Responsabilidade civil por acidente de consumo decorrente do vício de informações

19/06/2024 às 17:29
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RESUMO: O presente estudo visa analisar a aplicabilidade da responsabilidade civil do fornecedor por acidente de consumo, decorrente do vício de informações, quanto ao produto ou serviço pactuado entre o consumidor e fornecedor. Assim, o principal objetivo desta pesquisa é verificar se existe a possibilidade de se fixar indenização, material ou moral, em favor do consumidor, uma vez que o fornecedor não prestou as informações imprescindíveis à essa relação. Considerando que se deve evitar que o consumidor sofra lesões, adquirindo um produto ou serviço, sem um prévio esclarecimento quanto aos riscos, ou sobre o conteúdo do contrato a qual se vincula com o fornecedor. Para tanto, faz-se necessário contextualizar inicialmente a evolução histórica dos direitos do consumidor, as relações de consumo no ordenamento jurídico pátrio. Ademais, a pesquisa investiga e analisa a aplicação do instituto da responsabilidade civil no âmbito do Direito do Consumidor, almejando alcançar o ápice da discussão problema, que neste caso consiste em confrontar a responsabilidade civil do fornecedor por acidente de consumo frente a constatação de vício de informações. Ressalta-se que não há expressamente nenhuma legislação regulamentando a matéria, o que se abre espaço para uma discussão doutrinária, tendo como embasamento o fato de que o consumidor prejudicado deve se valer da indenização a fim de ser reparado por todo o dano sofrido.

Palavras-chaves: Responsabilidade Civil. Acidente de consumo. Vício de informações.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo almeja expor e analisar a responsabilidade civil do fornecedor nos acidentes de consumo, bem como, as consequências da colisão entre o direito do consumidor à informação e o dever de informar do fornecedor.

Considerando que a falta de informação decorre da culpa em sentido amplo (dolo e a culpa em sentido estrito) ou do abuso de direito e fere a função social dos contratos, a probidade e a boa-fé objetiva, os quais são princípios do Direito Civil, aplicáveis ao contrato consumerista. Assim como, deve-se ponderar que um produto ou serviço é defeituoso, quando sua utilização ou fruição é capaz de adicionar risco à segurança do consumidor ou de terceiros.

Nesta hipótese, pode-se aludir a um vício ou defeito de segurança do produto ou do serviço, conforme disposto no artigo 19 do Código de Defesa do Consumidor. Por outro lado, o produto, às vezes, não ostenta vício de qualidade, mas é fornecido com informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos – como dispõe in fine do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor – ocasionando danos ao consumidor ou a terceiros e que, da mesma sorte, implicam a obrigação de indenizar.

Nesse ínterim, além dos vícios de qualidade, os vícios de informação podem ocasionar acidentes de consumo, passíveis de indenização se as instruções relativas à utilização do produto ou à fruição dos serviços não o acompanharem ou pecarem pela falta de clareza e precisão.

Considerando que o direito à informação que todos têm, decorre do artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal, na legislação infraconstitucional se verifica que o consumidor tem direito à informação e o fornecedor tem o dever de informar, conforme o Código de Defesa do Consumidor.

Logo, se o consumidor não receber as informações adequadas, se resta provado o vício e a consequente obrigação ser indenizado. Ademais, com o avanço tecnológico de que a sociedade dispõe, surge à necessidade de aperfeiçoar os institutos da responsabilidade civil, a fim de que, sirva de meio justo para reparar os danos aos prejudicados, no caso, o reconhecimento da responsabilidade civil por ausência de informações devidas ao consumidor sobre o produto ou serviço, o qual foi pactuado.

Diante do exposto, denote-se, que a presente pesquisa se justifica pela sua relevância jurídica e social, considerando que muitas vezes o consumidor, devido seu aspecto de vulnerabilidade, vivencia situações de abuso por parte dos fornecedores de produtos e/ou serviços, acordando contrato com deficiência nas informações essenciais inerentes ao pactuado pelo consumidor, fazendo-se presente vício no produto ou serviço da relação consumerista, ensejando, portanto, reparação pelo dano material ou moral em favor do consumidor.

