No artigo de hoje vamos falar sobre uma dúvida muito comum, especialmente após um divórcio: uma mãe pode se mudar de cidade com o filho sem avisar? Ou sem a permissão do ex-marido? Ah, o mesmo vale para o pai que quer mudar-se, afinal o pai também pode deter a guarda dos filhos. Direitos iguais.
Já te adiantamos que mudar-se de cidade com um filho, sem a presença do outro genitor da criança é um processo complexo, e depende de autorizações.
Falaremos, também, das consequências desta partida sem o consentimento da outra parte.
Então, se você quiser entender mais sobre o assunto, continue acompanhando o texto para saber todos os detalhes.
INTRODUÇÃO:
A guarda é o instituto derivado da própria autoridade parental exercida pelos pais.
O tema da disciplina legal da guarda dos filhos passou por modificações supervenientes a edição do Código Civil de 2002. Conforme lição de Gagliano e Stolze (2017), primeiro foi editada a Lei n. 11.698/2008, instituindo e disciplinando a guarda compartilhada como uma das modalidades possíveis a ser deferida.
Posteriormente, surgiu a Lei n. 13.058/2014, buscando estabelecer o conceito legal de guarda compartilhada e dispondo sobre a sua aplicação, tornando-a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro.
Com isso, o Código Civil, passou a prever que a guarda será unilateral ou compartilhada (artigo 1.583). E o código conceitua os institutos.
Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5 o ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
Noutras palavras, a guarda unilateral ou exclusiva é a modalidade em que um dos pais detém exclusivamente a guarda, cabendo ao outro o direito de visitas. O filho passa a morar no mesmo domicílio do seu guardião (Gagliano e Stolze, 2017).
A guarda compartilhada ou conjunta é a modalidade preferível em nosso sistema, de inegáveis vantagens, mormente sob o prisma da repercussão psicológica na prole, se comparada a outras modalidades de pouca aplicabilidade (guarda alternada, nidação e a própria guarda unilateral). Na guarda compartilhada, há a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns (Hironaka, 2003).
Ponto de duvidas importante: na guarda compartilhada, a pensão alimentícia é devida normalmente. Essa ressalva é necessária, pois muitos pais ameaçam a mãe, quando da separação do casal, que pedirão ao juiz a guarda compartilhada, e com isso, não pagarão a pensão aos filhos menores. Falta de informação a respeito gera esse tom de conversa, que não passa de engodo.
Ao fim e ao cabo, o que a legislação civil brasileira pretende, nada mais é que a pacificação de conflitos referentes à guarda dos filhos, bem como um estímulo à paternidade responsável.
Isso é o ideal em uma solução civilizada e consciente sobre a responsabilidade parental.
DESENVOLVIMENTO:
A guarda compartilhada ou conjunta é a modalidade preferível em nosso sistema, de inegáveis vantagens, mormente sob o prisma da repercussão psicológica na prole, se comparada a outras modalidades de pouca aplicabilidade (guarda alternada, nidação e a própria guarda unilateral). Na guarda compartilhada, há a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns (Hironaka, 2003).
Ponto de duvidas importante: na guarda compartilhada, a pensão alimentícia é devida normalmente. Essa ressalva é necessária, pois muitos pais ameaçam a mãe, quando da separação do casal, que pedirão ao juiz a guarda compartilhada, e com isso, não pagarão a pensão aos filhos menores. Falta de informação a respeito gera esse tom de conversa, que não passa de engodo.
Contudo, na esmagadora maioria dos casos, quando não se afigura possível a celebração de um acordo, ou seja, uma solução madura e negociada, soa temerária a imposição estatal de um compartilhamento da guarda, pelo simples fato de que o mau relacionamento do casal, por si só, poderá colocar em risco a integridade dos filhos.
E um dos reflexos disso, é o tema proposto neste artigo: casal separou/divorciou. A mãe precisa seguir sua vida e muda de cidade, mudar de estado ou até de país, para quaisquer motivos.
