As licitações, os contratos e o controle do futuro

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Tentar prever o futuro não é fácil. Pelo contrário, o risco de assertivas peremptórias entrarem para a história de forma constrangedora é grande.

 

Eis alguns poucos exemplos: “Os americanos precisam do telefone, nós não. Nós temos muitos garotos mensageiros” (Sir William Preece, chefe da agência britânica de correios em 1876); “A televisão não vai conseguir se segurar no mercado por mais de seis meses. As pessoas logo vão se cansar de olhar para uma caixa de madeira todas as noites” (Darryl Francis Zanuck, produtor de cinema e um dos fundadores do estúdio 20th Century Fox, em 1946) e “Não há nenhuma razão para alguém querer um computador em casa” (Ken Olson, presidente e fundador da Digital Equipment Corp. em 1977).

 

Mas, eis que eu me deparo com uma notícia de que uma Inteligência artificial do TCE/SC identificou irregularidades em editais de prefeituras. Nela li que um programa, chamado “VigIA”, analisou 33 editais (que totalizavam um valor global de R$ 15 milhões), donde, após um alerta do software 11 foram retificados e republicados, 3 foram suspensos, 1 foi revogado e 1 foi anulado.

 

E eis que me peguei na seguinte reflexão, nesse contexto, qual o futuro das licitações, dos contratos e do controle?

 

Veja, a Nova Lei Geral de Licitações e Contratos (NLGC) acena por diversas vezes para a informatização das contratações empreendidas pela Administração Pública, fazendo menção, por exemplo, a uma regra geral em seu art. 12, inciso VI, no sentido de que no processo licitatório os atos serão preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, fora, é claro, a previsão em seu art. 174, do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que é um sítio eletrônico oficial destinado à divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos pela Lei nº 14.133/2021 e para a realização facultativa das contratações pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos.

 

Considerando que a publicidade do edital de licitação será realizada mediante divulgação e manutenção do inteiro teor do ato convocatório e de seus anexos no PNCP e que a eficácia dos contratos e de seus aditamentos tem como condição indispensável a divulgação no já mencionado PNCP, fica muito fácil deduzir que, com o passar do tempo, a curva de aprendizado propiciada pelo cruzamento de dados, levará, por força da tecnologia, a uma grande revolução nas contratações públicas.

 

O uso de IAs pelos órgãos de controle e pela Administração Pública permitirá, a partir de uma análise do conteúdo disponibilizado no PNCP, verificar quais cláusulas editalícias se revelaram restritivas ou redundaram em certames desertos ou fracassados, quais matrizes de riscos fizeram alocações de risco indevidas ou quais cláusulas contratuais findaram por necessitar de diversos aditivos para permitir a execução do objeto contratual.

 

Após o tratamento dos dados, a tecnologia findará por trazer diversos modelos padronizados que, certamente, diminuirão bastante a discricionariedade na elaboração de instrumentos convocatórios e contratos administrativos.

 

Se no atual estado da arte o uso do “Ctrl + C”, “Ctrl + V” para a elaboração de editais e contratos “Frankenstein” (ou alguém que milita no setor, nunca viu algum colega pedir num grupo de whatsapp um modelo para a contratação “x” ou “y”?) é amplamente disseminado, produzindo-se assim uma “padronização involuntária”, imagine num cenário onde, com base nas melhores experiências em licitações e contratos, uma IA elabora, a partir dos dados do PNCP, instrumentos convocatórios e contratuais que, em seguida, são aprovados por uma IA do controle externo?

 

O controle (interno e externo) praticamente em tempo real exercido com o uso de uma IA sobre instrumentos produzidos a partir do emprego de outra IA, findará por chancelar atos e contratos praticamente “inquestionáveis”, pelo menos no âmbito administrativo.

 

Basta pensar um pouco: quão raro é alguém questionar a quantia de dinheiro que sai de uma máquina de auto-atendimento? E a razão para isso é simples: confiança na tecnologia.

 

E sejamos honestos, com o passar dos anos, qual a chance de um licitante questionar, de forma exitosa, um edital que foi elaborado (fazendo-se uso de IA) tendo por base as melhores experiências de contratações da Administração Pública e que foi aprovado (com emprego de IA) pelo Tribunal de Contas? A pergunta, no meu sentir, é meramente retórica.

 

Mas, por óbvio, a utilização de IA não vai se restringir à elaboração dos instrumentos convocatórios e contratuais.

 

Imaginemos os casos de dispensa eletrônica e da utilização de ambientes de marketplace, com o emprego da tecnologia, tanto pela própria Administração, quanto pelo controle. Em tal cenário poderemos chegar ao ponto de que uma IA fazer buscas dentro dos parâmetros que a experiência (da Administração e do Controle) revelou serem de excelência, onde ela certamente será capaz de obter, com grande margem de acerto, a proposta mais vantajosa para a Administração (notadamente em casos que envolvam o menor preço).

 

Outra consequência (até lógica) do emprego da tecnologia no cenário acima descrito será a redução do quadro de pessoal, seja para instrumentalizar as licitações e os contratos, seja para promover o devido controle interno e externo.

 

Neste particular, se quase tudo passa a ser feito de forma automatizada e padronizada e se há um controle igualmente automatizado em tempo real, a necessidade de mão de obra, por óbvio, diminui. Mal comparando é o caso da automação das linhas de produção.

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E veja, isso estamos especulando com base no que se sabe hoje. Se consideramos, por exemplo, o que era um celular nos anos 90 e o que é hoje, é possível afirmar que tudo o que foi escrito até aqui pode se tornar obsoleto rapidamente.

 

Mas veja, como dito no início do texto, tudo isso não passa de especulação e este articulista pode estar bastante errado, correndo o risco, portanto, de fazer companhia ao editorial do jornal The New York Times que, em outubro de 1903, asseverou que "uma máquina voadora que realmente voe pode evoluir dos esforços combinados e contínuos de matemáticos e mecânicos em um milhão a 10 milhões de anos".

 

Por Aldem Johnston Barbosa Araújo, advogado de Mello Pimentel Advocacia.

E-mail: [email protected].

Sobre o autor
Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE; Autor do livro "Processo Administrativo e o Novo CPC - Impactos da Aplicação Supletiva e Subsidiária" publicado pela Editora Juruá; Articulista em sites, revistas jurídicas e periódicos nacionais; Especialista em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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