A Blusinhas e a Reforma Tributária

14/06/2024 às 16:00
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Nesse momento, o Congresso brasileiro trabalha na regulamentação da Emenda Constitucional 132, onde com muito esforço, procura simplificar o complexo e horrendo sistema tributário brasileiro, em meio as pressões e lobbys dos setores mais organizados da economia.

Ao mesmo tempo os factoides tributários, acontecem e nele vemos as cores do atraso na partidarização extremada de discussões importantes, como a propalada “tributação das blusinhas.”

Esse episódio é pra lá de exemplificativo de como a política rasteira se instrumentaliza as redes sociais e domina uma discussão nada profunda, onde todos viram doutores em Direito Tributário, da minha Vó a minha prima distante, todos de forma majoritária compartilham e replicam conteúdo sem a menor profundidade, apenas para fazer arder a fogueira das discussões das redes sociais, no vício cíclico de publicar para alimentar o sentimento de pertencimento.

O Poder Legislativo, aprecia os projetos de lei complementares que tratarão da transição entre os antigos e os novos tributos sobre bens e serviços, o imposto seletivo, os regimes específicos, a governança do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o modelo para garantir a não cumulatividade dos tributos e a apuração de créditos ao longo da cadeia, o tratamento da Zona Franca de Manaus, a desoneração da cesta básica e os fundos de desenvolvimento regional e para os Estados da Região Norte, entre tantos outros pontos fundamentais para o nosso futuro.

Em meio a pontos tão importantes, o que não faltam são novos focos de incêndio, que atuam sob a política jurídica no processo regulatório, seja no travamento de propostas fundamentais para dar velocidade e eficiência a reforma, ou por novos arroubos de vaidade entre um poder e outro alimentados por uma pauta de extremismo partidário.

Com o propósito de subsidiar a elaboração dos anteprojetos, o Ministério da Fazenda criou 19 grupos técnicos com participação de membros da União, dos Estados e dos municípios, para avançar no projeto de regulamentação, deixando ao congresso uma considerável contribuição.

Em meio a um conjunto de pressões a regulamentação segue, o que deve fazer da reforma algo com inúmeras imperfeições sim, mas sendo um marco significativo na simplificação do sistema, na redução do contencioso e na equalização da carga.

A importância da discussão séria da Reforma Tributária, da força dos lobbys e do uso de qualquer assunto para criar uma plataforma partidária, pode ser exemplificada na taxação da importação por consumidor.

De um lado existe a mobilização da indústria e do varejo na luta pela igualdade tributária e regulatória em relação às plataformas internacionais de e-commerce, que de forma lamentavelmente jocosa passou a ser tratada, de modo subestimado e semanticamente distorcido, como taxação das blusinhas. Um termo que reduz de forma significativa a importância do assunto, que tem o propósito de igualar em condições um pouco mais justas a possibilidade de concorrência com a indústria local.

Para termos a medida da importância desse setor, lembro que a indústria têxtil e de confecção brasileira integra uma das cinco maiores cadeias produtivas do mundo e a maior integrada do Ocidente, desde a matéria-prima (natural, sintética ou artificial) até o produto final. Se precisássemos criar um parque produtivo igual ao nosso custaria mais de R$ 400 bilhões. Esse setor emprega 1,33 milhão de pessoas e 85% dos negócios são de pequeno e médio portes. Posicionamo-nos entre os dez maiores mercados globais.

Logo quando o Senado Federal, no último dia 5 de junho, aprovou a tributação incidente sobre a importação por consumidor em 20% nas compras de até US$ 50 nas plataformas internacionais, tentou-se atenuar a desigualdade tributária, mas a diferença continua grande, pois os sites estrangeiros, além dessa alíquota, continuam recolhendo apenas 17% de ICMS. A indústria e o varejo brasileiros, porém, pagam um pacote de impostos que chega a 90%.

As empresas nacionais já foram muito prejudicadas pelo benefício concedido pelo governo ao e-commerce estrangeiro em agosto de 2023, por meio da Portaria 612 do Ministério da Fazenda. Foi uma insólita compensação para que aderissem ao programa Remessa Conforme. Ora, cumprir a lei é uma obrigação, e não uma concessão em troca de privilégios.

Também cabe enfatizar a desigualdade regulatória, pois as mercadorias importadas por meio das plataformas não são submetidas à análise de organismos como o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), Anvisa e Ministério da Agricultura e Pecuária, como ocorre com as nacionais e as que ingressam no País pelas vias aduaneiras regulares. É preciso avançar nesse controle, essencial para a segurança dos consumidores.

A defesa da igualdade tributária e regulatória não expressa qualquer xenofobia, mas sim a necessidade lógica de condições justas e leais para competir. Empresas estrangeiras são muito bem-vindas. Mas não é plausível que disputem nosso mercado favorecidas por privilégios, pois isso, muito além das blusinhas, ameaça milhares de empresas e milhões de empregos.

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Destaco, que em um primeiro momento, esse imposto, embora mais baixo do que o reivindicado, pois a indústria queria uma alíquota de 35%, será suficiente para reduzir o volume importado de blusinhas e de outras quinquilharias.

O comércio eletrônico (e-commerce) já corresponde, no Brasil, a 16% do volume total de vendas do comércio, conforme dados do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

Essa desigualdade entre os produtos importados e os nacionais e o seu crescimento pelas vendas on line explica e muito o derretimento do nosso varejo nacional, uma mudança onde o e-commerce, transformou as lojas em showrooms, desempregando os comerciários de forma desenfreada, pois as pessoas entram na loja, olham e testam um produto e voltam para suas casas para comprar os mesmos itens pela internet.

A Reforma Tributária, reduz benefícios fiscais de muitos setores e ataca a regressividade da carga tributária incidente sobre o consumo, uma medida fundamental na geração de emprego.

Claro que essas medidas ainda não se mostram suficientes diante do atual cenário de tributação e sua repercussão sobre os contribuintes, principalmente aqueles cuja tributação sobre bens de consumo e prestação de serviços significa prejuízo a seu sustento, ofendendo assim sua dignidade, o princípio da isonomia tributária e da capacidade contributiva, visto que não se fala em aplicação da progressividade, ou transferência da maior parte da incidência tributária para a tributação que permite a dosimetria da capacidade e aplicação de alíquotas os tributos diretos.

Com o propósito de alcançarmos uma tributação mais justa, a Reforma deve evidenciar um modelo que trabalha com ima definição conceitual de baixa renda mais próxima da realidade, visto que há uma distinção entre capacidade contributiva e capacidade financeira, sendo esta última relacionada à receita auferida pelo indivíduo, e a primeira leva em consideração as despesas e, portanto, o que lhe resta quando essas são retiradas. Desta feita, uma pessoa que ganha o mesmo valor que outra, mas possui despesas maiores, possui mesma capacidade econômica, porém diferente capacidade contributiva.

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Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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