O pai pode negar essa mudança de ambiente, de cidade, de estado, de país?
Para viagens ou mudanças para o exterior (fora do Brasil), a legislação exige a autorização do pai ou da mãe que não irá junto com o filho. A autorização é exigida sempre que crianças e adolescentes (0 a 17 anos) precisarem viajar ou mudar para outros países desacompanhados, na companhia de apenas um dos pais ou acompanhados de terceiros. A autorização é dispensável quando a criança ou adolescente for viajar com ambos os genitores.
Essa autorização pode ser dada diretamente no Tabelionato, pelo pai ou mãe, no termos da Resolução 131 do CNJ, ou suprida judicialmente pela Vara da Infância e Juventude.
A lei não proíbe, contudo, que a mãe ou o pai mude de cidade ou de Estado, dentro do país. E também não exige a autorização do ex-cônjuge para essa mudança.
E nesse ponto, há muitos profissionais da área que ainda confundem o regramento civil sobre o tema, e dão orientações erradas e infundadas, o que é lamentável.
Não é crível pensar que em pleno ano de 2024, a mãe necessite da autorização do ‘macho’ para seguir sua vida, para mudar de cidade, para recomeçar a sua vida após o término da sociedade conjugal. Isso não existe.
A internet está cheia de opiniões de profissionais que insistem em afirmar que a autorização é necessária, e o fazem sob o argumento de que isso consta do artigo 1.634, inciso V do Código Civil:
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
(...)
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
(...)
Então, partindo de uma interpretação equivocada do art. 1.634, muitos profissionais causam essa desinformação e afirmam a necessidade injustificada de o ex-cônjuge ter de autorizar viagem e mudança.
Este artigo apenas refere a necessidade de os pais concederem autorizações para determinados casos. E no de mudarem de residência (inciso V), é para quando o filho for sozinho, para cursar uma faculdade longe de sua casa, por exemplo.
A alteração de residência para outro município ou estado, prevista no inciso V do art. 1.634 está ali porque os incapazes possuem domicílio necessário, isto é, determinado pela lei (Código Civil, art. 76). Os filhos menores incapazes têm como domicílio o dos pais.
Não é necessária a autorização para o guardião mudar de Estado ou cidade.
Deverá, o guardião, comunicar a mudança ao ex-cônjuge, bem como fornecer o novo endereço, a fim de permitir as visitas do genitor ao filho, bem como a manutenção do convívio.
Essa falta de comunicação sim, poderá ser penalizada pelo Judiciário e poderá repercutir. Mas veja, é a falta de aviso, o que é bem diferente da necessidade de autorização.
Claro que uma mudança para uma localidade distante vai impactar na convivência entre filho e o genitor que permaneceu em sua cidade. Mas isso é contornável com chamadas de vídeo, e viagens programadas para visitas pessoais.
Segundo Fachin (2010), a vida jurídica da família saiu do âmbito privado. Os direitos das crianças e dos adolescentes, por exemplo, passaram a ser lei exigível mesmo contra a vontade dos pais que ainda tem dificuldade em reconhecer que, na educação dos filhos, eles também, diariamente, têm muito a aprender. Além disso, à liberdade conquistada falta, muitas vezes, o senso da responsabilidade e do limite.
Existem sim, exceções a esta possibilidade de mudança. E ela reside justamente na guarda compartilhada.
Se esta for a modalidade de guarda do ex casal, significa que existe a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. As tomadas de decisões são em com junto, daí deve haver a autorização. Nas demais modalidades de guarda a lei não exige.
Outra exceção é o fato de a mãe, por exemplo, realizar a chamada ‘mudança abusiva de endereço’, com a intenção de inviabilizar ou obstruir à convivência familiar do pai com o filho. Se a mudança possui esse viés, aí não estaremos diante do direito da mãe seguir livremente sua vida, mas sim, está utilizando da situação para prejudicar o ex-marido e o próprio filho.
