Capa da publicação Habilitação de crédito retardatária na recuperação e falência
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Diferentes aspectos da habilitação de crédito retardatária no contexto de recuperação judicial e falimentar

13/06/2024 às 17:54
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As habilitações retardatárias podem ser admitidas a qualquer momento durante o processo de recuperação judicial, mas enfrentam maiores desafios, como a perda de direitos e enfrentamento de impugnações por parte de outros credores.

A habilitação de crédito é um ato voluntário do credor que ocorre no contexto de recuperação judicial e falência de uma empresa, em que os credores apresentam suas reivindicações de crédito para serem reconhecidas e eventualmente pagas dentro do processo de insolvência.

Existem dois tipos distintos de habilitação de crédito: tempestivas ou retardatárias. Essas se distinguem pelo momento em que são apresentadas, a saber, antes ou depois do prazo estipulado pelo juiz para verificação dos créditos sujeitos ao processo de falência ou recuperação judicial.

Nesse contexto, a habilitação de crédito tempestiva ocorre quando os credores apresentam suas reivindicações diretamente ao administrador judicial durante a fase de verificação dos créditos, contados 15 dias corridos após a publicação do edital do respectivo processo de insolvência2.

Por outro lado, a habilitação de crédito retardatária no processo de recuperação judicial e falência surge quando os credores não observam o prazo estipulado em Lei, resultando na apresentação tardia de suas reivindicações.

Um dos diversos exemplos que desafiam a distinção entre habilitação tempestiva e retardatária, é quando o trânsito em julgado da sentença condenatória que reconheceu o crédito impossibilitou a sua habilitação dentro do prazo ordinário. Nessa situação, não há como considerar a habilitação como tempestiva ao invés de retardatária. Isso porque, a lei condiciona a inclusão do crédito à ocorrência de seu fato gerador, e não ao trânsito em julgado da sentença3.

As habilitações retardatárias podem ocorrer a qualquer momento durante o processo de recuperação judicial4 ou dentro de um prazo máximo de três anos após a sentença que decretou a falência5. Se apresentadas antes da homologação do quadro-geral de credores, são recebidas como impugnação6 e, após, aqueles que não habilitaram seus créditos podem solicitar ao juízo da falência ou da recuperação judicial a inclusão destes7, a partir de ação rescisória8. Nota-se que qualquer uma das partes legitimadas tem o direito de ingressar com uma ação rescisória com o propósito de excluir ou modificar o valor ou classificação de um crédito já registrado no quadro-geral de credores, quando há descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou documentos que não foram considerados durante o julgamento do crédito ou sua inclusão no quadro-geral de credores9.

Portanto, entende-se que, nesse caso, o termo “habilitação” deve ser interpretado extensivamente, de modo a compreender habilitações na hipótese em que o crédito não esteja incluído na lista de credores apresentada, como às impugnações ou divergências10. Destarte, o Prof. Marcelo Barbosa Sacramone, afirma que “embora o art. 10, § 6º, restrinja as retificações apenas àquelas que não habilitaram seu crédito até a homologação do quadro-geral de credores, a interpretação literal não permite a exclusão da extensão às divergências retardatárias. Tanto a inclusão de crédito não compreendido poderá ser feita de modo retardatário como a apresentação, pelo próprio credor ou pelos demais legitimados (art. 19), de divergência quanto ao seu valor, natureza ou inexistência”11.

Na perspectiva do credor, não há dúvidas de que este não deseja perder o prazo para habilitar o seu crédito. Ocorre que, muitas vezes na prática, os credores não têm conhecimento de que estão excluídos da lista, com a antecedência necessária para iniciar o processo de habilitação12. Contudo, a habilitação de crédito retardatária geralmente enfrenta maior escrutínio e pode ser objeto de impugnação pelos demais credores, o que afeta a sua chance de ser reconhecida. Além disso, o atraso também gera efeitos jurídicos pouco conhecidos pelos credores, sendo eles, precipuamente: (i) perda do direito de voto na recuperação judicial; (ii) perda do direito ao pagamento na falência; (iii) recolhimento de custas judiciais.

Em relação à perda do direito de voto, a Lei nº 11.101, é clara ao prever que, na recuperação judicial, os titulares de créditos retardatários não terão direito a voto nas deliberações da assembleia-geral de credores, com exceção daqueles que o seu crédito é derivado da relação de trabalho, como é o caso dos honorários sucumbencias13. O mesmo se aplica na falência, salvo se, na data da realização da assembleia-geral, já houver sido homologado o quadro-geral de credores contendo o crédito retardatário14.

No caso de divergência de crédito manifestada também de forma tardia, o credor não será afetado da mesma forma que as habilitações retardatárias. Nesse contexto, a doutrina sustenta que o credor poderá votar com o valor e a classificação do crédito espelhados no edital, até que sejam corrigidos por decisão judicial, momento em que o voto poderá refletir o novo cenário estabelecido15.

Quanto à perda do direito de participar dos pagamentos proporcionais de sua respectiva classe, a Lei nº 11.101 pune os credores retardatários no processo falimentar, visando aprimorá-lo, retirando-lhes o direito a rateios realizados antes da apresentação da habilitação e os submetendo ao pagamento de custas16. Além disso, nesse caso, há perda do direito ao recebimento de correção monetária e juros de mora sobre a obrigação, desde o término do prazo de 10 dias para impugnação judicial de crédito até a data do pedido de habilitação retardatária17.

Por fim, no caso da habilitação retardatária a partir de ação rescisória perante o juízo que julgou procedente o pedido de inclusão do crédito, o credor arcará com o ônus das custas judiciais. A cobrança dessa taxa está sujeita à imposição e regulamentação por meio de legislação estadual.


Notas

  1. Art. 7, § 1º, Lei 11.101.

  2. Nesse sentido, com o trânsito em julgado não ser requisito à inclusão do crédito como concursal: TJSP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Agravo de Instrumento nº 2112068-24.2021.8.26.0000, Rel. Sérgio Shimura, julgamento em 27/10/2021, publicação em 27/10/2021.

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  3. Nesse sentido, com a permissão da habilitação retardatária a qualquer momento até que a recuperação seja encerrada: STJ, 3ª Turma, REsp nº 1840166 , Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 13/12/2019.

  4. Art. 10, § 10º, Lei n° 11.101.

  5. Art. 10, § 5º, Lei n° 11.101.

  6. Art. 10, § 6º, Lei n° 11.101.

  7. Art. 6°, § 1°, Lei n° 11.101.

  8. Art. 19, caput, Lei n° 11.101.

  9. SACRAMONE, Marcelo B. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. p. 77.

  10. SACRAMONE, Marcelo B. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. p. 80.

  11. TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. v.3. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. p. 94.

  12. Art. 10, §1°, Lei nº 11.101.

  13. Art. 10, §2°, Lei nº 11.101.

  14. CAMPINHO, Sergio. Curso de direito comercial: falência e recuperação de empresa. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. p. 53.

  15. Art. 10, §3°, Lei nº 11.101.

  16. Ibid.

Sobre o autor
Erik Gottlieb Martins

Graduando em Direito na FGV Direito Rio, pesquisador do NEASF-FGV e competidor em torneios acadêmicos sobre direito civil, mediação e arbitragem. E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

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