Nesse diapasão, o estudo será metodologicamente confeccionado a partir da análise de pesquisas bibliográficas dos autores mais renomados do Direito Consumidor, através de revisão de literatura de revistas jurídicas, livros, artigos científicos, doutrinas contemporâneas, jurisprudência, dentro outros meios de pesquisa.

2 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

2.1 DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

A priori cumpre ponderar que a proteção às relações de consumo iniciou-se desde o Código de Hammurabi visto que este foi o primeiro sistema normativo com ideias precisas sobre direito e economia (Costa, 2019).

Todavia, somente com a Constituição Federal de 1988 consagrou-se a Defesa do Consumidor, presente no rol dos direitos e garantias fundamentais previstas no artigo 5º, da Carta Magna, conforme pode-se perceber através do inciso XXXII, “XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (Brasil, 1988).

Além do mais, a Constituição Federal de 1988 menciona a defesa do consumidor correlacionado aos princípios gerais da atividade econômica no Brasil, no artigo 170, inciso V (Brasil, 1988).

Não obstante, foi com o artigo 48 das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que determinou ao Congresso Nacional a elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Motivo pela qual, no dia 11 de setembro de 1990, foi promulgada a Lei nº 8.078, a qual dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências, dentre as quais, a responsabilização pelos danos causados ao consumidor, parte vulnerável da relação consumeristas.

Nesse diapasão, Costa (2019) pondera que a criação desta lei representou uma grande revolução na responsabilidade civil e uma mudança de postura do legislador pátrio. O direito do consumidor surgiu de acordo com as necessidades apresentadas pelo desenvolvimento que a sociedade atingiu.

2.2 DA RELAÇÃO DE CONSUMO

Inicialmente, cumpre elucidar que a relação jurídica de consumo, consoante Tartuce e Neves (2022) há perspectiva de seus elementos subjetivos e objetivos, ou seja, das partes relacionadas e o seu conteúdo.

Quanto ao elemento subjetivo, está previsto nos artigos 2º e 3º, do CDC, as partes consumidor e fornecedor. O artigo 2º, conceitua que, “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (BRASIL, 1990). Dando enfoque para a condição especial de ser destinatário final do produto ou serviço.

O fornecedor encontra-se conceituado no artigo 3º, caput, do CDC, in verbis:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (Brasil, 1990).

Do dispositivo colacionado verifica-se que a necessidade de desenvolver uma atividade, que vem a ser a soma de atos coordenados para uma finalidade específica (Tartuce; Neves, 2022).

Quanto aos elementos objetivos da relação de consumo, têm-se o produto e serviço. O primeiro encontra-se previsto no artigo 3º, §1º, do CDC, “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” (Brasil, 1990).

Oportunamente, cumpre frisar que, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o produto pode ser um bem móvel ou imóvel, os quais consta diferenciação dos mesmos nos artigos 79 e 82 do Código Civil, bem como, pode ser um bem material (corpóreo ou tangível) ou imaterial (incorpóreo ou intangível).

Já o serviço está conceituado no artigo 3º, §2º, do CDC, “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (Brasil, 1990).

Superada a análise histórica e quanto aos elementos da relação de consumo, passa-se a analisar as hipóteses de responsabilidade civil no âmbito consumerista, previstas no ordenamento jurídico pátrio.

3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

A responsabilidade civil, em termos gerais, encontra-se prevista nos artigos 186, 187 e 927, todos do Código Civil de 2002, os quais dispõem:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (Brasil, 2002).

Dos supra colacionados dispositivos, vislumbra-se que a conduta humana, o dano, o nexo de causalidade e a culpa são elementos essenciais para se caracterizar a responsabilidade civil, ou seja, parte do pressuposto subjetivo para a configuração dessa.

Todavia, o Código de Defesa do Consumidor consagrou a regra da responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços frente aos consumidores (Tartuce; Neves, 2022). Em suma, parte do pressuposto de que o fornecedor tem recursos financeiros e intelectuais superiores ao do consumidor, logo, independe comprovar a culpa ou dolo do fornecedor quando gera algum dano para o consumidor (considerado vulnerável sob a ótica do CDC).

