá-lo e futuramente reinserí-lo em sociedade, além de assim, prevenir nova infração. Porém, o que se observa na prática é que essa finalidade está em colapso, existindo uma série de fatores que comprometem a sua eficácia, ocorrendo assim, um efeito reverso. Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2022 o Brasil possuía uma população carcerária de cerca de 900 mil presos, dos quais 44,5% são presos provisórios à espera de julgamento. Isso demonstra o real motivo da superlotação carcerária nos presídios. Conforme estudo levantado, os presídios no Brasil apresentam uma série de problemas e obstáculos, sendo o principal deles a superlotação. Como consequência, os presos estão saindo da cadeia mais revoltados e passíveis de novas infrações penais. Isso reflete a complexidade do problema, os quais exigem uma abordagem cautelosa e comprometida. O interesse pelo assunto partiu da leitura do livro “Estação Carandiru”, do médico Drauzio Varela, em 1999, onde relata memórias vivenciadas como médico durante 10 anos na maior casa de detenção do país, época do infame massacre do Carandiru que chocou o país em 1992. Desta forma, utilizando-a como inspiração, buscou-se compreender a atual situação carcerária hoje no Brasil, o que mesmo depois de tantos anos, a realidade ainda parece a mesma.
Palavras-Chave: superlotação carcerária, ressocialização, dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT
It will be about the context of the Brazilian prison system and the consequent impact on one of the main functions of the custodial sentence in a closed regime, resocialization with the prevention of recidivism. According to art. 33, caput, of the Brazilian Penal Code, the penalty of imprisonment is one of the deprivation of liberty sentences and consists of the deprivation of the right to come and go, taking the offender to a prison establishment with the aim of re-socializing him and, in the future, reinserting him into society, in addition to preventing new infractions. However, what is observed in practice is that this purpose is collapsing, with a series of factors that compromise its effectiveness, thus causing a reverse effect. According to data from the National Council of Justice (CNJ), in 2022 Brazil had a prison population of around 900,000 prisoners, of which 44.5% are pre-trial detainees awaiting trial. This demonstrates the real reason for prison overcrowding in prisons. According to a study, prisons in Brazil present a series of problems and obstacles, the main one being overcrowding. As a result, prisoners are leaving prison more angry and susceptible to new criminal offenses. This reflects the complexity of the problem, which requires a cautious and committed approach. The interest in the subject came from reading the book “Estação Carandiru”, by the doctor Drauzio Varela, in 1999, where he recounts memories experienced as a doctor during 10 years in the largest detention house in the country, the time of the infamous Carandiru massacre that shocked the country in 1992. In this way, using it as inspiration, we sought to understand the current prison situation in Brazil today, which even after so many years, the reality still seems the same.
Keywords: prison overcrowding, resocialization, human dignity.
1 INTRODUÇÃO
Analisar-se-á o sistema prisional no Brasil, destacando especificadamente, o que deveria ser o processo de ressocialização de detentos, uma das funções da pena privativa de liberdade, que no papel funcionaria como uma forma de reabilitação e reintegração social, objetivando assim, a prevenção da reincidência. Por mais contraditório que possa parecer, o encarceramento no Brasil, conforme a nossa doutrina, visa ressocializar o indivíduo após cumprir sua pena. Ou seja, este deveria sair da prisão restaurado, ser recepcionado de forma pacífica pela sociedade, para poder se socializar.
Nesse contexto, a privação de liberdade, consoante o princípio da ultima ratio do Código Penal, possui caráter ressocializador, porém, o que tem se observado é que o sistema prisional não vem cumprindo essa medida preventiva. Pelo contrário, tem deixado de garantir os direitos básicos e fundamentais do interno, tornando, assim, a pena mais gravosa ainda. Pois, apesar de a legislação garantir, através da Lei de Execução Penal e da própria Constituição Federal, os direitos e garantias individuais do indivíduo não têm sido respeitados. Desse modo, observa-se a real necessidade de implantação de medidas e políticas públicas no intuito de diminuir a superlotação nos presídios e, consequentemente, contribuir para uma reintegração eficaz.
