Evolução das medidas punitivas

Reflexões presentes no livro Vigiar e Punir de Michel Foucault.

Resumo:


  • As medidas punitivas têm evoluído ao longo da história, refletindo mudanças nas concepções de justiça e no tratamento de infratores.

  • Desde práticas antigas como tortura e pena de morte, passando pela ideia de reabilitação no século XIX, até abordagens contemporâneas de ressocialização e prevenção do crime.

  • A evolução das medidas punitivas busca formas mais eficazes e humanas de lidar com o crime, assegurando a aplicação justa e equitativa da justiça penal a todos os indivíduos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

As medidas punitivas têm sido objeto de reflexão e transformação, buscando conciliar punição, proteção da sociedade e a reinserção do infrator na comunidade. Tendo em vista a presença do Código Penal Brasileiro, instituído pela Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, com o objetivo da regulamentação das condutas consideradas criminosas, estabelecendo as penas correspondentes e os procedimentos para sua aplicação. Logo, constata-se que a evolução das medidas punitivas ao longo da história reflete mudanças nas concepções de justiça e no tratamento de infratores. Desde práticas antigas como tortura e pena de morte (ainda presente em alguns países ao redor do mundo), passando pela ideia de reabilitação no século XIX até as abordagens contemporâneas de ressocialização e prevenção do crime. Michel Foucault em sua obra “Vigiar e Punir” explora a evolução das medidas punitivas na sociedade ocidental. Descreve como a punição passou de práticas públicas com tortura corporais até a morte, para métodos mais sutis de controle e disciplina, como os sistemas penitenciários modernos. Em suma, o artigo analisou a evolução das medidas punitivas, práticas que têm sido moldadas por diferentes concepções de justiça e controle social com o decorrer do tempo, refletindo a busca constante por formas mais eficazes e humanas de lidar com o crime e seus perpetradores no essencial meio de assegurar que a justiça penal seja aplicada de forma justa e equitativa a todos os indivíduos.

Palavras Chaves: Métodos Punitivos; Poder de Punir; Corpo; Código Penal;

ABSTRACT

Punitive measures have been the subject of reflection and transformation, seeking to reconcile punishment, protection of society and the reintegration of the offender into the community. In view of the presence of the Brazilian Penal Code, established by Law No. 2,848, of December 7, 1940, with the objective of regulating conduct considered criminal, establishing the corresponding penalties and procedures for their application. Therefore, it appears that the evolution of punitive measures throughout history reflects changes in conceptions of justice and the treatment of offenders. From ancient practices such as torture and the death penalty (still present in some countries around the world), through the idea of rehabilitation in the 19th century, to contemporary approaches to resocialization and crime prevention. Michel Foucault in his work “Discipline and Punish” explores the evolution of punitive measures in Western society. He describes how punishment went from public practices of corporal torture to death, to more subtle methods of control and discipline, such as modern prison systems. In short, the article analyzed the evolution of punitive measures, practices that have been shaped by different conceptions of justice and social control over time, reflecting the constant search for more effective and humane ways of dealing with crime and its perpetrators in the essential means of ensuring that criminal justice is applied fairly and equitably to all individuals.

Key-word: Punitive Methods; Power to Punish; Body; Penal Code;

INTRODUÇÃO

Há quem critique as medidas punitivas adotadas no Brasil, alegando que precisam ser atualizadas ou mais rígidas. Críticas que frequentemente destacam um sistema penal, apesar de possuir um extenso arcabouço legal, enfrentando desafios na qual penas atualmente aplicadas não são suficientes para dissuadir a prática de crimes, enquanto outros sugerem que a falta de políticas de reabilitação contribui para a reincidência. Além disso, há críticas sobre a efetividade das leis e a necessidade de reformas para que sejam mais condizentes com a realidade social e econômica do país. Esses debates refletem a complexidade da questão e a busca por um equilíbrio entre punição, prevenção e reabilitação dentro do sistema de justiça criminal brasileiro.

O próprio Código Penal Brasileiro foi instituído pela Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e tem como principal objetivo proteger os direitos e interesses da sociedade, mantendo a ordem pública e garantindo a segurança dos cidadãos.