Oportuno salientar que o CDC divide a responsabilidade civil na relação consumerista em vício do produto (quando existir algum problema oculto ou aparente no bem de consumo, tornando-o impróprio para uso ou diminuição do seu valor, previsto no artigo 18, do CDC), fato do produto (defeito ou acidente de consumo, previsto nos artigos 12 e 13, do CDC), vício do serviço (serviço contratado tiver sido mal prestado ou inadequados, previsto no artigo 20, do CDC) e fato do serviço (defeito, previsto no artigo 14, do CDC).

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Contudo, não há previsão expressa no Código de Defesa do Consumidor de qualquer hipótese que permite a responsabilidade civil por acidente de consumo, quando houver vício de informações, por serem insuficientes para o perfeito cumprimento do contrato pactuado entre o fornecedor e consumidor do produto ou serviço.

4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR POR ACIDENTE DE CONSUMO E O VÍCIO DE INFORMAÇÕES

Previamente, urge elucidar que o mundo contemporâneo é caracterizado pela enorme velocidade e volume crescente de informações, que servem de gatilhos ou armas de sedução utilizadas pelos fornecedores e prestadores para atraírem os consumidores à aquisição de produtos e serviços (Tartuce; Neves, 2022).

Ocorre que o CDC protege o consumidor, considerando-o vulnerável, à luz dos princípios da vulnerabilidade (técnica, jurídica, fática e informacional). Ademais, esse código protege o vulnerável negocial, em seus artigos 30 a 38, quanto às ofertas, as quais são artifícios de atração para o consumidor (Tartuce; Neves, 2022). Igualmente, concede como direito básico do consumidor, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva (art. 6º, III, do CDC).

Logo, se o consumidor não receber as informações adequadas, se restar provado o vício por defeito ou acidente de consumo, ensejará a obrigação de ser indenizado. Considerando que o direito à informação que todos têm, decorre do artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal, e, na legislação infraconstitucional se verifica que o consumidor tem direito à informação e o fornecedor tem o dever de informar adequadamente sobre o produto ou serviço fornecido.

Nessa hipótese, pode-se aludir a um vício ou defeito de segurança do produto ou do serviço, conforme disposto no artigo 19 do Código de Defesa do Consumidor. Contudo, o produto, às vezes, não ostenta vício de qualidade, mas é fornecido com informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos – como dispõe in fine do art. 12, do Código de Defesa do Consumidor – ocasionando danos ao consumidor ou a terceiros e que, da mesma sorte, implicam a obrigação de indenizar.

Além dos vícios de qualidade, os vícios de informação podem ocasionar acidentes de consumo, passíveis de indenização se as instruções relativas à utilização do produto ou à fruição dos serviços não o acompanharem ou pecarem pela falta de clareza e precisão.

Diante do exposto, pode-se perceber que um produto ou serviço é defeituoso, quando sua utilização ou fruição é capaz de adicionar risco à segurança do consumidor ou de terceiros, gerando, portanto, prejuízos aos mesmos.

Dessa forma, a falta de informação adequada na relação consumerista gera prejuízos ao consumidor, frisa-se parte hipossuficiente. Ferindo, portanto, a função social dos contratos, a probidade e a boa-fé objetiva, os quais são princípios do Direito Civil, aplicáveis ao contrato consumerista.

Razão pela qual, tendo em vista o avanço tecnológico de que a sociedade dispõe, surge à necessidade de aperfeiçoar os institutos da responsabilidade civil, a fim de que, sirva de meio justo para reparar os danos aos prejudicados, no caso, o reconhecimento da responsabilidade civil por ausência de informações devidas ao consumidor sobre o produto ou serviço, o qual foi pactuado.

Considerando que a boa-fé objetiva está relacionada com os deveres anexos ou laterais da conduta, que são ínsitos a qualquer negocio jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial.