Portanto, partindo dessas premissas, entende-se que a privação do direito de ir e vir através da pena de detenção, objetivando a ressocialização, deve ser a única garantia constitucional retirada do indivíduo. Desse modo geral, buscou-se saber por que o sistema carcerário brasileiro não cumpre com o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade nos casos de detenção e tem ocorrido efeito contrário?
A escolha do tema partiu de estudos durante a disciplina de Direito Penal II do curso de Direito no qual, após a leitura do Livro “Estação Carandiru”, do médico Drauzio Varela, de 1999, surgiu a inquietação de aprofundar-se um pouco mais sobre o contexto do sistema prisional brasileiro na atualidade. No mencionado livro, o autor relata as memórias vivenciadas como médico durante 10 anos na maior casa de detenção do país, localizada em São Paulo, época do célebre massacre do Carandiru em 1992, que chocou o país. Com uma superlotação carcerária de aproximadamente 7.500 detentos, quase o dobro de sua capacidade. Durante uma rebelião interna, ocorreu a invasão de 330 policiais fortemente armados e com cães e cavalos, dentre os quais nenhum policial faleceu e ocasionou a morte de 111 detentos. Hoje em dia, os presídios brasileiros continuam superlotados e com praticamente as mesmas mazelas existentes no Carandiru.
Como veremos, são elencadas no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 diversas garantias não respeitadas no sistema penitenciário no Brasil. E ainda, variadas condições explícitas na Lei de Execução Penal no Brasil, que no papel visa cumprir todo o enunciado proposto. Objetiva-se especificamente, explicar inicialmente o conceito de pena, relacionando a definição de alguns doutrinadores; relatar brevemente a evolução histórica da pena privativa de liberdade, destacando às primeiras formas de punição para infratores; detalhar sobre a realidade do sistema prisional brasileiro; e, destacar o que deveria ser a função da pena privativa de liberdade relacionando com as existentes violações das garantias asseguradas aos detentos nos Direitos Humanos e na doutrina da Lei de Execução Penal.
Percebe-se, portanto, que, somente fazendo cumprir o que determina a lei no papel, respeitando os direitos fundamentais inerentes a todo ser humano, a privação da liberdade poderia cumprir com a sua finalidade, a qual é ressocializar o indivíduo e não o tornar mais corrupto ainda.
2 METODOLOGIA
Após a leitura do Livro “Estação Carandiru” tratou-se preliminarmente, de uma pesquisa exploratória, com levantamento bibliográfico de fontes relevantes de informação em bancos de dados acadêmicos, bibliotecas digitais (Biblioteca Facsur), catálogos online, periódicos científicos, livros, teses e dissertações. Objetivando assim, a familiaridade com o problema, isto é, aprimorar as ideias e a descoberta de intuições, tornando viável a construção de hipóteses relativos ao fato estudado.
Utilizando-se do método qualitativo, fez-se o levantamento das fontes pesquisadas e, com uma leitura cuidadosa dos materiais, fez-se a avaliação da validade e confiabilidade das informações, as quais foram criteriosamente selecionadas, objetivando a garantia das fontes mais pertinentes. Desse modo, o levantamento bibliográfico foi fundamental para a formulação do problema de pesquisa. Entretanto, por si só, tornou-se insuficiente. Exigiu-se a análise crítica dos conteúdos levantados.
Realizou-se pesquisas mediante palavras-chave como superlotação carcerária, ressocialização e dignidade da pessoa humana nos presídios. Foi possível através do critério de eliminação, selecionar os assuntos mais relevantes quanto ao estudo em questão, optando ora ou outra por alguma opinião, ou artigo de lei específica, possibilitando assim, fundamentar o tema discutido (GIL, 2002 e WILL, 2012).