Como tudo parte de um início, a legislação penal, antigamente teve sua aplicação em formas mais obscuras, a morte-suplício. Num sofrimento físico e mental intenso ao detento e para à justiça, a glória e ostentação do seu poder. Tal fato é uma representação presente no livro Vigiar e Punir de Michel Foucault (1999), envolvendo críticas da manifestação do poder de punir e em evidenciar a forma como uma sociedade penaliza seus transgressores revelando muito sobre suas estruturas de poder e controle social.

A evolução da legislação penal, desde a morte-suplício até os sistemas modernos, reflete uma transformação profunda nas concepções de justiça e humanidade. Hoje, busca-se um equilíbrio entre a punição e a reabilitação, com um forte compromisso com os direitos humanos e a dignidade. Assim, André Stefan (2022, p.7), expressa em seu estudo que “a vida em sociedade gera conflitos e disfunções que podem ser mediadas e controladas por diferentes mecanismos de controle social que estabelecem regras mínimas para uma vida civilizada”.

O que antes era considerado um meio “civilizado de punir”, hoje, demonstra uma das mais bárbaras formas de castigar alguém. Com isso, a evolução das medidas punitivas não foi apenas um marco na história da sociedade, mas um lembrete da importância de se previr o retrocesso de direitos e garantias fundamentais ao detento.

A modernização de um código que compete definir os crimes e suas penas, além de estabelecer os princípios e as regras gerais que devem ser observadas durante o processo penal, tais como a presunção de inocência, o devido processo legal, o direito à ampla defesa e ao contraditório e entre outros, deve ser vista não como um direito a classes específicas, mas para todos. Sendo essencial em assegurar que a justiça penal seja aplicada de forma justa e equitativa a todos os indivíduos, independentemente de sua classe social ou outras características pessoais.

METODOLOGIA

A revisão de literatura possui múltiplos objetivos essenciais para a pesquisa científica. Primeiramente, proporciona um aprendizado aprofundado sobre uma determinada área do conhecimento, permitindo ao pesquisador familiarizar-se com os principais conceitos, teorias e debates existentes. Além disso, a revisão facilita a identificação e seleção dos métodos e técnicas mais adequados para a condução do estudo, garantindo a escolha de abordagens metodológicas fundamentadas. Conforme esclarece Boccato (2006, p. 266), a pesquisa bibliográfica busca a resolução de um problema (hipótese) por meio de referenciais teóricos publicados, analisando e discutindo as várias contribuições científicas.

Dessa forma há a contribuição de Medawar (1974, p. 1105), em citar que os cientistas “trabalham muito perto da fronteira entre o espanto e a compreensão”. É através da exploração do desconhecido e desvendando mistérios que despertam tanto admiração quanto conhecimento. Nesse limiar, cada descoberta científica é marcada por uma mistura de fascínio e clareza, onde a curiosidade leva à investigação e, consequentemente, à expansão do entendimento humano. Esse equilíbrio delicado entre maravilhamento e compreensão é o que impulsiona o progresso científico, revelando a complexidade do mundo e, ao mesmo tempo, proporcionando respostas que alimentam a sede incessante por saber mais.

A essência da prática de investigação em livros e estudos já publicados em relação ao tema em questão evidencia um marco histórico social, podendo fornecer compreensões valiosas para a avaliação das medidas punitivas atuais. A metodologia utilizada inicialmente para a elaboração deste artigo, foi baseada dentre uma análise crítica do livro “Vigiar e punir” pelo autor Michel Foucault (1999). A partir desta análise, partimos com o pressuposto relacionado ao tema, visando identificar os principais conceitos e argumentos de Foucault sobre a evolução das medidas punitivas da sociedade contemporânea.

Além disso, para uma pesquisa mais aprofundada, foram utilizadas fontes variadas como artigos científicos, e legislações postas no Código Penal Brasileiro. Ainda, ressalta-se que foi possível obter uma visão abrangente e fundamentada, através de informações coletadas nos livros da biblioteca virtual da FACSUR, edições digitais do Kindle e estudos publicados no Google Acadêmico.