Nessa toada Celso Antônio Bandeira de Mello (2010) citado por Samuel Mota de Aquino Paz (2014) defende que independente da teoria que se adote acerca da responsabilidade civil, fato é que uma vez descumprido o dever legal de informar o consumidor de forma clara e adequada sobre o produto ou serviço pactuado, resultará configurada a responsabilidade civil do fornecedor que prestou informações insuficientes ou inadequadas acerca da relação negocioal com o consumidor, colocando-o a risco, considerando a sua vulnerabilidade informacional na relação consumerista.

Nesse mesmo sentido, é o farto e atual posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o qual, reconhece a responsabilidade civil do fornecedor que presta informações insuficientes ou inadequadas ao consumidor, arbitrando, portanto, a reparação pelos danos causados ao mesmo, in verbis:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - IRDR n. 1.0000.20.602263-7/001 - TEMA 73 - DEVER DE INFORMAÇÃO - VIOLAÇÃO - REVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE - DANO MORAL. Nos termos do Código de Defesa do Consumidor é direito básico do consumidor receber informações adequadas e claras sobre os diferentes produtos e serviços prestados pelas instituições bancárias. É possível a revisão do contrato sempre que violados os princípios da informação, da transparência e da boa-fé contratual. O modo deliberado com que o dever de clareza e informação é descumprido pela instituição financeira caracteriza a má-fé necessária à condenação à restituição em dobro do indébito. A indenização por danos morais deve ser quantificada segundo as diretrizes do caso concreto e em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. V.V.APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - ERRO SUBSTANCIAL - NÃO CONSTATADO - IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO EM CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. - A possibilidade de conversão das modalidades de cartão de crédito consignado para empréstimo pressupõe a existência de erro substancial na intenção de contratar. - A assinatura de documento claro e específico quanto ao tipo de contrato e prestação do serviço, não configura o erro, uma vez que não pode se impor ao fornecedor de produtos e serviços o dever do consumidor de ao menos ler o que se assina. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.113834-2/001, Relator(a): Des.(a) Maurílio Gabriel , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/03/2024, publicação da súmula em 19/03/2024).

EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO C/C INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C TUTELA DE URGÊNCIA C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - ERRO NA CONTRATAÇÃO - ANULAÇÃO - DANOS MORAIS - RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES INDEVIDAMENTE DESCONTADOS. Não havendo comprovação e clareza das obrigações assumidas pela consumidora ao contratar cartão de crédito consignado, a consequência disso é a nulidade do contrato, por violação ao dever de informação e boa-fé a que estão sujeitos os prestadores de serviços e fornecedores de produtos. Descontos de valores indevidos decorrentes de produto financeiro comercializado sem clareza caracterizam dano moral indenizável, por constranger a autonomia privada da parte, sobretudo quando o débito representa percentual significativo dos rendimentos da consumidora. O modo deliberado com que o dever de clareza e informação é descumprido pela instituição financeira caracteriza a má-fé necessária à condenação à restituição em dobro do indébito. V.V. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RCM) C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO - ERRO SUBSTANCIAL NÃO CONSTATADO - IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO EM CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. I - Segundo as disposições do Código de Defesa do Consumidor, é objetiva a responsabilidade do fornecedor pelos danos decorrentes do vício de seus produtos e da falha na prestação dos seus serviços. II - Recai sobre o credor o ônus de comprovar a origem e a regularidade da dívida reputada como inexistente/indevida pelo devedor. III - A possibilidade de conversão da modalidade de "contrato de cartão de crédito consignado" em "contrato de empréstimo consignado" pressupõe a existência de erro subst ancial na intenção de contratar. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.203114-0/001, Relator(a): Des.(a) Octávio de Almeida Neves , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/03/2024, publicação da súmula em 06/03/2024).

Diante do explanado, percebe-se que é plenamente possível reconhecer como vício de informação ou acidente de consumo a situação em que o fornecedor não cumpre com seu dever legal de prestar todas as informações claras e adequadas acerca do contrato pactuado com o consumidor.

Destarte, a presente abordagem posiciona-se pelo reconhecimento da responsabilidade civil do fornecedor por acidente de consumo e vício das informações, devendo, portanto, indenizar o consumidor pelos danos materiais sofridos, e, até mesmo, possíveis danos morais gerados por essa quebra do dever legal inerente à relação consumerista.