A alienação parental caracteriza-se pela vontade de um dos pais em prejudicar os interesses do outro, deliberadamente, sem haver qualquer benefício ao (s) filho (s).
Portanto, “sumir” com o filho para outra cidade ou estado caracterizaria alienação parental.
Esta situação então está prevista na Lei n. 12.318/2010, como uma das formas de alienação parental, e visa justamente "desmotivar a mudança abusiva do domicílio do menor".
"Caracterizada mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar", diz o dispositivo legal.
A mudança ocorre, mas poderá ser a mãe obrigada a arcar com os custos das visitas do pai à criança.
E claro, nos casos mais severos de alienação parental, poderá ser destituída a guarda e concedida ao outro genitor.
Mas perceba que é uma exceção que penaliza a conduta deliberada de um dos genitores mudar de endereço apenas para prejudicar o convívio dos filhos para com o outro (SOUZA, 2024). Não se aplica tal regra às mudanças normais e rotineiras, e essa alienação parental deve ser demonstrada em processo próprio (porque excepcional).
Não podemos nos esquecer de que o princípio da proteção à criança e ao adolescente deve ser sempre perseguido. Por isso, juiz, Ministério Público e parentes devem buscar o que é melhor para a criança e o adolescente (RÊGO, 2017).
Por outro lado, não se caracteriza como alienação parental hipóteses em que a mãe se muda para ter mais apoio para criar seu filho, ou quando pode conseguir uma condição financeira melhor em outra cidade.
Nesse caso, mudar-se para a cidade em que reside sua família, para que a mulher possa ter a ajuda de outras pessoas para criar o menor não caracterizaria alienação parental.
E aqui sequer precisa da autorização do varão.
CONCLUSÃO:
No contexto das transformações familiares contemporâneas, a guarda compartilhada emerge como uma alternativa que busca promover a participação equitativa dos pais na vida de seus filhos após a dissolução de um relacionamento conjugal.
Ao finalizar, é importante reforçar a necessidade contínua de pesquisas e práticas que promovam ambientes saudáveis e estáveis para o desenvolvimento das crianças em contextos de dissolução conjugal. O comprometimento com o bem-estar infantil deve orientar não apenas as decisões judiciais, mas também as ações dos pais e profissionais envolvidos. As recomendações baseadas em evidências contribuirão para uma compreensão mais profunda e, consequentemente, para a promoção de ambientes que favoreçam o crescimento saudável das crianças em situações desafiadoras.
Segundo Hironaka (2003), a responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajuda-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da ideia antiga e maximamente patriarcal de pátrio poder. Aqui, a compreensão baseada no conhecimento racional da natureza dos integrantes de uma família quer dizer que não há mais fundamento na prática da coisificação familiar.
Por fim, quando do meu próprio divórcio, minha ex-esposa partiu ao Rio Grade do Sul, para perto de seus familiares, onde teria mais auxílio para a criação de nossa filha (de 10 anos), bem como mais oportunidades de emprego. Não precisei autorizar. É a vida real mostrando como funciona.
REFERÊNCIAS:
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A guarda compartilhada e a Lei n. 11.698/08. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2106, 7/04/2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12592>. Acesso em 14/06/2024.
FACHIN, Luiz Edson. A família fora de lugar. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=487. Acesso em 14/06/2024.
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 6: Direito de Família. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Civil na relação paterno-filial. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4192. Acesso em 15/06/2024.
RÊGO, Pamela Wessler de Luma. Alienação Parental. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Rio de Janeiro, 2017.
SOUZA, Angélica Tomaz. A guarda compartilhada e seus impactos no desenvolvimento infantil. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Campus Videira, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Videira, 2024.
Sobre o autor: Patrick Ferrão Custódio, Professor do Curso de Direito da UNOESC Videira, Especialista em Direito Civil, Mestrando em Docência do Ensino Superior.