Buscou-se, através do método explicativo, esclarecer os motivos da ausência dos princípios fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana no sistema carcerário brasileiro. Utilizar-se-á breves dados quantitativos quanto às estatísticas de presos provisórios e sentenciados para obter uma visão mais abrangente.
3 O CONCEITO DE PENA E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
É a aplicação punitiva do estado, pelo cometimento de determinada infração considerada criminosa ou ilícita. Apresenta-se em termos gerais como uma forma de mostrar às pessoas que cometer atos ilícitos é passível de sanção penal. Estefam (2023, p. 176) conceitua a pena como “ato punido, por força de prévia definição legal, com pena ou medida de segurança”. No mesmo sentido, Bitencout (2017, p. 44) ensina que o Estado “utiliza a pena para proteger de eventuais lesões determinados bens jurídicos, assim considerados em uma organização socioeconômica específica”. Nesse mesmo entendimento, o também doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2023) sobre o conceito de pena nos ensina que,
É a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes. O caráter preventivo da pena desdobra-se em dois aspectos, geral e especial, que se subdividem em outros dois. Temos quatro enfoques: a) geral negativo, significando o poder intimidativo que ela representa a toda a sociedade, destinatária da norma penal; b) geral positivo, demonstrando e reafirmando a existência e eficiência do Direito Penal; c) especial negativo, significando a intimidação ao autor do delito para que não torne a agir do mesmo modo, recolhendo-o ao cárcere, quando necessário e evitando a prática de outras infrações penais; d) especial positivo, que consiste na proposta de ressocialização do condenado, para que volte ao convívio social, quando finalizada a pena ou quando, por benefícios, a liberdade seja antecipada. (NUCCI, 2023, p. 341).
Conforme os conceitos apontados, os doutrinários definem a pena como a retribuição ao indivíduo de um mal causado, de caráter repressivo e objetivo final preventivo. Porém, é de rigor mencionar que, no passado, a pena de detenção, por exemplo, possuía uma conotação bem diferente da atual, sendo mais desumana e cruel.
De acordo com Bitencourt (2017, p. 12), “a prisão é concebida modernamente como um mal necessário, sem esquecer que guarda em sua essência contradições insolúveis”. Nesse sentido, é importante destacar que nem sempre a humanidade conheceu a privação de liberdade em sua totalidade como única punição necessária.
Em relação à pena privativa de liberdade, Bitencourt (2017, p. 17) destaca que:
Durante todo o período da Idade Média, a ideia de pena privativa de liberdade não aparece. Há, nesse período, um claro predomínio do direito germânico. A privação da liberdade continua a ter uma finalidade custodial, aplicável àqueles que seriam “submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas. A amputação de braços, pernas, olhos, língua, mutilações diversas, queima de carne a fogo, e a morte, em suas mais variadas formas, constituem o espetáculo favorito das multidões desse período histórico”
Nesse mesmo sentido, numa retrospectiva histórica, Estefam (2023) explicita que a aplicação do Direito Penal teve diferentes evoluções:
a da vingança privada (Talião e Código de Hamurabi), a da vingança divina (Código de Manu), a da vingança pública (a pena era entendida como meio de conservação do Estado – Roma Antiga), a fase humanitária (Beccaria) e a fase científica (iniciada com as Escolas Penais). Em cada uma delas, a pena tinha um sentido e uma finalidade distintos. (Estefam 2023, p. 176)
O autor destaca ainda que o lado humanitário iniciou-se com a impactante obra “Dos delitos e das penas” de 1764, de autoria de Cesare Beccaria, onde se revoltou contra os atos abusivos e desproporcionais dos tribunais da época. Pois ocorriam imparcialidades nos julgamentos, obtenção de provas desumanas através da tortura, etc. Por fim, concluiu que atos de julgamentos precisam ser públicos e necessários, as penas proporcionais aos crimes, baseadas em leis e provas concretas e, sempre, a menos rigorosa possível. Aderindo aos seus principais conceitos, veio a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (arts. 7º ao 9º).