5 CONCLUSÃO

À luz de todo o exposto, buscou-se explanar e discutir a percepção legislativa, doutrinária e jurisprudencial acerca da falta de informação adequada na relação consumerista, considerando que a partir avanço tecnológico que a sociedade alcançou surgiu a necessidade de aperfeiçoar os institutos da responsabilidade civil.

Com efeito, tornou-se imprescindível analisar a responsabilidade civil do fornecedor por acidente de consumo, ante o vício das informações inerentes à realização do contrato pactuado, à luz dos princípios da vulnerabilidade (técnica, jurídica, fática e informacional), perpassando, preliminarmente, pela evolução histórica do direito do consumidor, bem como, explanando os elementos subjetivos e objetivos da relação de consumo.

Razão pela qual, o ápice da discussão foi alcançado com a explanação da vulnerabilidade do consumidor, considerando que, conforme conceituado, o fornecedor dispõe de recursos e conhecimentos superiores ao do consumidor, e, por esta razão, este se encontra em uma posição de vulnerabilidade, reitera-se, técnica, fática, jurídica e informacional.

Ademais, o artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal, concomitantemente, fartos dispositivos infraconstitucionais da Legislação Consumerista estabelecem que todos os consumidores têm o direito à informação e o fornecedor tem o dever de informar ao mesmo, de maneira clara e adequada acerca do produto ou serviço pactuado entre as partes da relação de consumidor.

Destarte, quando o consumidor não recebe as informações adequadas, se resta provado o vício por defeito ou acidente de consumo, ensejando, portanto, o reconhecimento da responsabilidade civil do fornecedor pelo acidente de consumo ante o vício de informação, por ser ela insuficiente ou inadequada ao consumidor.

E, por via de consequência, tem-se o arbitramento de indenização por danos morais ocasionados ao vulnerável contratual, e até mesmo, possíveis danos morais gerados por essa quebra do dever legal inerente à relação estabelecida, pois se trata de afronta aos princípios da vulnerabilidade e da boa-fé, os quais são norteadores da relação consumerista pátria.

6 REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm > Acesso em: 20 mar. 2024.

BRASIL, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm >. Acesso em: 20 mar. 2024.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de jan de 2002. Código Civil Brasileiro 2002. Brasília, DF: Presidência da República,, 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 mar. 2024.

COSTA, Mabel Pereira da. Responsabilidade Civil nas relações de consumo. Conteúdo Jurídico, Brasília/DF: 09 de set de 2019. Disponível em: < https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/45486/responsabilidade-civil-nas-relacoes-de-consumo >. Acesso em: 10 abr. 2024.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010. In: PAZ, Samuel Mota de Aquino. Informação deficiente e a responsabilidade por fato do produto em face dos consumidores hipervulneráveis. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 03 fev. 2014. Disponível em: < https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38224/informacao-deficiente-e-a-responsabilidade-por-fato-do-produto-em-face-dos-consumidores-hipervulneraveis >. Acesso em: 10 abr. 2024.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0000.21.113834-2/001, Relator(a): Des.(a) Maurílio Gabriel , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/03/2024, publicação da súmula em 19/03/2024. Belo Horizonte, MG: TJMG, 2024 Disponível em: < https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/ementaSemFormatacao.do?procAno=21&procCodigo=1&procCodigoOrigem=0&procNumero=113834&procSequencial=1&procSeqAcordao=0 >. Acesso em: 18 jun. 2024.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0000.21.203114-0/001, Relator(a): Des.(a) Octávio de Almeida Neves , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/03/2024, publicação da súmula em 06/03/2024. Belo Horizonte, MG: TJMG, 2024. Disponível em: < https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/ementaSemFormatacao.do?procAno=21&procCodigo=1&procCodigoOrigem=0&procNumero=203114&procSequencial=1&procSeqAcordao=0 >. Acesso em: 18 jun. 2024.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo, SP: Método, 2022.

Sobre a autora
Mayara Semir Rainer Lauar

Advogada, especialista em Direito Constitucional pela Faveni, especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Damásio-IBMEC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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