Não ocorreu a delimitação em relação a data de publicação dos estudos analisados, visto que, envolvem lapsos temporais ora próximos e outros distantes. Mas, delimitou-se ao foco da problemática: houve uma melhora nas medidas punitivas ao longo da história?. Tendo a comparação com outras fontes de trabalhos encontrados, fundamental para ampliar a compreensão sobre o tema e identificar convergências e divergências nas análises. Essa etapa permitiu contextualizar as ideias de Foucault em relação a outras abordagens e concepções sobre as medidas punitivas durante o tempo.

  1. REFERENCIAL TEÓRICO

    1. Manifestação do Poder de Punir

O poder pode ser definido como a capacidade ou habilidade de influenciar, controlar ou afetar o comportamento, as ações ou as decisões de outras pessoas, grupos ou instituições. Enquanto punir significa impor uma consequência negativa a alguém em resposta a um comportamento considerado inadequado, ilícito ou violador de normas estabelecidas pela sociedade.

No livro, os primeiros capítulos dizem respeito ao suplício e punição, visto que, o corpo do condenado era o objeto a ser afetado, na satisfação de cumprir a sentença quando o mesmo fosse transformado em cinzas. A condenação naquela época seguia um dos critérios de quanto maior for a gravidade do crime maior será o suplício, ou seja, o sofrimento do condenado.

O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. Nos “excessos” dos suplícios, se investe toda a economia do poder. (Capítulo II).

Assim, uma pena para ser um suplício obedecia três critérios: produzir uma certa quantidade de sofrimento; a morte é um suplício, suas formas de acontecer não são uma simples privação do direito de viver e sim uma ocasião e o termo final de níveis calculados de sofrimentos; e a morte-suplício é a arte de reter a vida no sofrimento.

Atualmente o princípio da humanidade das penas tem ao menos três sentidos apresentados por André Stefan: a preservação da dignidade da pessoa humana do condenado; o objetivo de integração social da execução penal (art. 1º da LEP) ou, ao menos, não dessocialização; e a proibição de penas desumanas.

Há uma mudança significativa nos três critérios das penas. A própria Constituição Federal Brasileira esclarece, desde logo, quais penas seriam consideradas desumanas em seu art. 5º, XLVII. Logo na alínea a, após a proibição da pena de morte (salvo em caso de guerra declarada nos termos do art. 84, XIX), a Constituição proíbe a pena de caráter perpétuo (alínea b), de trabalhos forçados (alínea c) de banimento (alínea d) e cruéis (alínea e).

A reflexão deste trecho envolve o não apagar e/ou omitir experiências passadas, mas permitir analisar de forma circunstancial e critica o passado como um fator influente na atualidade no que diz respeito ao poder de punir o corpo.

Numa observação dos estudos de Foucault por André Lima (2017) existi um poder soberano (o rei tinha o poder de decidir sobre o destino e a própria vida dos outros), um poder disciplinar (agindo no corpo do indivíduo, uma vez que ele condiciona ações especificas na construção de uma aparente determinação de posição na sociedade) e um biopoder (criar ações que promovam a condução das pessoas dentro desses mecanismos de poder espalhados no corpo social).

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Logo entende-se que o poder soberano, capaz de cuidar do destino dos corpos, numa representação atual de poder vem o Estado ditando quem vive e quem morre, mostrando sua soberania em exercer o direito de causar a morte ou de deixar viver. No poder disciplinar começa a manifestar-se de forma a criar regras determinadas a controlar o corpo do indivíduo,

o colocando em sua devida posição, sempre respeitando a lei. Já no biopoder emerge, quando

o Estado passa a ser o ente responsável por manter a política da vida, que passa também a gerir a morte, num controle da taxa de mortalidade e natalidade.