3.1 A realidade do sistema carcerário brasileiro quanto a ressocialização
Como já destacado, o sistema carcerário brasileiro objetiva a ressocialização do indivíduo, possibilitando assim a sua reintegração social para diminuir a criminalidade. O Estado, portanto, propõe através da pena privativa de liberdade combater os crimes mais graves, isolando o infrator da sociedade para que este deixe de ser um risco para a sociedade.
Porém, segundo o doutrinador Rogério Greco (2011),
Indivíduos que foram condenados ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade são afetados, diariamente, em sua dignidade, enfrentando problemas como superlotação carcerária, espancamentos, ausência de programas de reabilitação, falta de cuidados médicos. (Greco, 2011, p. 103).
Como bem destaca o autor, é notório nos sistemas penitenciários a ausência de políticas públicas essenciais, a falta de estrutura, superlotação, péssimas condições de higiene e a proliferação de doenças com a falta de serviços médicos. É importante destacar que, principalmente a partir do século XIX, acreditou-se que a pena privativa de liberdade de detenção poderia ser realmente uma forma adequada de reabilitação do delinquente e, durante muito tempo, essa convicção predominou. Porém, segundo Bitencourt (2017), gradualmente esse otimismo foi desaparecendo e, hoje, predominam incertezas quanto aos resultados que as prisões tradicionais possam conseguir. Para o autor,
A crítica tem sido tão persistente que se pode afirmar, sem exagero, que a prisão está em crise. Essa crise abrange também o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das críticas e questionamentos que se faz à prisão refere-se à impossibilidade — absoluta ou relativa — de obter algum efeito positivo sobre o apenado. (Bitencourt, 2017, p. 62).
A situação é tão grave que são vários os obstáculos a serem sanados. Pois, em vez de reabilitar, as prisões tem formado delinquentes. A superlotação carcerária no Brasil tornou-se algo desumano com celas amarrotadas de internos, sem espaço para dormir, sem refrigeração, doenças, cenário de violência e mortes entre presos. Nesse mesmo sentindo quanto a negligência do Estado, Adeildo Nunes (2005) complementa:
O Estado parece que quer se vingar do apenado, “além das funções que, normalmente, são atribuídas às penas, vale dizer, reprovar aquele que praticou o delito, bem como prevenir a prática de futuras infrações penais, o Estado quer vingar-se do infrator, como ocorria em um passado não muito distante, fazendo com que se arrependa amargamente pelo mal que praticou perante a sociedade na qual se encontrava inserido. (2005, p. 445).
Essa negligência por parte das autoridades públicas, contribui para o fracasso do atual sistema prisional do Brasil. Essas situações críticas enfrentadas pelos infratores impedem a ressocialização e, pelo contrário, motivam-nos a reincidir. Conforme os ensinamentos de Michel Foucault (2009),
A prisão não pode deixar de fabricar delinquentes. Fabrica-os pelo tipo de existência que faz os detentos levarem: que fiquem isolados nas selas, ou que lhe seja imposto um trabalho inútil, para o qual não encontrarão utilidade, é de qualquer maneira, não “pensar no homem em sociedade; é criar uma existência conta a natureza inútil e perigosa”; queremos que a prisão eduque os detentos, mas um sistema de educação que se dirige ao homem pode ter razoavelmente como objetivo agir contra o desejo da natureza? A prisão fabrica também delinquentes impondo aos detentos limitações violentas; ela se destina a aplicar as leis e ensinar o respeito por elas; ora, todo seu funcionamento se desenrola no sentido do abuso do poder (FOCAULT, 2009, p. 252).
Desse modo, o sistema prisional no Brasil pode ser descrito como uma instituição falida que não cumpre o seu objetivo principal. Vários fatores, incluindo negligência, falta de investimento e abandono por parte das autoridades públicas, contribuíram para esta situação precária. Consequentemente, as prisões tornaram-se terreno fértil para a atividade criminosa, caracterizada por um ambiente deteriorado e nocivo, atormentado pelos vícios mais corruptos. Como resultado, o processo de reabilitação dos presos e de sua reintegração na sociedade é extremamente desafiador e complexo.
3.1.1 Da superlotação carcerária
Como já destacado acima, a superlotação carcerária no Brasil tornou-se um dos mais graves problemas dos presídios no Brasil, impactando diretamente na recuperação do detento. Consoante o artigo 85 da Lei de Execução Penal n.º 7.210, de 11 de julho de 1984, prevê: “O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade”. A falta de espaço nos presídios impossibilita a separação dos presos por grau de periculosidade e por tipo de prisão temporária ou sentenciado, fazendo assim com que ambos convivam juntos.
Segundo o Jornal O Globo (2017), o Brasil ocupa o terceiro lugar em número de presos no sistema carcerário, estando atrás apenas dos Estados Unidos da América e da China. Cabe destacar que essa superlotação carcerária é constituída tanto com presos por sentença transitada em julgado, como também por detidos provisoriamente. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2022 o Brasil possuía uma população carcerária de cerca de 900 mil presos, dos quais 44,5% são presos provisórios à espera de julgamento. Dados que revelam a superlotação como um sério problema no sistema prisional brasileiro.
Percebe-se assim, a necessidade do Poder Judiciário acelerar o andamento e o julgamento dos casos de detidos provisoriamente, para que o número de presos no Brasil diminua gradualmente, uma vez que, essa dura realidade, contraria o que determina o artigo 84 da Lei de Execução Penal n.° 7.210/1984 que dispõe:
Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.
§ 1º Os presos provisórios ficarão separados de acordo com os seguintes critérios: (Redação dada pela Lei nº 13.167, de 2015)
I - acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)
II - acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)
III - acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos dos apontados nos incisos I e II. (Incluído pela Lei nº 13.167, de 2015)
Consoante o texto da lei, é assegurado o direito do preso provisório ficar separado do preso com sentença transitada em julgado, assim como do preso primário ser separado dos reincidentes. Porém, isso não acontece na prática, nem sempre acontece. Já em seu art. 83, a LEP estabelece que “o estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”. Dessa forma, o Estado é o total responsável pela integridade física e moral do presidiário, entretanto, sequer são respeitados os direitos e garantias básicas dos presos. Como bem destaca Roberto Porto (2008),
além de não ressocializar o interno, o sistema penitenciário acabou se transformando em fator permanente de tensão social. Aqui reside o fato que explica as rebeliões e a grande articulação das facções criminosas. Bem ocupado, o detento, também dignamente tratado, se ocuparia exclusivamente do cumprimento de sua pena, para ganhar a liberdade, que, de resto, é o grande almejo de todos envolvidos com o cárcere. agredido na dignidade humana, desrespeitado, volta-se para a perpetuação do crime, fato que traz por si próprio todas as conseqüências já conhecidas. (PORTO, Roberto, 2008, p. 103).
Desse modo, é perceptível no ambiente prisional a presença do tratamento desumano, a descriminação e o preconceito, seja ela em virtude de cor da pele, etnia ou religião, onde os iguais são tratados desigualmente. A superlotação carcerária no Brasil viola os direitos humanos, sobretudo pelas péssimas condições apresentadas com celas amontoadas de presidiários, sem o mínimo de conforto e higiene, em confronto com o princípio da dignidade da pessoa humana e com as regras da Lei de Execução Penal Brasileira.
3.1.2 Da dignidade da pessoa humana
As desigualdades sociais e econômicas consomem e deterioram as estruturas de um país. O ambiente das prisões brasileiras, hoje, são locais desumanos que ferem a dignidade da pessoa humana, assegurada no inciso III, do art. 1º, da CF de 1988. “[…] III - dignidade humana. […]”. Portanto, o Estado determina como sendo um dos princípios fundamentais e como forma de proteção de todo ser humano.