Foucault 2001, p.33 (apud Roberto Porto, 2008) explica que é preciso eliminar a confrontação física entre o Estado e o condenado. O Estado não pode ceder à sede de vingança e ao prazer de punir, visto da perspectiva do povo. É preciso que a justiça criminal puna em vez

de se vingar. Ou seja, a justiça criminal deve basear-se em princípios de justiça e reabilitação, em vez de vingança e punição física. A confrontação física entre o Estado e o condenado deve ser eliminada para assegurar um sistema penal que respeite a dignidade humana e promova a reintegração social.

Tem-se então uma concepção de poder que se transformou e se aperfeiçoou aplicando- se no corpo do sujeito, o Sistema Penal. Que vem garantir condições dignas de detenção, acesso à saúde, educação, trabalho e tratamento respeitoso. Além de estabelecer critérios para o cumprimento das penas, o sistema penal deve oferecer condições e oportunidades que favoreçam a reintegração dos indivíduos à sociedade de maneira produtiva e digna. É essencial que as práticas e políticas penais sejam continuamente revisadas e aprimoradas para assegurar que nenhum indivíduo seja submetido a tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante.

A Justiça persegue o corpo

“Diante da justiça do soberano, todas as vozes devem se calar”. Para a justiça daquela época, o suplício era ostentoso, o excesso das violências seria uma peça de sua glória, os gemidos e gritos sua própria cerimônia. E para a vítima, o suplício devia ser marcante com sinais em seu próprio corpo.

A justiça é buscada e aplicada em uma variedade de contextos e situações, sempre que há uma violação de direitos, normas ou princípios éticos, e quando há uma necessidade de restaurar o equilíbrio ou reparar danos causados por comportamentos injustos.

O que hoje entendemos como justiça, antes era uma forma soberana de que se originava o direito de punir, em que hipótese alguma poderia pertencer a multidão. A lei não vinha apenas defender, mas vingar, num retrato da soberania do desprezo referente a sua autoridade.

O corpo produzia e reproduzia a verdade do crime. Um exemplo de se fazer justiça, a qual o criminoso era punido da mesma forma ou maneira que matou a vítima. Mas, que hoje ganhou novos rumos, proibindo assim, principalmente qualquer crime de tortura no Brasil.

Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de

aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos. (Vade Mecum 36ª Ed. 2º Semestre, 2023 – Lei n. 9.455, de 7-4-1997, p.1633).

Apesar da atualização das medidas punitivas, o passado deixa seus vestígios como uma justiça criminal, com sua aplicação não homogênea aos delinquentes, evidenciando interesses privados em detrimento de interesses da coletividade, levantando discursões sobre a equidade e a eficácia do sistema penal.

Controle e Disciplina

Durante a época clássica, houve uma grande atenção ao corpo como algo a ser manipulado, treinado e controlado. As evoluções das medidas punitivas refletem uma transformação significativa na forma como o poder é exercido sobre o corpo humano.

De métodos brutais e públicos de punição, passou-se para formas mais sutis e contínuas de controle e disciplina, que buscam maximizar a utilidade e a submissão dos indivíduos. No entanto, a aplicação desigual das políticas punitivas e a influência de interesses privados sobre o sistema penal ainda representam desafios significativos.

“A disciplina procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no espaço.” No livro a esta distribuição se dar ao o grande encarceramento dos vagabundos e dos miseráveis como uma forma de controle e disciplina de populações marginalizadas consideradas desorganizadas e potencialmente perigosas. Tendo como os objetivos do encarceramento o controle social, manter a ordem pública, reduzir a criminalidade, prevenir revoltas e desordens. Nestes dias, não há tantas diferenças em relação a este contexto, percebe-se populações estigmatizadas incluindo aquelas em situação de pobreza extrema, moradores de favelas e bairros periféricos, que frequentemente são identificados como ameaças à ordem social. Essa percepção leva a uma série de medidas por parte do Estado, que busca exercer controle sobre essas populações para prevenir desordens e crimes.

Antes chamadas de Casas de Correção, estabelecimentos onde os encarcerados eram submetidos a trabalho forçado e disciplina rígida, hoje pode-se dizer que o Ordamento Jurídico Brasileiro visa garantir que os presos não sejam submetidos a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, expresso no artigo 5º, inciso III da Constituição Federal. Assim como é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX da CF). Tendo como assistência ao presidiário e ao internado, o dever do Estado perante o encarcerado,objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade, voltadas a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.