É importante lembrar que foi com o fim da Segunda Guerra Mundial, onde o mundo mergulhou num profundo sentimento de desproteção e desamparo perante todas as terríveis atrocidades cometidas durante a guerra, que emergiram os princípios da dignidade humana. Para o Ministro Luíz Roberto Barroso.
Após a Segunda Guerra Mundial, a dignidade da pessoa humana se tornou um dos grandes consensos éticos mundiais, servindo de fundamento para o advento de uma cultura fundada na centralidade dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. Progressivamente, ela foi incorporada às declarações internacionais de direitos e às Constituições democráticas, contribuindo para a formação crescente de uma massa crítica de jurisprudência e para um direito transnacional, em que diferentes países se beneficiam da experiência de outros. (BARROZO, 2010, p. 37).
Portanto, como a dignidade humana é um princípio assegurado na CF, a desumanização nos presídios brasileiros ocasionados principalmente pela superlotação carcerária, precisa ser urgentemente solucionada pelo Estado, para que assim, a recuperação e a ressocialização dos detentos possam ser efetivados.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora existam órgãos de proteção aos direitos inerentes aos presos no sistema penitenciário, estes não são respeitados. Estes direitos, são garantidos na Constituição Federal em seu art. 5º, XLIX – “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, na Lei de Execução Penal n.º 7.210, de 11.7.1984 nos arts. 40 e seguintes que dispõem sobre a integridade física e moral dos condenados e seus direitos, assim como nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos que nosso país é signatário. São violados direitos básicos à educação, saúde e da dignidade humana. Essa crise no sistema penitenciário brasileiro se alastra por anos e ainda não foi solucionada.
A superlotação carcerária e demais mazelas existentes nas cadeias fazem os presídios gerarem delinquentes (FOCAULT, 2009). Uma vez que, com o tratamento desumano nas cadeias e a ausência de políticas públicas para reabilitação dos detentos, estes acabam saindo revoltados e passíveis de cometer crimes mais graves do que o fizeram cumprir uma pena no regime fechado nessas condições. Em síntese, o estado não tem fornecido mecanismos para enfrentar essa problemática.
Como destacado, a superlotação carcerária é o principal fator dessa crise no sistema prisional no Brasil. Pois, a falta de celas demonstra a urgência em construir novas prisões, o que não seria a solução do problema e, sim, o investimento em políticas públicas, um sistema de ensino de qualidade, haja vista que nem todo presídio possui sala de aula. Urgentemente algo precisa ser feito, a começar pela infraestrutura.
Cabe destacar que o Brasil, em relação às garantias e direitos, possui no papel um sistema jurídico de primeiro mundo, porém, o Estado não os garante nos presídios. A recuperação e ressocialização dos detentos não são asseguradas, em consequência, estes não são preparados a uma nova forma de vida com padrões socialmente aceitos.
A superlotação carcerária gera consequências drásticas. Entre elas estão as mortes geradas por rebeliões e facções que predominam nos presídios. Ainda, segundo especialistas, cerca de 62% das mortes em prisões brasileiras são causadas por doenças devido às condições precárias e o amontoado de pessoas nas celas.
Apesar da deficiência do Estado em fazer cumprir essas garantias, temos também uma sociedade pouco esclarecida, onde são induzidas a acreditar que o confinamento em massa de pessoas que cometeram um crime grave seja a melhor maneira de diminuir os índices de violência que só crescem.
Portanto, caso a Lei de Execução Penal fosse cumprida, com o Estado fornecendo subsídios e recursos necessários para sua efetivação, certamente a reabilitação e ressocialização de boa parte dos presidiários seria alcançada. Mas, infelizmente, essa finalidade ocorre somente no plano teórico e não, na prática, por parte das nossas autoridades públicas. Entretanto, a única coisa que falta é a iniciativa do Estado.
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