Prisão

Foucault na quarta parte do livro em questão revela a prisão, como pena fundamental desde o início do século XIX. O que antes envolvia o suplício-morte, no decorrer do tempo, refere-se ao castigo dado ao infrator, com a perda de liberdade medida em tempo, a fim de pagar sua dívida à sociedade.

A prisão passa a ser vista como uma forma civilizada de punição, não apenas privação de liberdade, mas uma empresa de modificação dos indivíduos. Desde os códigos de 1808 e 1810, a prisão incorpora objetivos diferenciados e finalizados destinada à reparação do crime e à emenda do culpado. Na individualização coercitiva perante o controle total das relações dos detentos e enfoque na transformação moral e comportamental dos indivíduos.

Esses pontos destacam a complexidade e os múltiplos objetivos da prisão desde sua concepção inicial, enfatizando seu papel central na disciplina e correção dos indivíduos, além de sua inevitabilidade percebida na sociedade moderna. Destaca também a prisão como aparelho para ajustar a duração e a intensidade da pena conforme a transformação do detento, ou seja, a penalidade ajustada à transformação útil do detento e não apenas ao ato cometido.

Apesar de sua origem distinta, a prisão se difundiu amplamente na justiça criminal moderna. A delinquência e os delinquentes tornaram-se pontos centrais na prática da justiça penal. Sugerindo que a eficácia da prisão deva ser investigada, mas evidente, ela conseguiu unir duas linhas divergentes da objetivação do criminoso: o monstro moral ou político e o sujeito jurídico requalificado pela punição. O delinquente tornou-se uma figura que combina o infrator da lei e o objeto de uma técnica científica.

O trabalho, juntamente com o isolamento, foi introduzido como um agente de transformação na prisão. A ideia era que o trabalho disciplinasse e corrigisse os detentos, criando hábitos de ordem e obediência.

A prisão, apesar de suas falhas e críticas constantes, permaneceu como uma instituição central no sistema de justiça penal devido ao seu papel no controle e gestão das ilegalidades. A prisão não apenas pune, mas também diferencia, utiliza e organiza as transgressões dentro de uma estratégia mais ampla de sujeição social. A manutenção da prisão, mesmo diante de evidências de sua ineficácia, reflete sua profunda integração no sistema de poder e disciplina da sociedade moderna.

Sendo assim, o sistema carcerário torna o poder de punir natural e legítimo, diminuindo a percepção de arbitrariedade no exercício do castigo. A pirâmide carcerária faz com que a prisão pareça uma continuação natural dos mecanismos disciplinares, não uma explosão de poder, mas apenas um grau adicional.

A prisão mantém o trabalho de controle e transformação iniciado fora dela, tornando o poder de punir menos visível e mais aceitável. O sistema carcerário naturaliza o poder legal de punir e legaliza o poder técnico de disciplinar, apagando a violência e o arbitrário de ambos, a mistura desses poderes diminui a resistência e revolta contra a punição, promovendo uma economia de poder eficaz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observa-se que a manifestação do poder de punir encontra-se multifacetado na soberania do Estado, exercendo através de um sistema de normas e instituições, regular comportamentos, prevenir delitos e assegurar a justiça. A aplicação das penas é orientada por princípios de proporcionalidade, legalidade e humanidade, buscando não apenas retribuir o mal causado, mas também ressocializar o infrator.

A justiça tem historicamente focado no corpo físico do indivíduo como alvo de suas punições. Este enfoque corporal se manifesta através de penas que infligem dor, restrição e privação de liberdade, utilizando o corpo como meio para exercer o poder punitivo. Desde a antiguidade até os tempos modernos, as formas de punição evoluíram, mas o corpo continua sendo um ponto central na aplicação da justiça.

Prisões, execuções, torturas e outras formas de castigo corporal são exemplos claros de como a justiça persegue o corpo, buscando não apenas retribuir o crime cometido, mas também servir como exemplo para a sociedade. No entanto, essa abordagem levanta questões éticas e humanitárias, desafiando-nos a reconsiderar o equilíbrio entre a necessidade de punição e o respeito aos direitos humanos.

A busca por métodos alternativos e menos invasivos de justiça, como a reabilitação e a mediação, destaca a importância de um sistema punitivo que, ao invés de perseguir o corpo, vise a transformação e reintegração do indivíduo na sociedade. Ou seja, a evolução dos métodos punitivos reflete uma busca contínua por formas mais eficazes, humanas e justas de lidar com o crime e o comportamento desviante.

A disciplina é frequentemente mantida por meio de sanções que servem como um dissuasor para comportamentos indesejáveis. Estas sanções não apenas penalizam o infrator, mas também funcionam como um aviso à sociedade sobre as consequências de violar as leis. Ao impor disciplina, o sistema penal busca moldar o comportamento dos indivíduos, promovendo a conformidade com as normas sociais e legais.

O controle é igualmente crucial, pois envolve a vigilância e a supervisão dos indivíduos, tanto durante a investigação quanto durante o cumprimento da pena. O objetivo é garantir que as penas sejam efetivamente cumpridas e que os infratores não representem uma ameaça contínua à sociedade. Mecanismos como a liberdade condicional, a monitoração eletrônica e os programas de reabilitação são exemplos de como o controle pode ser exercido de maneira eficaz.

No entanto, temos a prisão, inicialmente uma imposição externa ao sistema penal dos reformadores do século XVIII, conseguiu se integrar profundamente à justiça criminal moderna. Isso se deu, em grande parte, pela fabricação da delinquência como um campo unitário de objetos, apoiado pelas ciências humanas e sociais. A prisão tornou-se uma ferramenta eficaz para a justiça penal, organizando um campo de objetividade onde o castigo pôde ser aplicado como uma terapêutica. A aceitação e o sucesso da prisão residem na sua capacidade de legitimar o poder de punir dentro de um horizonte de verdade e de transformar o infrator da lei em um sujeito de estudo científico e técnico, combinando a figura do monstro moral ou político e o sujeito jurídico requalificado pela punição.

O monstro moral ou político em representar o infrator que, aos olhos da sociedade, encarna a ameaça aos valores e à ordem estabelecida. A este indivíduo é frequentemente visto como alguém que precisa ser contido e disciplinado para proteger o bem comum. Por outro lado, o sujeito jurídico requalificado pela punição é aquele que, através do processo penal e da aplicação da pena, passa por uma transformação que visa sua reintegração na sociedade. A punição, nesse contexto, não é apenas uma retribuição pelo ato cometido, mas também um mecanismo de reeducação e requalificação, permitindo que o indivíduo seja visto não apenas como um infrator, mas como um cidadão com potencial para mudança.

REFERÊNCIAS

BOCCATO, V. R. C. Metodologia da pesquisa bibliográfica na área odontológica e o artigo científico como forma de comunicação. Rev. Odontol. Univ. Cidade São Paulo, São Paulo,

Crimes de Torturas. Lei n. 9.455, de 7-4-1997. Vade Mecum. Saraiva 36ª Edição, 2023, 2º Semestre. p.1633.

DE LIMA, ANDRÉ MILITÃO. GENEALOGIA DO PODER EM MICHEL FOUCAULT:

DISPOSITIVO DE CONTROLE SOCIAL (Portuguese Edition) . Edição do Kindle.

ESTEFAM, André. Direito Penal Contemporâneo. Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597486. Disponível em:

https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597486/. Acesso em: 24 mar. 2024.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 33.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão;20ª Ed. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. 288p.

PORTO, Roberto. Crime organizado e sistema Prisional. Grupo GEN, 2008. E-book. ISBN 9788522467068. Disponível em:

https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522467068/. Acesso em: 02 jun. 2024. v. 18, n. 3, p. 265-274, 2006.

Vade Mecum. Saraiva 36ª Edição, 2023, 2º Semestre.

Sobre os autores
Herbeth Barreto de Souza

Advogado e Professor. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e Professor da disciplina de Direito Penal IV da FACSUR︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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